Dia Internacional das Mulheres

A política no DNA das mulheres

Diário Popular conta a história de mulheres que lutam em defesa de causas específicas

Por Júlia Müller e Marina Amaral

Analisando minuciosamente, exercer ações políticas é tarefa presente em todas as relações do cotidiano. De acordo com a cientista social Elis Radmann, a política define a vida das pessoas. “A política decide o que podemos ou não fazer, o que é certo ou errado”, destaca. Os mais variados espaços, como empresas e escolas, são regidos por relações políticas medidas por representantes indicados ou eleitos. A política busca o bem comum e, através dela, as pessoas têm vez e voz. É comum escutar que “política não presta”, e para superar essa visão, a socióloga acredita que os debates sobre o tema precisam ser introduzidos “dentro das nossas casas, da escola e do nosso local de trabalho”. O processo de educação política precisa ser analisado desde o Ensino Fundamental, de modo a alterar a ideia negativa que se tem da política.

Ainda segundo a análise de Elis, a participação da mulher na política precisa se dar de forma orgânica e natural, que ocorre com educação e cultura política. O engajamento espontâneo ocorre a partir do envolvimento em ONGs, diretórios acadêmicos e até mesmo associações de bairro, até chegar aos partidos políticos. Neste último capítulo da série especial dedicada ao Dia Internacional da Mulher, Luciana, Diná, Alexandra, Mônica, Andréa e Paula contam como é participar da política em suas diferentes perspectivas.

Mulheres por justiça

foto reprodução facebook coep pelotas
Diná. Ela coordena o Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (Gamp)

Unidas na luta da violência contra a mulher, no início da década de 1990 foi criado o Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (Gamp), a primeira ONG feminista da cidade. A criação da entidade abriu portas para a discussão dos direitos da mulher na cidade. Dois anos depois, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher foi estabelecido. Hoje, os dois órgãos andam de mãos dadas, como explica a coordenadora, Diná Lessa.

Em abril de 2017, Luciana Custódio passou a liderar o Conselho da Mulher. Vinda de Camaquã para Pelotas em 1988, ela mora há 25 anos no Conjunto Habitacional Guabiroba. A vontade de lutar pelos direitos das mulheres nasceu muito antes de tornar-se presidente do órgão. “Eu sempre digo que nós, mulheres negras, já nascemos fazendo ações políticas”, ela conta, quando se refere à necessidade de ver mulheres iguais a ela ocupando espaços que, historicamente, não as representam. Já no Ensino Superior, ela começou a inserir a realidade que conhecia e que normalmente não pertence à universidade: a vivência das mulheres negras e periféricas.

divulgação - Luciana Custódio
Luciana. “Nós, mulheres negras,  já nascemos fazendo ações políticas”

E exercer essa função não era assunto só da academia, já que Luciana foi fundadora do coletivo feminista Rosas do Gueto, nascido dentro da Guabiroba. Somando o que conhecia da vivência na comunidade, a diretora do Conselho Municipal ingressou na carreira política. “A minha ideia é passar tudo que conheço dos bairros para as ações do Conselho”, conta. “É importante que mulheres, mulheres negras, indígenas e transexuais estejam em espaços de poder, para que possam tomar decisões a fim de quem está inserido nessas situações”, ressalta. A visão da ativista em relação à tomada de decisões é nítida: as mulheres precisam ter voz e decidir por elas. E completa: “os homens precisam ser nossos parceiros nisso, parando de tomar todas as decisões pela gente”.

No Conselho da Mulher, uma das principais ações da presidente é a de descentralização das ações que envolvem as mulheres. Há dois anos a abertura da Semana Municipal da Mulher ocorre diretamente nos bairros e neste ano o encontro será no loteamento Pestano. Cohab Guabiroba e loteamento Dunas também foram casa para a celebração, em 2017 e 2018, respectivamente. O principal objetivo é levar informação àquelas marginalizadas, como a atuação da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher e da Casa de Acolhida, as especificações da Lei Maria da Penha e aproximar as mulheres dos Centros de Referência.

