Eduardo Ritter

A arte de escrever

Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Estou quase acabando de ler uma obra que faz com que eu reflita muito sobre a arte de escrever. Sei que A arte de escrever é o título de um dos livros de Arthur Schopenhauer, que tenho aqui em versão pocket da L&PM, mas não é essa a obra em questão. O romance que está mexendo comigo é Uma sensação estranha, do escritor turco Orhan Pamuk, que já papou o Nobel de Literatura. Cheguei a esse livro justamente através da sugestão de um amigo meu, escritor, feita para me ajudar na prática da escrita de uma narrativa de fôlego.

No final do ano passado, eu enviei as primeiras páginas da biografia que estou escrevendo para meu amigo Sérgio Stangler dar seu pitaco. Quando ele me deu o feedback, destacou que estava bom, mas em um ritmo muito acelerado, no meu típico estilo inspirado em autores como Hunter Thompson e Charles Bukowski. Então, ele não apenas me indicou, como me deu de presente o livro Uma sensação estranha, publicado pela Companhia das Letras, para me servir de inspiração. E deu certo.

A base da história escrita por Pamuk é a de um personagem chamado Mavlut, filho de um vendedor de boza (dá um Google, porque aqui não cabe rodapé) que se apaixona por uma beldade em uma festa de casamento após uma troca de olhares que durou poucos segundos. Ele troca cartas com ela por alguns anos e suas palavras sensíveis são correspondidas. Assim, ele combina com um primo para fugir com ela, pois ele não tem grana para casar (pagar o dote para o pai da moça). No dia planejado, ela sai de casa escondida e quando entra na caminhonete onde Mavlut está com o primo, o nosso herói toma um susto: é a irmã da moça que entrou no carro, não tão linda quanto a musa do personagem. Ponto.

Esta é a base do enredo de Uma sensação estranha, ou seja, você consegue falar sobre o que se trata em um parágrafo e, em mais alguns poucos parágrafos, eu poderia resumir a sequência da história. E aí é que está a graça da literatura e os segredos da arte de escrever. Entre um acontecimento e outro, o autor dá vida a cada um dos personagens, dotando cada um deles de personalidade, jeito de falar, traços físicos, crenças, valores e muito mais. E, mesmo todos sendo da mesma região de Istambul, um é completamente diferente do outro, tão diverso quanto cada ser humano pode ser mesmo dentro de uma família. Logo, além dos personagens, também são construídas cenas que dão sentido ao todo. Lendo a obra passei a dar mais atenção às descrições tanto de cenas, quanto de sentimentos e personagens, ou seja, tive que deixar um pouco de lado aquela veia gonzo e beat que pulsa nas minhas veias.

No momento faltam 150 das 573 páginas para concluir a leitura do romance. Sigo lendo um pouco por dia, pois estou gostando tanto que não quero que acabe tão cedo. Já me sinto íntimo de Mevlut, Rayiha, Ferhat, Samiha, Süleyman e outros. A minha experiência com a obra é a prova de que Orhan Pamuk conseguiu cumprir magistralmente a arte de escrever, transportando-me para o seu mundo imaginário.

No meu caso, estou escrevendo uma narrativa baseada em fatos reais sobre um personagem, ou seja, é preciso muitas entrevistas com muitas pessoas até se chegar o mais próximo possível ao que aconteceu, mesmo que a descrição totalmente fiel aos fatos seja uma utopia inalcançável. Assim, meu objetivo passa a ser levar o leitor o mais próximo possível da realidade, mergulhando de cabeça em um mundo imaginado e levado a cada um através da literatura. Se vou conseguir? Não sei, apenas o leitor terá a resposta quando a missão estiver concluída.

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