Enchente

A Colônia Z-3 pede ajuda

Com um terço da comunidade fora de casa, o clima é de espera em um dos locais mais atingidos pela enchente em Pelotas

Jô Folha - Família do Pescador Roger de Farias está em uma granja

O clima é de espera, e não de esperança. Por onde se passa - nas poucas ruas que sobraram sem água na Colônia de Pescadores Z-3 - a sensação parece ser de conformidade, mas é apenas o silêncio que permeia as rodas de pessoas em casas, barracas, carros e no abrigo municipal. A espera não é só pela Lagoa dos Patos recuar, mas pela água na torneira, mantimentos para preparar um prato de comida, um colchão seco, uma garrafa de água potável. Quem está inscrito no CadÚnico recebe refeições e donativos. Mas os trabalhadores, principalmente da pesca artesanal, estão impossibilitados, e ficam na dependência de voluntários, o que está cada vez mais escasso.
No final da tarde de sábado, as marmitas preparadas nas granjas da região foram a última entrega. Um caminhão que chegou com roupas, colchões e cestas básicas resultou em aglomeração e a Brigada Militar precisou acompanhar a distribuição. Eram doações voluntárias, entregues e organizadas no Clube Diamantinos, e levadas até à colônia. Mas nem sempre é possível manter o controle dos cadastros das famílias. Há boatos que tem pessoas entrando na fila mais de uma vez, deixando outras pessoas sem mantimentos.
Nessas horas, nomes como Henrique Cunha, 30, Felipe Bartz, 30 e Rafaella Bartz, 38, fazem toda a diferença. Desde que começou a alagar o local, diariamente o grupo de autônomos foi diariamente, e às vezes mais de uma vez ao dia, levar marmitas, cestas básicas, roupas, fraldas e uma palavra de conforto. Aos poucos eles foram conhecendo os problemas de cada morador e o dilema de ficar desassistidos em um momento tão difícil. Mesmo com as péssimas condições da estrada de acesso pela BR-116 e Posto Branco, o que duplica o trajeto e o tempo, eles estavam lá. E ainda estão. Só clamam por mais organização e compreensão das autoridades para que os que não foram beneficiados com algum programa do governo possam receber o mesmo tratamento. O grupo já perdeu as contas quanto já gastaram em combustível, mas toda a recompensa vem pelo abraço de uma mãe que conseguiu leite para o filho. Do pescador que ganhou um saco de ração para seus pets.
Mas falta. E muito. No Centro de Referência em Assistência Social (Cras) não tem água para as necessidades básicas. Enquanto a reportagem conversava com a equipe, um casal chegou com dois filhos e pediu para tomar banho. São poucos os mantimentos e os que chegam ficam concentrados em uma só residência para ser entregue a quem está em uma lista. Triste para quem não está nela. No abrigo, onde estão 43 famílias, o temor é com a saúde. Para dois militares da Marinha do Rio de Janeiro, que faziam a triagem com as pessoas, algumas não poderiam estar naquele ambiente. Sem autorização para dar entrevista, a reportagem apurou com eles que não há equipes de saúde suficientes para prescrever as medicações necessárias aos doentes. Remédios têm. O que foi reforçado no local é a segurança. A presença da Brigada Militar é 24 horas, bem próximo ao Cras.

Desabastecimento
Com a estrada da granja em condições um pouco melhor - mas apenas para quem tem caminhonete e não veículo comum - é possível fazer algumas reposições. Paulo Santos, 59, tem um mercadinho na rua da igreja. Nas prateleiras, alguns espaços vazios indicam que está difícil repor os produtos. “Meu cunhado traz pra mim itens básicos, como material de limpeza e erva mate, pois os fornecedores não vêm mais. Mas produtos alimentícios o pessoal nem compra, pois ganham”, disse ele ao lembrar que já passou por enchentes, mas nunca como essa.

