Comportamento

Um símbolo questionado

Nova geração repensa o uso da pílula anticoncepcional, ícone da liberação feminina na década de 1960

Um debate que está cada vez mais em pauta no universo feminino não pode deixar de ser feito nesta quarta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher: o uso da pílula anticoncepcional, uma das conquistas - e também polêmicas - que marcaram os anos 1960.

Ícone da liberdade sexual das mulheres, do controle sobre o próprio corpo, o medicamento criado nos Estados Unidos tem sido visto com desconfiança pelas novas gerações. Cada vez mais mulheres procuram por métodos alternativos para o controle de natalidade, motivadas pelos efeitos colaterais do tratamento hormonal e a busca por mais saúde. Enquanto a geração das mães e avós viam nos anticoncepcionais a solução para as cólicas e a gravidez indesejada, as filhas prezam pela saúde e procuram mais informações antes de iniciar qualquer tratamento.

A pílula surgiu após a Segunda Guerra Mundial, a partir de experimentos feitos para melhorar a saúde, explica a professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Rejane Jardim, especialista em História das Mulheres. Os primeiros testes procuravam um controlador da menstruação, relembra ela, mas, assim como ocorreu com a penicilina, os resultados obtidos proporcionaram novos usos. “A descoberta científica causou uma revolução no Ocidente e na vida das mulheres”, afirma a professora.

Da mesma forma que os homens, elas conquistaram a liberdade sexual e não ficaram restringidas por uma gravidez indesejada, conseguindo assim planejar seu futuro, ingressar no mercado de trabalho e ter o poder de decidir quando começar uma família. A pílula se popularizou em pouco tempo. No Brasil, a taxa de natalidade caiu de 2,99% em 1950 para 1,93% em 1990, segundo pesquisa do IBGE de 2006. Esse mesmo estudo prevê que a queda seja ainda maior até 2020, caindo para 1,60%. Junto com a pílula, outros métodos contraceptivos ganharam espaço, como o Dispositivo Intrauterino (DIU), adesivos, injeções e preservativos. Ainda conforme o IBGE, há quatro anos 61,6% das mulheres entre 18 e 49 anos faziam o uso de algum contraceptivo.

Contudo, desde 2013 as dúvidas quanto aos efeitos do medicamento vêm crescendo. “Especialmente após 2014, quando teve início a Primavera Feminista”, conta Rejane. Os grupos, que intensificaram a luta pelos direitos das mulheres, também se consolidaram como centro de disseminação de informações sobre a saúde feminina, como os casos de trombose e outros efeitos colaterais da pílula, presente no cotidiano do sexo feminino. Os relatos surpreenderam muitas mulheres, que não tinham conhecimento sobre o lado negativo dos hormônios e começaram a indagar os médicos e a cogitar outros métodos.

Gerações divididas
A estudante de Medicina Veterinária Caroline Munhoz, 25, foi uma das mulheres a largar a pílula. Para ela, que trocou o anticoncepcional pelo DIU Hormonal, esta foi a melhor decisão. Caroline tinha receio quanto à eficácia dos comprimidos, pois frequentemente esquecia de tomá-los e temia pela saúde, devido aos casos de trombose relacionados à liberação de hormônios na circulação. “Meu tratamento ainda é hormonal, mas com ação local eu corro menos risco e me sinto mais segura”, afirma a jovem, que agora não tem mais a preocupação recorrente, pois o dispositivo de que faz uso tem duração de até dez anos. Ela recebeu orientação da ginecologista e sabia os prós e os contras dos métodos quando optou pela mudança.

O mesmo não ocorreu com Fernanda Collares, 19, estudante de Design de Moda. Ao procurar um profissional, logo teve a pílula prescrita, porém, não recebeu informações quanto aos efeitos negativos do medicamento e só soube das consequências do uso quando as crises de dor de cabeça e enjoos começaram. “Também fiquei inchada, mas só percebi que era culpa do anticoncepcional quando procurei saber mais sobre o assunto”, conta ela. Fernanda parou de ingerir os hormônios e notou que os sintomas sumiram, então decidiu por procurar outros métodos. “No início minha mãe ficou preocupada, agora ela entende minha decisão”, diz a jovem, que atribui o receio inicial à diferença de gerações, pois como hoje as mulheres têm maior acesso à informação, podem analisar e escolher o que é melhor com consciência, ao contrário de outras décadas, em que a pílula era a primeira opção.

“Eu pude escolher ser mãe”, afirma Ana Lúcia Almeida, 57, que fez parte da primeira geração a crescer com a pílula. Ela lembra que eram prescritos 28 comprimidos e que o tratamento só podia ser iniciado no mês seguinte após o fim da menstruação, o que não ocorre mais. “Foi um direito muito importante que adquirimos”, reconhece ela, que graças a esse e a outros avanços conseguiu trabalhar e concluir o curso técnico em Enfermagem. Ela, que tem dois filhos, pôde planejar a primeira gravidez. A segunda, contudo, foi inesperada, pois como precisou interromper o uso das pílulas quando engravidou do primeiro filho, ficou desprotegida. “Um acidente”, brinca Ana, que, mesmo com as discussões em torno do anticoncepcional, o considera uma das mais importantes conquistas femininas.

 

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