Saudade
"Uma morte solitária"
Neste Dia de Finados, a palavra de Rosane Brandão que perdeu o marido para a Covid-19
Jô Folha -
Diariamente ou no Dia de Finados que amigos e familiares se conectam e prestam homenagem àqueles que partiram. Há cerca de dois anos, mais um motivo tem levado muitas vidas: a Covid-19. Até a última segunda-feira, em todo país eram mais de 607 mil histórias interrompidas por um vírus que ainda segue vencendo a batalha contra a humanidade.
"A Covid é uma doença solitária, uma morte solitária", relata Rosane Brandão, 58, ao falar sobre a partida do marido João Alberto Pedroso que, em abril deste ano, acabou falecendo vítima do vírus. Ela relembra como tudo aconteceu até a ligação inesperada informando sobre a morte. Segundo ela, os sintomas começaram em 11 de abril, um dia após ele ter recebido a primeira dose da vacina.
Por esse motivo, acreditaram se tratar de uma reação ao imunizante. Após quatro dias, a febre ainda persistia e se somou com indisposição. Foi durante uma ligação com uma médica, que Rosane recebeu a recomendação para fazer o teste e verificar se poderia ser Covid-19, já que ela também começou a ter sintomas. Desacreditado, ela relembra que Pedroso ainda disse que "seria muito azar" estar contaminado neste momento, após mais de um ano tomando todos os cuidados. Veio então a confirmação, Rosane estava com coronavírus e havia pego do marido.
Por estar ofegante, Bola como era conhecido, não tinha condições de ir dirigindo até o hospital fazer o teste. Mesmo infectada, Rosane levou ele até o local onde permaneceria no carro enquanto passava pelo procedimento. Esse foi o último contato físico que eles tiveram, pois logo após chegar, Pedroso acabou sendo hospitalizado. "Nunca mais vi ele". A partir daí, as conversas eram apenas por mensagem. Até que veio a necessidade de ir para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) onde no primeiro momento não houve intubação, situação que logo mudou. Ela diz que o médico informou que essa era a melhor solução, porém ao realizar o procedimento, ele acabou tendo duas paradas cardiorrespiratórias e faleceu aos 62 anos. "Eu estava sozinha em casa e o médico me ligou dizendo que ele tinha vindo a óbito. Nem me passou pela cabeça que o Bola iria morrer, ele não tinha comorbidade. Para mim ele voltava pra casa".
Cartas para o Bola
Sem poder ver o marido pela última vez, devido aos protocolos, Rosane resolveu cremá-lo. Ela conta que por ser um casal que sempre viajou muito, irá dividir as cinzas em alguns compartimentos e jogá-los em alguns lugares que já passaram. Atualmente, as cinzas de Pedroso estão em uma caixa, deixada na estante, próximos aos CD's e vinhos que ele gostava. Outra forma encontrada por ela para lidar com a partida de seu companheiro por 21 anos, foi fazer publicações em seu Facebook chamadas de "Textos para o Bola". Nas postagens, através de relatos do seu dia a dia, ela conversa e se conecta com o marido. "Eu sei que ele morreu e não vai responder, mas é uma maneira de trabalhar o luto e me ajuda de uma certa maneira", comenta.
Rosane ainda conta que o calçadão que está sendo construído em frente ao prédio do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde ele era servidor, será nomeado de "Largo do Bola" como uma forma de homenagem. A proposta foi aprovada no Conselho da universidade e também na Câmara de Vereadores.
Depoimento na CPI
No mês passado, Rosane e outros familiares que perderam entes queridos para o vírus prestaram seus relatos no último dia de depoimentos na CPI da Pandemia no Senado Federal, em Brasília. Rosane explica que sua fala foi diferente das demais e optou por "chamar a responsabilidade", como descreve, enquanto os outros falavam um pouco sobre a história daqueles que partiram. "Eu não quero desculpas do Bolsonaro, eu quero que ele pague pelos crimes que ele cometeu como presidente da República. Não existe matar e pedir desculpa, existe matar e pagar por isso", comenta.
Rosane foi representando a Zona Sul como porta-voz de diversas esposas, mães e amigas. Ela diz que a Comissão Parlamentar de Inquérito foi de grande importância para pressionar o Senado por respostas não somente pelos atos do presidente, mas também dos ministérios e empresas privadas.
"As pessoas estão sendo assassinadas. Primeiro houve uma negação por parte do governo dizendo que era uma gripezinha, começou a fazer propaganda contra a vacina, não respondeu os e-mails para a compra de imunizante, tentou desacreditar o instituto que estava fazendo uma vacina e quando ela chega, vem a conta-gotas. O Brasil era modelo de vacinação e agora tem movimento contra a vacina. Tu não pode escolher não te vacinar, pois tua escolha vai matar o outro", comenta Rosane.
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