Educação
A ciência tem de interessar a todos
Recentes cortes de bolsas para pós-graduação incitam debate sobre a importância das pesquisas universitárias na sociedade
Carlos Queiroz -
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (PPGEF) da UFPel há um ano, Eduardo Ribes Kohn recebeu, na sexta-feira, dia 30, a boa notícia: estava contemplado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e poderia ter dedicação exclusiva à pesquisa. Na segunda-feira seguinte, porém, viu a felicidade se desmanchar. A bolsa faz parte das 5.613, de mestrado e doutorado, congeladas pelo Ministério da Educação (MEC) com objetivo de economizar R$ 544 milhões em quatro anos.
No projeto de Lei Orçamentária para 2020, encaminhado ao Congresso Nacional ainda no dia 30, os recursos do MEC para pesquisa caíram de R$ 4,25 bilhões para R$ 2,20 bilhões. Capes e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que também sofreu cortes, representam quase 75% desse financiamento.
Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) são atualmente ofertadas pela Capes 376 bolsas de mestrado (R$ 1.500), 365 para o doutorado (R$ 2.200), além de 60 para o pós-doutorado (R$ 4.100). Dessas, 34 beneficiam alunos que defendem dissertações e teses entre setembro e dezembro. Elas correspondem a 7,8% do total de vagas - percentual consideravelmente maior que os 1,4% que o MEC declara ser a representação do corte em relação à totalidade dos financiamentos.
Só no mestrado em Educação Física foram cinco bolsas perdidas - das atuais 16, restarão 11. A de Eduardo Kohn, que pesquisa o acesso à atividade física de pessoas que vêm com essa demanda das Unidades Básicas de Saúde (UBS), está nessa conta. "Sempre houve aviso e antecedência. Dessa vez os alunos estavam esperando. O programa tem que progredir e, para isso, é preciso investimento", critica a professora Cristine Alberton, coordenadora do PPGEF.
Em ranking divulgado pela Clarivate Analytics, a UFPel é a quinta universidade brasileira com maior impacto científico no Brasil. O estudo mede cinco áreas da ciência: saúde, biológicas, exatas e da natureza, agrícolas e engenharia. A instituição pelotense tem índice médio de 1.15 - acima da média mundial, de 1.
No Instituto Federal Sul-riograndense (IFSul), o prejuízo teve início no primeiro semestre de 2019, quando a descontinuação de bolsas do CNPq foi implementada. Em 2018, eram financiados pelo órgão e pela Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) 115 bolsas de iniciação científica. Após a medida, o número caiu para 78. Projetos de Engenharia Mecânica, Educação, Ciência da Computação, Sustentabilidade e Acessibilidade estão entre os que funcionam com primordial auxílio de bolsistas.
Nas instituições comunitárias, como a Universidade Católica de Pelotas (UCPel), onde cursos são pagos, o sistema é diferente: os financiamentos são separados em taxas, que cobrem as mensalidades, e taxa+bolsa, que consiste em verba para o pagamento do curso e um montante que fica com o aluno. Entre as duas opções, são atualmente 91 contemplados - sem o financiamento, arcar com as mensalidades é a única saída. De acordo com o coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu, professor Ricardo Pinheiro, não houve perda de bolsas porque se trabalhou com agilidade para não existirem vagas ociosas. "Como estão todas ocupadas, não perdemos nenhuma", explica, salientando que há preocupação principalmente em relação à falta de informações sobre o futuro.
Importância na comunidade
O corte não fez distinções. Tanto cursos com conceito regular quanto referências internacionais, como o Centro de Epidemiologia da UFPel, foram afetados com a perda de duas bolsas de pós-doutorado, uma de mestrado e a possibilidade de mais uma no doutorado. E trata-se de local que realiza estudos que impactam diretamente na comunidade, como a Coorte, que analisa efeitos na saúde ao longo da vida de uma parcela da população. "É importante a comunidade entender que as universidades têm relevância e são uma conquista", comenta a coordenadora da Epidemiologia, Helen Gonçalves. Ela alerta para a possibilidade de um cenário caótico, com o fim das bolsas, caso o sistema da Capes não volte a ser aberto.
Outro programa de pós-graduação da UFPel com relevância direta na cidade é o de Educação Física. Está inserido nele o Laboratório de Avaliação Neuromuscular, que trabalha com grupos como sobreviventes ao câncer de mama, crianças com sobrepeso, idosos e adultos em meia idade. Os participantes realizam treinos acompanhados por bolsistas que observam a evolução.
Na UCPel, um interessante exemplo de estudo com impacto direto na vida das pessoas é o Gravidez Cuidada, Bebê Saudável, que acompanha 1,2 mil gestantes, de toda a cidade, com o objetivo de combater a depressão gestacional. "Temos diversos bolsistas de iniciação científica. Sem o financiamento, alguns podem vir a deixar o projeto e, assim, a pesquisa ficaria um tanto comprometida", comenta a pós-doutoranda Jéssica Puchalski, uma das pesquisadoras do projeto - e também bolsista.
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