Do outro lado da mureta que cerca o Aeroporto Internacional de Pelotas, há um ambiente em que voos do desenvolvimento da educação se alçam. A Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Frederico Ozanam é o espaço onde crianças e adolescentes do bairro Três Vendas têm possibilidade de iniciar a decolagem da vida. Infelizmente, o local sofria com precariedade estrutural há tempos, tornando o colégio um ambiente menos atrativo para seus alunos. Isso até as últimas férias letivas, quando um voluntário decidiu aplicar uma nova pintura com a isenção de custos à instituição.

Conhecido por realizar serviços solidários de reparos em entidades de Pelotas e região há mais de três décadas, Júlio Moura, de 55 anos, conta que vê a necessidade do próximo como um chamado à ação própria. O homem é pensionista da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Quando conheceu a escola, notou que ela enfrentava vários problemas estruturais, entre eles a pintura amarela desgastada que não passava a melhor das aparências aos alunos, funcionários ou quem quer que fosse, já que era resultado de uma aplicação feita muito antigamente. "São crianças. Crianças essas que vão cuidar de nós no futuro. Então podemos dar um bom exemplo para elas. Mostrar que nós podemos fazer alguma coisa por elas, para que se tornem bons cidadãos no futuro".

Ajuda com as próprias mãos

Nesse momento, então, o homem decidiu mudar a situação com as próprias mãos. Essa frase é literal, porque além de arcar com os custos da nova tinta que agora cobre a alvenaria e janelas do edifício, Moura ainda efetua o trabalho de mão de obra, pintando o prédio em um cronograma diuturno próprio. Ao chegar no local, na tarde de quinta-feira (8), a reportagem do DP se deparou com ele retocando as extremidades de uma veneziana próxima à entrada da escola. Era acompanhado de lado a lado pelo monitor da escola, Mateus Tortelli, 38 anos, que também vem auxiliando no processo de restauração.

"Conheço o trabalho do Seu Júlio, através de reportagens do Diário Popular, da pintura de hospitais, e aí um dia, conversando com ele, eu disse 'olha, eu gostaria que o senhor conhecesse a escola que eu trabalho, que nós estamos necessitando mesmo', e ele prontamente me disse 'eu faço a doação das tintas, vocês só arrumem pessoas para pintar'. Só que não conseguimos essas pessoas agora. E quando ele veio aqui conhecer a escola, disse 'eu quero que as crianças iniciem o ano letivo com uma escola nova' [...] e se prontificou", relatou.

Atualmente, a pintura nos prédios do fundo da escola já foram concluídos, abandonaram a tonalidade amarela desbotada e agora exibem um belo cinza claro. Além da mão de obra pessoal, o voluntário também assumiu o papel de trazer pessoas para ajudarem na ação. Há dez dias, o serviço vem sendo feito. A previsão para encerrar a pintura completa da escola é de mais duas semanas de trabalho, coincidindo com o período em que as aulas retornam. "Eu procuro ofertas de tinta. Às vezes, as casas de tinta tem uma latinha que amassou e não consegue vender essa lata ao consumidor, e isso me ajuda muito. Aí eu vou na direção, trago o catálogo de cores, eles analisam e se aprovarem a cor, eu compro a tinta. A diferença do valor, consigo pagar os funcionários. Mas ficou muito lindo", indica. "Ver que as crianças vão estudar num lugar melhor. Isso me motiva muito. Me dá energia de virar a noite e estar sempre inteiro, porque sei o benefício que virá ali na frente".

Inclusive, o prédio onde agora é a escola já foi o aeroporto anos atrás, restando ainda os elementos de tipografia, com a frase "Aeroporto de Pelotas", indicando a nomenclatura do edifício no passado. A remodelação não irá impressionar apenas os estudantes, que verão um novo colégio depois das férias, como também chamará a atenção das aeronaves que pousam e decolam na pista ao lado. "O avião pousou, dá de cara com nosso "Pelotas", onde era o antigo aeroporto. Não só as crianças vão se deparar com a nova pintura, como todos os visitantes", disse Mateus. "Recentemente, um pai veio matricular um outro filho no pré e ficou até emocionado, disse 'pô, que legal, que diferença'. Ver que tem gente que se importa. As pessoas se sentem valorizadas", completou.

Diretora agradecida

A diretora da escola, Maria Angélica, demonstrou gratidão com a ação. Ela conta que a escola já se erguia por meio do apoio da comunidade, e dependia sempre da ajuda dos pais e funcionários, mas ela nunca tinha presenciado uma atitude desse tipo no terreno do colégio. "Assim como a casa da gente, se tiver bem pintada, bem arrumada. O espaço físico da escola tem que estar sempre sendo reformado, e a nossa verba é pouca para isso. Esse é um prédio cedido pela CCR. Então, a manutenção custa caro", apontou."E tudo que fica bem organizado para receber os alunos é muito melhor", observa.