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Acampamento indígena completa seis meses às margens da BR-293
Vindos de Santa Catarina, índios kaingang se instalaram em um local perigoso e só pensam em sair de lá para um lugar definitivo
Gustavo Mansur -
Fotos: Gustavo Mansur - DP
Você chega ou sai da cidade e eles estão ali, no mesmo lugar, como se já fizessem parte daquele espaço público. São seis meses acampados na BR-293, na frente do Terminal Rodoviário de Pelotas. Vieram de vez, garante o cacique Pedro Salvador, 53, porque acreditam que vão encontrar na cidade uma terra melhor para trabalhar e viver. As 16 famílias de índios kaingang que se encontram no local passam por dificuldades de toda a espécie. Não têm as mínimas condições de saneamento. Estão sem água e luz, em meio a grandes poças d'água e barro, à beira do canal Santa Bárbara, convivendo com grande número de mosquitos e outros bichos, à mercê de segurança zero na beira de uma rodovia com intenso fluxo de veículos.
Usam o banheiro da Rodoviária. Também é de lá que retiram água para as suas necessidades. Obviamente não conseguem o suficiente, por isso um dos produtos de maior necessidade é justamente água. A comunidade tem sido solidária e levado alimentos e roupas, mas para as crianças os donativos não têm chegado. Estão todas matriculadas e frequentando escola, por isso querem ter roupa para trocar, conta o cacique. Brinquedos por lá praticamente inexistem. São poucos e em mau estado. Leite é outro item necessário para alimentar os menores e tem faltado. Pede que os donativos sejam entregues a ele, que faz a distribuição conforme as necessidades de cada um.
As carências são várias, mas a principal é de um local apropriado para viver, o que não é o caso da área ribeirinha e perigosa onde estão. "Nós queria um lugar. Nós quer o camping. Visitamos e gostamos. Lá tem tudo, água, luz. Aqui não temos nada, já deu problema de diarreia nas crianças. Estamos preocupados com saúde, queria que chegassem mais aqui", fala Pedro. O cacique acrescenta que no grupo há duas gestantes e diz se preocupar pela situação delas.
Líder da tribo, é o responsável por todos e o que mais quer é um lugar, que considera já ter encontrado: o Ecocamping Municipal. A Funai, segundo ele, sinalizou que existe a possibilidade de acomodá-los lá e acredita que agora só depende do prefeito Eduardo Leite (PSDB), com quem gostaria de ter uns 20 minutos para conversar. Soube que a cidade tem uma vice-prefeita e fala também que queria sua visita ao acampamento. Pensa que tudo depende de vontade e acredita que isso está faltando por parte deles para resolver o problema de moradia do grupo. "Queria que ele (prefeito) viesse aqui ver as nossas dificuldades. Sempre mandei um abraço para ele pelos repórteres que vêm aqui. Ao menos a moça que é vice podia vir", fala.
"Até tenho vergonha de pedir a minha terra para criar meus netos. É tudo política. Tudo isso eu penso. Nossa cultura nós quer preservar, mas não tem remédio para fazer um chá para nossos filhos, nos tiraram tudo. Contaminaram todos os peixes nossos, não temos mato para pegar ervas. Então queremos que olhem pra nós", desabafa, ao acrescentar que no Ecocamping teriam tudo isso e ele se comprometeria em cuidar do local. "Só falta o prefeito assinar", repete.
Pedro tem certeza de que a comunidade quer que os índios permaneçam em Pelotas, pelo grande número de pessoas que já os ajudou nestes seis meses. Mas a proximidade do inverno sem uma solução o assusta muito. "Penso que vem mais chuva, que o inverno está chegando. Onde vou colocar meus filhos? Fico pensando no que eu vou fazer. Quero um terreno maior, por isso estamos lutando pelo camping. Ia ficar sossegado com as crianças lá", comenta. O sonho do cacique é fundar uma escola bilíngue para que seu idioma não se perca e diz que no Ecocamping haveria espaço.
