Entrevista

“É preciso colocar na agenda o impacto da variabilidade climática na produtividade”, diz presidente da Apia

Para Octávio Perez Pardo, da Associação Pan-Americana de Engenheiros Agrônomos, eventos extremos cada vez mais farão parte do cotidiano na produção de alimentos, exigindo adaptação dos governos e de quem vive da atividade

Foto: Pedro Andrighi - Líder esteve em Pelotas para Congresso Brasileiro de Agronomia

Octávio Perez Pardo é presidente da Associação Pan-Americana de Engenheiros Agrônomos (Apia), que reúne entidades destes profissionais de 19 países das Américas do Norte, Central e do Sul. Especialista em gestão sustentável de terras e em políticas de combate à desertificação, o engenheiro esteve recentemente em Pelotas para os debates do 33º Congresso Brasileiro de Agronomia, realizado pela Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab) em parceria com a Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul (Sargs), reunindo agrônomos, pesquisadores e estudantes de todo o País e do exterior. 

Nesta entrevista, o presidente da Apia responde questões sobre temas como o uso da terra, produção e sustentabilidade, avanço da monocultura, impacto das mudanças climáticas e segurança alimentar.

Em que estágio estamos dentro da meta de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, em especial no que diz respeito ao meio ambiente?
O planeta mergulhou nos últimos anos em um problema de saúde sanitária que determinou a geração de novas relações de troca. Com a impossibilidade de trânsito, com barreiras entre os países e dentro dos próprios países. Essa pandemia nos levou a atrasar objetivos que poderiam ter sido desenvolvidos. Toda a parte do financiamento, ligada ao desenvolvimento sustentável, se descontinuou. Começaram a aparecer outros problemas na agenda política e internacional. Somado a isso, surgiram crises políticas ou de conflito, como entre a Rússia e a Ucrânia. Isso mudou não só a situação de um conflito bélico às portas da Europa, mas também do ponto de vista da produção, dos mercados e segurança alimentar. São produtores de fertilizantes, de alimentos, exportadores mundiais, e isso também gerou consequências no desenvolvimento energético. A Rússia fechou fontes de abastecimento de energia à Europa. Tudo isso gerou grandes desequilíbrios. Apesar disso, temos o compromisso de avançar em cumprimento aos ODS. Há alguns que estão mais próximos do seu cumprimento, que têm mostrado progressos e outros, infelizmente, com retrocessos. Como profissionais, temos a responsabilidade de procurar o desenvolvimento sustentável, na segurança alimentar, no uso eficiente dos recursos, na ação pelo clima. Muitas são as atividades que estão sendo realizadas hoje para gerar sustentabilidade produtiva em países como Brasil, Argentina e muitos da América, produtores mundiais de alimentos, fibras e energia. 

Como avalia estes recentes episódios climáticos no Brasil, no Estado, mas também em diferentes regiões do continente? O Uruguai há pouco sofreu grave escassez de água. Como fica a produção de alimentos e qual a relação da agropecuária com esses fenômenos?
As variações climáticas extremas são algo que vamos conviver com maior frequência e intensidade. Portanto, esta realidade leva-nos a que tenhamos que trabalhar muito em todas as estratégias de adaptação. No caso da agronomia, para identificar datas de plantio adequadas, espécies e variedades adequadas para exterminar a resistência à umidade ou à seca, indicar a maneira como deve ser feito o manejo integrado do cultivo, trabalhar a pós-colheita. Porque se há algo que a produção nos países terá é variabilidade climática, com efeitos e eventos mais frequentes e mais intensos. Não é mais casualidade, já é uma questão que tem que aparecer nos planos públicos e privados como estratégias de adaptação. A América tem 40% da produção mundial de alimentos e energia, e consome 28%, portanto é uma potência. Não só produtora, mas exportadora de alimentos para outros continentes. É preciso colocar na agenda de interesse estratégico o impacto que a variabilidade climática irá gerar na produtividade. E isso tem que ter linhas de trabalho financiadas pelos setores público e privado, articuladas para lidar com a manutenção de boas práticas, com avançar na informação e na tecnologia adaptada para não perdermos produtividade e garantirmos a segurança alimentar no continente e no mundo, em um cenário de crescentes problemas ambientais, mas também de crescimento populacional.

Como a tecnologia e novos conhecimentos na área da agronomia podem ser usados para garantir a sustentabilidade e o uso adequado do solo e recursos hídricos?
No quadro destes desequilíbrios, tudo o que é tecnologia de precisão - big data, inteligência artificial, monitoramento, previsão e prognóstico, avaliação de estresse, adaptação de sementes a novas realidades -, todo este pacote tecnológico é um aliado que governos, produtores e profissionais agrícolas têm para identificar, monitorar, serem capazes de propor cenários de produção sustentáveis e estratégias de produção em uma relação solo-ar-planta muito variável, nos quais os efeitos das alterações climáticas impulsionam grandes transformações e grandes riscos para a produção. O pacote tecnológico que visa tomar a melhor decisão é hoje uma ferramenta indiscutível para poder manter os valores ou pelo menos as expectativas de produção como imaginamos hoje.

O Estado e o Brasil têm visto um avanço da monocultura (especialmente soja e milho) sobre áreas que antes produziam com mais diversidade. Como conciliar a produção em escala e a diversificação de lavouras e rebanhos?
É importante pensar em uma agricultura em grande escala, mas a monocultura nos torna mais vulneráveis. A diversidade nos fortalece, embora possamos ter estoques menores produzidos. Mas a monocultura sempre produz a mesma coisa, seja de espécies vegetais ou espécies lenhosas - árvores ou soja ou milho ou o que quer que seja -, a monocultura torna vulnerável quem a produz. Mesmo que possa ser muito rentável numa série temporal com referência a outras atividades diversificadas, torna a produção mais vulnerável e não mais forte. Se deixarmos o produtor sem qualquer paleta de opções, a rentabilidade pode estar numa lavoura por muito tempo e o produtor vai buscar essa rentabilidade para crescer, para gerar sua renda. Como a monocultura, isso nos deixa mais vulneráveis, não mais fortes. Os estados devem pensar nos incentivos para a diversificação, facilitar que isso aconteça. E aí, na cesta de produtos, existe a possibilidade de salvar alguns problemas do forte impacto das questões ambientais na produção, seja por indução ou por seca. Não é fácil programar isso, mas é um dever fazer. Temos a obrigação de dizer que isso gera vulnerabilidade, uma fragilidade que não precisa haver, que não poderia ter ocorrido numa diversificação produtiva.

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