Enchentes

Cientistas acompanham situação diariamente em Pelotas

Especialistas fazem projeções e reforçam a necessidade de preparação para calamidades

Foto: Alessandra Peres - Ascom - Grupo de cientistas e técnicos da UFPel acompanha de forma voluntária a situação da região diariamente na Sala de Situação instalada no quartel do Exército, em Pelotas

Há quase duas semanas, professores e técnicos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) se dedicam de forma voluntária a assessorar cientificamente o poder público e a Defesa Civil de Pelotas. Graças à contribuição desses especialistas, está sendo possível acompanhar o comportamento dos ventos e a elevação das águas com mais precisão, auxiliando a tomada de decisões, o desenho das áreas de risco e a necessidade de evacuação. 

O grupo, que conta desde meteorologistas e hidrólogos até engenheiros agrícolas e matemáticos, enfrenta a dificuldade de acompanhar dados em tempo real e projeta ao menos mais uma semana de acompanhamento constante da situação. O Diário Popular conversou com parte dos cientistas na Sala de Situação instalada no quartel do Exército em Pelotas. Eles comentaram sua atuação nos últimos dias e a necessidade de nos prepararmos para eventos climáticos extremos. 

Projeções 
Os professores e técnicos que acompanham esse momento utilizam diversos modelos matemáticos para elaborar uma previsão do cenário na região. “Esses modelos dependem muito de informações de monitoramento, principalmente de níveis e de vazões dos rios que ingressam na Laguna dos Patos, no Canal São Gonçalo ou na Lagoa Mirim. Esses dados são muito escassos”, explica o hidrólogo Samuel Beskow. Além da informação histórica, se fazem necessárias atualizações em tempo real para um monitoramento preciso da situação, já que diversos rios de todo o Estado acabam desaguando na Lagoa dos Patos. 

Um fator que dificulta o acesso a dados precisos sobre a região é o radar meteorológico da UFPel, que está inativo e precisa de manutenção. Segundo o meteorologista Henrique Repinaldo, com o radar ativo seria possível acompanhar dados sobre chuvas e ventos num raio de 250 quilômetros, incluindo a Lagoa dos Patos. “Estaria muito bem coberta a região sul em termos de chuva, substituiria muito os pluviômetros, a gente poderia ver como são os ventos na laguna, o que a gente não sabe, e teríamos essa integração entre os dados do radar com modelos hidrológicos em tempo real para saber o quanto está chovendo e a vazão desses rios”, explica. 

“Quanto menos dados a gente tiver, a previsão é mais imprecisa, justamente numa região em que a gente precisa saber a todo momento a direção do vento ou se vai chover para ter uma tendência para os próximos dias. A gente está trabalhando praticamente sem observações e com modelos que têm suas limitações”, diz Repinaldo. 

Os mapas das lâminas de alagamento e das áreas de risco foram elaborados utilizando modelos matemáticos e dados geográficos e históricos pelos professores de modelagem matemática Regis Quadros e Daniela Buske e pela professora de ciências ambientais Diuliana Leandro

“Antes de a inundação chegar aqui, o grupo que estava trabalhando se antecipou e conseguiu representar o que aconteceu em 1941 e já teve uma cota prevista de inundação máxima, que rapidamente foi agregada ao mapa desenvolvido pela professora Diuliana. Na terça-feira (7) de manhã, conversando com a prefeita, optou-se por declarar a evacuação naquelas áreas, baseado em ciência e tecnologia”, explica Samuel. 

A elaboração do mapa das áreas de risco levou em conta uma visão ‘conservadora’, em que as estruturas de contenção não resistiriam às águas. “Em todos os modelos, a gente considerou como se o dique fosse romper, porque é o que se precisa fazer para garantir a segurança da população”, explica Daniela Buske, citando ainda fatores como a força dos ventos e uma elevação rápida de água com potencial de avançar sobre o dique. 

Impacto das enchentes 
A forma como as enchentes atingiram a Zona Sul e outras regiões do Estado é muito diferente, explica a hidróloga Tamara Beskow. “Lá tem as enxurradas, quando acontece um grande volume de chuva num curto período de tempo, se transforma num escoamento superficial e vem levando tudo, ainda mais numa situação com relevo declivoso, aqui a gente tem um terreno plano, em que a água vem calminha. Lá não, a água pega velocidade e vai arrastando”, diz. 

