Cidades

800 crianças com pais ausentes em Pelotas e RG em dois anos

Dados dos Cartórios de Registro Civil do Brasil indicam estabilidade no número de recém-nascidos registrados apenas pelas mães

Carlos Queiroz -

Apesar dos 64 quilômetros que separam Pelotas e Rio Grande, as duas cidades da Zona Sul trazem em comum um comportamento que preocupa: os registros de crianças sem o sobrenome do pai. Segundo dados emitidos pelos Cartórios de Registro Civil do Brasil, nos quase dois anos completos de pandemia, mais de 14 mil recém-nascidos no Rio Grande do Sul não foram registradas com o nome do pai na certidão. Em Pelotas, 461 bebês foram registrados entre 2020 e 2021 apenas com a mãe em sua certidão, sendo 233 no primeiro ano de pandemia, e 228 no segundo ano.

Já no município vizinho, nos anos de 2020 e 2021, 341 crianças foram registradas com apenas o nome da mãe em sua certidão de nascimento, sendo 178 no primeiro ano e 163 no segundo ano. Representando 6% dos pelotenses e 7% dos rio-grandinos recém-nascidos dos últimos dois anos. O índice apresenta estabilidade em relação a anos anteriores, o que indica que o comportamento ausente dos pais, deixando a responsabilidade dos filhos sobre as mães, não tem mudado.

Entre os 6% de novos pelotenses sem a presença dos pais está Zenday. A bebê de quatro meses tem em seu registro apenas o nome da mãe, Stephane Silva, 22. A estudante de Artes Visuais conta que buscou que o pai de sua filha fizesse parte da vida dela. Segundo ela, em um primeiro momento o pai até disse que iria assumir, mas depois cortou contatos com Stephane. "Desde o momento em que eu contei que estava grávida ele aparecia e depois sumia. Ele tinha toda abertura para conhecer a filha, mas ele não queria estar presente."

Stephane trabalha fazendo tranças há alguns anos e com a chegada da Zenday a sua rotina precisou ser mudada. Antes a estudante chegava a atender três clientes por dia, mas agora há dias em que atende apenas uma. Entre choros e pausas para amamentação, a bebê acompanha a mãe no trabalho, que pode variar de oito a 12 horas por dia. E nesses momentos, sem o apoio financeiro e emocional do pai de Zenday, a jovem percebe como seria mais fácil com ele presente. "Teve um dia que eu fiquei doente e mesmo assim não pude parar de trabalhar, tive que contar com a ajuda das minhas amigas para me auxiliar", desabafa.

Filha de mãe solo, Stephane foi criada sem a presença paterna ativa. Com isso, diz que soube lidar melhor com a ausência do pai de sua filha. Apesar disso, com a pequena crescendo, quer que Zenday tenha acesso ao menos à sua pensão. "Espero um dia conseguir resolver isso, de alguma forma, sem ser juridicamente", finaliza.

Realidade que se repete

Em Rio Grande, Elizandra Duarte, 22, vive uma realidade parecida com a de Stephane. Mãe de Maria Luiza, a jovem deu à luz em março de 2020. Moradora do bairro Vila da Quinta, Elizandra relata que o pai de sua filha não forneceu apoio a ela durante a gravidez e nem no parto. "Quando eu ganhei ela, ele foi até o hospital e disse que não registraria e que pediria o DNA".

A jovem afirma ainda que a gravidez não foi planejada, mas na época, com a perda recente da mãe, foi uma forma de encarar o luto. Sem os pais, ela trabalha em uma peixaria e é beneficiária do programa Bolsa Família, dividindo as despesas de casa com a irmã. Após dois anos, além de conviver com a ausência paterna, Maria Luiza também não recebe apoio financeiro do pai. Elizandra afirma que, com o aumento dos valores, fica pesado para ela arcar com a casa e a filha, por isso está cobrando pelos direitos da filha. "Eu já entrei na Justiça para ele pagar a pensão da minha filha, porque é um direito dela."

Efeitos no desenvolvimento

Engana-se quem acha que a ausência da figura paterna não gera efeitos na vida dos recém-nascidos. De acordo com a psicóloga e doutoranda pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Thaíse Farias, a ausência não deve significar que o indivíduo vai ter problemas, mas que existe uma predisposição. "Nas crianças, a ausência pode gerar dificuldades de desenvolvimento das relações de apego. Pode também desenvolver uma autoestima baixa e sentimentos de culpa e vergonha", explica.

Além disso, para Thaíse, esses números devem ser vistos como endêmicos e um problema de saúde pública. "É necessário que a gente mude a cultura de parentalidade, onde os cuidados são apenas da mãe. Responsabilidade é de mãe e pai."

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Prefeitura de Pelotas desiste do Cerest Anterior

Prefeitura de Pelotas desiste do Cerest

Mais um óbito por Covid em Pelotas Próximo

Mais um óbito por Covid em Pelotas

Deixe seu comentário