“Ainda existe um quadro muito sério de mulheres que não denunciam os agressores”, pontua Luciana. Fenômeno que se dá por diversos fatores, tanto emocionais, físicos e até de habitação. Ela ainda explica que, apesar das fragilidades do município e do Estado, principalmente em questão de estrutura, “é importante para as mulheres periféricas saberem que existe uma rede”.

Persistência

pr7643
Alexandra Pereira é um exemplo do que se pode chamar de mulher persistente

Segundo o dicionário, persistir é verbo destinado às pessoas que têm como característica não desistir fácil. A produtora cultural Alexandra Pereira é um exemplo do que se pode chamar de mulher persistente. Ela conta que conheceu o rap há 20 anos, espaço em que firmou raízes. Hoje, é vice-presidente da Associação Hip Hop de Pelotas. Duas décadas atrás, as mulheres que ela via participar dos encontros e shows eram companheiras dos MCs. “Algumas até cantavam, mas só se o marido deixasse”, relata. O sentimento de inquietude a fez começar a encorajar a participação das “manas”, como chama as parcerias dos grupos musicais. De pouco em pouco, “elas começaram a andar sozinhas”, pontua.

O hip hop é um estilo musical composto por cinco elementos: b-boy/b-girls, DJs, MCs, grafiteiros e o conhecimento. Para Alexandra, o último item é essencial para expressar a realidade através das letras. Para muitos, o rap pode soar agressivo, mas a produtora musical afirma que a sensibilidade das mulheres é peça fundamental para mudar essa ideia. É possível mesclar consciência e amor, mostrando preocupação e expondo as necessidades da comunidade de onde cada uma veio.

O principal objetivo de Alexandra é encorajar outras mulheres e ensiná-las a serem persistentes como ela. Para isso, ela precisou dar a cara à tapa e abrir espaços para elas mostrarem seus talentos. Dessa forma, o trabalho das “minas” é difundido e espalhado, atingindo outros mundos e mostrando as suas realidades para diferentes pessoas. “Eu quero plantar a sementinha”, reitera.

É a vez delas

divulgação - Andrea Westphal
A vereadora Andréa Dutra Westphal está no seu segundo mandato

Pela primeira vez em 267 anos, a Casa do Poder Legislativo em Rio Grande é comandado por uma mulher. A vereadora Andréa Dutra Westphal está no seu segundo mandato e passou a comandar, neste ano, a Câmara Municipal da cidade. Professora da Educação Infantil há mais de 17 anos, Andréa sempre se envolveu em projetos sociais. Porém, o espaço limitado dado pela escola lhe incomodava. Como, então, estender a visão social além dos muros da instituição? Foi aí que surgiu o convite para participar da vida política. Ela agarrou a oportunidade sem ter ideia alguma de para onde ia. Com 19 dos 21 votos possíveis, Andréa foi eleita e tomou posse no dia 28 de dezembro.

Ser a primeira presidente da Câmara é um avanço, que veio da necessidade de mudança e quebra de paradigmas. "A minha gestão é feminina", ressalta. Isso significa que a vereadora quer fazer a diferença, inovando na sua forma de governar e cuidando da pluralidade, com sensibilidade e através do acolhimento. Segundo ela, jamais quer ser vista como igual aos outros que por lá já passaram como presidentes. Há dez anos, Andréa nem imaginava que estaria onde está. "Ninguém sabia que eu era", justifica. Hoje, é vista como um espelho e exemplo a ser seguido. Durante seu mandato, a presidente da Câmara Municipal do Rio Grande quer mostrar às mulheres como é importante dar força umas às outras. Ela já foi acolhida e quer ser abrigo para outras. "As mulheres passam na rua e dizem: 'tu me representas, me sinto representada'".

À frente da OAB

Gabriel Huth_717748
Paula Grill. Advogada responde pela Ordem dos Advogados do Brasil em Pelotas

Paula Grill Silva Pereira também está na sua segunda gestão. Ela comanda a Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) de Pelotas desde 2015 e, em 2019, foi empossada para comandar a instituição por mais um triênio (2019-2021). Paula, que já foi conselheira e tesoureira da subseção pelotense, contou que nunca teve problemas por ser uma mulher atuando nesta área. "Desde criança fui criada para ser eu", então se sente bem em qualquer situação. Apesar de já ter passado por duas situações desconfortáveis com homens, ela afirma que problemas do dia a dia existem para todos, independentemente do sexo.