Desalento
Na tarde de sábado, o sol que amenizava o frio serviu para que as e famílias voltassem até suas casas para buscar roupas quentes. O transporte é mais que familiar, pois o barco é o principal meio de trabalho no local. O tempo é curto e a dor de ver tudo destruído é profunda. Acompanhado da família, o pescador Roger Rodrigues de Farias, 39, pegou o que sobrou de comida em casa e roupas quentes. Eles estão em casas de uma granja. São três famílias, com 16 pessoas, em uma só residência. Para enfrentar o frio à noite, o calor humano ainda é o melhor remédio. Como bom conhecedor da Lagoa, Farias acredita que só daqui a um mês ou mais para secar as casas.
Na casa de Leonardo da Silva, 42, a água está com mais de um metro de altura. Ele disse nunca ter visto enchentes como esta e contava com a ajuda dos voluntários, já que como trabalha em uma empresa no Areal, não está em nenhuma lista de beneficiados. “A gente não dorme direito e ainda por cima disseram que não vão trazer mais marmitas. Temos dinheiro para comprar, mas os mercados estão debaixo d'água”, lamentou. Em frente ao Cras, ele queria uma garrafa de água, mas não conseguiu. Já o pescador Rudnei da Silva, 47, sugeriu um plano de construção de sobrados para que a comunidade pesqueira não perca mais seus móveis. “A Lagoa vai encher de novo. E temos que estar prevenidos”.
Para quem está no abrigo, os dias são compartilhados. Seja em palavras de apoio, roupas, abraços e informações. A pescadora Ana Paula Porciuncula, 45, perdeu pela segunda vez tudo que tinha em casa, pois esta enchente está castigando. “Fui resgatar minha cama e não consegui ficar cinco minutos dentro de casa, pela dor de ver tudo destruído", disse emocionada. Mesmo diante do caos ela garante que vão se reerguer e pede para quem tem moletons masculinos para doar, os abrigados estão precisando.

O que diz a Prefeitura:
- Falta de água
O Sanep informa que estão sendo instalados mais dois reservatórios para atender o abrigo. A reservação que usualmente é suficiente para atender o fluxo diário não está atendendo a quantidade de pessoas que estão sendo acolhidas.

- Donativos na comunidade
O secretário de Assistência Social, Tiago Bündchen, garante que todas as pessoas atingidas pela cheia têm direito a receber donativos via Cras, independentemente de cadastro único. Os recursos encaminhados para manutenção do abrigo (roupas, água, comida, entre outros) são específicos para os acolhidos. Os recursos encaminhados ao Cras Z-3 são para atender as pessoas que não estão nos abrigos. O público que necessita dos serviços do Cras na localidade é atendido pela equipe de técnicos, os quais fazem o cadastro e analisam as necessidades.

- Abastecimento na Z-3
Além da logística extremamente difícil, que limita entregas diárias, o secretário confirma que a demanda tem sido muito alta na Colônia de Pescadores. “Entendemos que as entregas públicas, somadas às doações de voluntários, têm atendido a comunidade de modo que não tenhamos desabastecimento”, afirma.

- Saúde
Sobre o número de pessoas acolhidas, além das pessoas acampadas no entorno do abrigo, localizado na área mais alta da Z-3, o titular da SAS garante que foi oferecido acolhimento a todos nos demais abrigos mantidos pela prefeitura no Laranjal e na área central da cidade. Ainda conforme Bündchen, todos desejam ficar onde estão. Além disso, o médico da Família e Comunidade, Alexandre Moch, da diretoria de Atenção Primária da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), diz que a parceria com a Marinha do Brasil inclui quatro equipes com médicos e enfermeiros. Uma delas fica dentro do abrigo, outra circulando de barco para atendimento das pessoas que optaram por ainda estar em suas casas, ou de parentes e amigos, e outras duas no atendimento da demanda externa na UBS, enquanto uma equipe da Secretaria é encaminhada diariamente para a Z-3 para atuar a partir das 18h (até as 8h) para atender tanto a população externa quanto à abrigada.

Final feliz
Em meio a tanta tristeza e dureza, uma equipe do Exército, que tem ajudado no resgate, salvou uma cadela já com idade, dentro d'água, sem conseguir se mexer. Já no sindicato dos pescadores, os soldados a secaram, deram água e ração. Uma hora depois, ela estava enrolada em uma manta cor de rosa, faceira, e caminhando pelo pátio.

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