Segundo Tamara, falta conhecimento de que a Estrada do Engenho é um dique de contenção construído para evitar que durante enchentes o São Gonçalo avançasse em direção ao centro da cidade. “Se não fosse aquela estrutura, toda a região que hoje está protegida pelo dique já estaria com água há muito tempo. Talvez aquela região nem tivesse sido urbanizada se não houvesse o dique, porque pelas oscilações de nível do canal, teria água mais constantemente”. 

Os cientistas avaliam que a estrutura de contenção com o dique na Estrada do Engenho foi fundamental para que a situação tenha sido controlada em Pelotas. “Se o dique tivesse rompido, nós teríamos um grave problema”, diz Regis Quadros. Além da estrutura construída em Pelotas para a contenção da água, outro fator que contribui para amenizar o potencial da enchente na cidade é o banhado que margeia o São Gonçalo do lado oposto, já na cidade de Rio Grande. “A nossa preocupação era de não conhecer o comportamento do dique para cotas de nível mais elevado do canal”, afirma Tamara, explicando que a decisão de colocar determinadas regiões como área de risco foi tomada considerando um cenário em que o dique não suportasse a força e o volume das águas. 

Próximos dias 
Samuel alerta que, embora o pico do lago Guaíba já tenha passado, ainda há muita água na bacia que vai precisar passar pela Lagoa dos Patos. Além das águas que chegaram ao Guaíba, Pelotas também é afetada pelo grande volume que escoa da Lagoa Mirim e do Rio Camaquã. Segundo os cientistas, a vazão do Guaíba é de em média 20 mil metros cúbicos por segundo - o equivalente a 20 milhões de litros -, e chegou a se aproximar a 30 mil m³. 

“Na semana que vem, a gente vai avaliar a chegada dessa nova carga de água e em que condições de tempo vamos ter. Que ventos vamos ter, intensidade de ventos, que chuvas vamos ter nas bacias e as marés”, resume o meteorologista Henrique Repinaldo. 

“A gente vai permanecer ainda por muitos dias com níveis elevados na lagoa e no canal, porque enquanto lá estiver passando um volume muito acima da cota de inundação, a gente vai estar recebendo toda essa água”, reforça Tamara. 

Os especialistas explicam ainda que a mancha de sedimentos que aparece em imagens de satélite avançando pela Lagoa dos Patos é composta por parte do solo que foi arrastado em locais por onde a enxurrada passou pela erosão, e inclui partículas que vão de areia a terra e argila. Esse grande volume de sedimentos avança mais lentamente que a água em razão da densidade e pode causar danos ambientais ainda não previstos, além de causar assoreamentos em alguns pontos. 

Monitoramento constante 
Com os modelos climáticos apontando uma tendência de cada vez mais eventos climáticos extremos na região, com chuvas intensas e períodos de estiagem, ao longo das próximas décadas, os cientistas reforçam a necessidade de haver estruturas próprias e coordenação institucional para lidar com os efeitos das mudanças climáticas. Isso inclui um monitoramento constante e permanente do meio ambiente e das condições climáticas e hidrológicas na região. 

“A gente quer que o sul do Rio Grande do Sul seja referência no Estado em previsão meteorológica e hidrológica, principalmente para alerta de desastres desse tipo”, diz Tamara, citando a experiência já iniciada nos municípios de Cerrito e Pedro Osório, que margeiam o Rio Piratini e correm risco de inundações. 

“O comitê de crise não pode parar nunca mais. A gente tem que ter os profissionais que formamos na gestão de risco, porque num momento vai ser inundação, noutro momento vai ser déficit hídrico, a gente não pode perder essa oportunidade”, defende Gizele Gadotti, professora de Engenharia Agrícola. “A gente só está apagando fogo agora, e como vai ser depois para uma região tão pobre?”, diz a professora, defendendo que se crie uma cultura em que as pessoas estejam preparadas para situações de crise e saibam o que fazer caso precisem evacuar áreas com urgência.​

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