Outra preocupação que tem é com lona. Ganhou da Secretaria de Justiça Social, mas chegaram outras famílias, usaram, foram embora depois e levaram com elas o material. Atualmente há 50 pessoas no acampamento. Tem de criança de um ano até uma senhora de 96, mãe do cacique. Tem mais gente para chegar. São os demais índios que foram para as praias vender a produção de artesanato que os da BR-293 comercializam lá mesmo ou no centro da cidade. Ele também reivindica recolhimento de lixo: "Depois chegam aqui e dizem que a gente suja. Eu ajunto e queimo tudo. Tenho medo de rato. Deus tem nos ajudado, por isso não aconteceu nada", frisa.
Além das dificuldades naturais de estarem acampados em um lugar inadequado, os índios passam por outras. A comida é feita de maneira improvisada. Enquanto a reportagem esteve no local foi possível conferir. Pelo menos naquela manhã a grade de um ventilador era usada de grelha, onde assavam a comida.
Comissão intermedeia ações
Uma comissão foi criada para tratar da situação dos kaingang, formada por representantes das universidades, da Câmara de Vereadores, da prefeitura, de movimentos sociais e da sociedade civil. O vereador Ricardo Santos manteve contato com a Funai e diz que a Fundação aguarda termo de cedência de alguma área por parte do município, para que possam se instalar em definitivo. Acredita que possa ser o Ecocamping, interditado pela Fepam devido à necessidade de uma obra de esgoto, que tem custo alto, em torno de R$ 700 mil. De qualquer forma, diz que a comissão aguarda uma audiência com o prefeito.
A assessoria de comunicação da Funai ressalta que todos os órgãos e municípios têm obrigação com os indígenas enquanto cidadãos brasileiros, mas não confirmou a questão da acomodação deles em Pelotas. Ficou de averiguar a situação e dar um retorno à reportagem, mas isso não aconteceu.
Daniela Duarte, representante da Secretaria de Justiça Social na comissão, ressalta que o plantão social do órgão já fez cinco visitas aos índios e tem levado alimentação, água, roupas e colchões. Também já levou lonas."Eles não querem sair dali, a não ser para um local fixo", comenta, ao destacar que a comissão já cogitou um terreno próximo ao Horto da Palma e a Chácara da Brigada Militar.
Segundo o chefe de gabinete do prefeito, Nadson Hax, é preciso fazer uma avaliação sobre a possibilidade de acomodar a tribo no Ecocamping, que por ser uma área pública de finalidade específica e vinculada à Empresa do Terminal Rodoviário de Pelotas (Eterpel) teria de passar por todo um processo burocrático, se fosse realmente viável, o que não ocorreria de uma hora para outra. "O prefeito está disposto a conversar", afirma.
De onde vieram
Os kaingang vieram da aldeia Condá, localizada em Chapecó, Santa Catarina, em busca de uma vida melhor, contada pelo avô do cacique, que viveu em Pelotas há 20 anos. "Eu já conhecia aqui. Meus avós contavam histórias que Pelotas era o centro dos índios. Passei por aqui e conheci alguns índios, mas a gente não se entendia nos idiomas. Aí quis vir por ter mais assistência médica, colégio. Tem tribos aqui fazendo faculdade. Meus filhos aqui têm mais condições. Lá não dava mais", diz.
Vivem do artesanato que produzem, à base de palha, penas, conchas, cordas e sementes. São cestas, pulseiras, filtros dos sonhos (ornamento em formato circular que fica suspenso no teto), colares, arcos e flechas. Não querem perder sua cultura e consideram que o Poder Público precisa olhar para eles porque seu trabalho também é turismo.
Dados do IBGE
Pelo Censo 2010 do IBGE, a população indígena no Brasil é de 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274 idiomas. São 36,2% situados em área urbana e 63,8% na rural.
Também foram identificadas 505 terras indígenas.
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