Além de estar à frente da OAB na cidade, Paula cuida dos filhos gêmeos e pratica diversos esportes e atividades cotidianas. Segundo ela, há um jeito para fazer tudo. Hoje, há muitas mulheres atuando na advocacia, principalmente em Pelotas. A equipe diretiva da presidente, por exemplo, é composta por mais integrantes do sexo feminino do que masculino. Porém, Paula acredita que a mulher ainda tem muito mais a crescer. Há diversos espaços se abrindo e elas precisam tomar esses lugares. Ela justifica com base em uma frase de Monteiro Lobato, lida durante seu discurso de posse e que, agora, leva para toda a vida. "A mulher não é inferior nem superior ao homem, é diferente. "No dia em que compreendermos isso a fundo, muitos mal-entendidos desaparecerão da face da terra", finaliza.


O que acontece hoje em Pelotas
- A prefeitura de Pelotas realiza ações na Escola La Salle, Ecosul e Mercado Central, buscando discutir a presença feminina na sociedade. Até o dia 27 de março, ocorrerão audiências e palestras sobre violência contra a mulher e apresentações artísticas. Pelotas recebe ainda, a partir do dia 12, o Ônibus Lilás, do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher. São oferecidos atendimento jurídico, psicológico e assistencial, além de atividades diversas.

- A agência FGTAS/Sine de Pelotas realiza um atendimento preferencial às mulheres. A ação é promovida pela coordenação do FGTAS e acontece em todas as sextas-feiras do mês de março. Segundo informações do coordenador, Glauber Borkle, o Sine não pode oferecer vagas exclusivas para um sexo, então a homenagem ao Dia Internacional da Mulher se dará através do atendimento preferencial. A agência fica na rua General Osório, 602.

- A quinta edição do Minas em Ação, organizado pela produtora musical Alexandra Pereira, acontece no Mercado Central de Pelotas, das 18h às 21h30min.

- O 8M Pelotas promove uma série de ações durante o dia 8. A partir das 13h, uma feira com exposições será realizada no largo Edmar Fetter. Às 17h há a concentração para um ato, que acontece às 18h, com uma caminhada pela cidade. O encerramento será em forma de homenagem às 62 mulheres vítimas de feminicídio em Pelotas nos últimos cinco anos.

Você sabia?
- Pelotas se destaca por ser governada por uma mulher e possuir quatro vereadoras, o que resulta em uma parcela de 19% de representação feminina na Câmara dos Vereadores;

- Em Pelotas, temos 17 secretarias. Destas, apenas duas são lideradas por mulheres. Porém, segundo a cientista social Elis Radmann, isso demonstra uma representação de 11,7% que está na média nacional e acima da média, em relação a muitas cidades;

- A Câmara dos Vereadores de Porto Alegre foi presidida por quatro mulheres em 245 anos. Por 28 votos a sete, a vereadora Mônica Leal foi eleita em dezembro. Ela iniciou a vida política em 1992 e ocupou o cargo de primeira vice-presidente da Câmara por mais de uma vez em 2018. 

- A mulher representa 52,5% da população brasileira e 52% do eleitorado;

- Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam 51,7% dos trabalhadores brasileiros e, mesmo com mais escolaridade, ainda são minoria no topo da hierarquia dos setores público e privado, representando pouco mais de 1/3 dos cargos gerenciais;

- As mulheres ganham em média 77,5% do salário de um homem;

- Ainda de acordo com o IBGE, as mulheres gastam cerca de 18 horas semanais com afazeres domésticos e cuidado com crianças, enquanto que os homens dispensam dez horas.

 

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Governo exigirá cadastro de famílias que optem por ensino domiciliar Anterior

Governo exigirá cadastro de famílias que optem por ensino domiciliar

Próximo

"Eu nunca me imaginei prefeita de Pelotas"

Deixe seu comentário