Respeito
A saúde também precisa de silêncio
Buzinas, ronco de motores e som alto fazem parte do dia a dia da frente dos hospitais; HE da UFPel organizou Momento Psiu, para tratar da importância da ausência de barulho na recuperação
Jô Folha -
Uma irritação que não se sabe de onde vem. No dia a dia do meio urbano, é comum, em certo momento do dia, notar o estresse constante, sem nenhuma causa aparente. Com o crescimento das cidades, aumentam também os ruídos, provocados pelos motores dos carros, buzinas, sirenes, aparelhos de som, enfim, por pessoas. Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), o volume máximo dos sons que não causam nenhum desconforto ao ser humano é de 50 decibéis (dB). Os da rotina das grandes cidades constantemente chegam aos 75 dB. Intensidade que pode desencadear doenças e dificultar a recuperação de pacientes em hospitais. Em Pelotas, as casas de saúde convivem com essa realidade diária. Pior para quem está internado e precisa de descanso durante a reabilitação.
A legislação estabelece diferenças entre poluição sonora - aquela que é constante - e perturbação do sossego alheio. Os veículos nas ruas, por exemplo, se enquadram no primeiro caso e a fiscalização são de responsabilidade da Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA). Perturbação de sossego alheio se refere aos barulhos que fogem da rotina, independentemente da intensidade. Pode ser um vizinho com uma furadeira ou um alarme de carro tocando incessantemente. As buzinas em frente aos hospitais são perturbação e passíveis de multa dos agentes de trânsito.
No Código de Trânsito Brasileiro o artigo 228 define como infração grave, passível de multa, a utilização de equipamento de sons não autorizados pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). No ano passado o Contran publicou a resolução 624, que dispensa a medição de decibéis para aplicar multa em casos de perturbação do sossego. Assim, o número de multas aumentou em Pelotas. Em relação à perturbação em frente a hospitais, foram 56 autuações só neste ano: o dobro de 2016 inteiro, quando foram registradas 26 infrações. Outro problema são as motos com escapamento alterado ou silenciador estragado - em 2017 foram 133 multas.
Realidade em frente aos hospitais
Abre o sinal na rua Marechal Deodoro, no cruzamento com a Antônio dos Anjos. Os carros e motos avançam na via e se juntam aos ônibus que deixam a parada na esquina com a Padre Felício. Os pacientes que repousam no Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP/UCPel) escutam tudo pela janela dos quartos. Nem a placa de proibido buzinar reprime os motoristas, ansiosos por avisar aos pedestres que não vão parar na faixa de segurança.
A reportagem do Diário Popular acompanhou a rotina na frente de quatro hospitais no centro da cidade: Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE), Miguel Piltcher, São Francisco de Paula e Santa Casa de Misericórdia. Apenas na rua do Miguel Piltcher não há placa de proibição às buzinas. Ainda assim, apenas 15 minutos em frente a cada casa de saúde, no meio da tarde, bastou para ouvir pelo menos dois carros utilizando a buzina; também motos com escapamento alterado, ônibus e caminhões com os motores roncando.
Às 14h15min da tarde uma Saveiro vermelha passeia pela Deodoro com os vidros abertos, condutor com o braço para fora e a música no último volume. Poucos minutos antes um caminhão de pequeno porte passa buzinando exatamente em frente ao São Francisco de Paula, reclamando de outro veículo que estava parado na faixa da direita da via. A falta de conscientização em frente aos hospitais parece ser generalizada. Na rua Andrade Neves as motos passam com pressa sobre o quebra-molas, em frente ao Louis Braille. Os carros que trafegam pela Padre Felício aceleram rápido para vencer o cruzamento. Sem sinalização, o Miguel Piltcher é uma das testemunhas dos barulhos produzidos pelo trânsito.
Momento Psiu
Dentre os problemas causados pela poluição sonora estão as alterações auditivas (parciais ou permanentes, dependendo do volume e do tempo de exposição), aumento da frequência cardíaca, dificuldades no sono e aumento da pressão arterial. Problemas que afetam toda a população urbana e podem ser uma pedra no sapato das áreas de recuperação em hospitais.
Na UTI Neonatal do HE uma ação de conscientização sobre a importância do silêncio. Os problemas causados pelo ruído excessivo são perigosos aos bebês que nascem prematuros e fazem tratamento nas incubadoras da unidade, de frente para a rua Professor Araújo. O Momento Psiu é voltado à educação interna da instituição. Ele ocorreu pela primeira vez no HE neste ano, no Dia Mundial da Prematuridade - 17 de novembro. Na data, a ala ficou em silêncio total por dez minutos.
Ações voltadas ao barulho externo, no entanto, parecem não ter surtido efeito. Há alguns anos o hospital entrou em contato com a prefeitura, mas nada mudou. Uma das criadoras do Momento Psiu no HE, Gicélia Barreto Nascimento, fonoaudióloga da UTI Neonatal, afirma que os bebês se agitam nas incubadoras a cada ronco mais alto de motor dos carros que passam pela via. Outra queixa é com o caminhão do lixo, em operação na rua de madrugada. "Os bebês ficam agitados, choram mais com o barulho. Pode acarretar, inclusive, doenças neurológicas", explica.
Para os profissionais da instituição, há falta de políticas públicas para solucionar o problema. Os agentes de trânsito informam que a fiscalização em frente aos hospitais é a mesma realizada no resto da cidade. Para quem trabalha nas casas de saúde, uma alternativa aparente seria melhorar a sinalização. Há apenas uma placa de proibido buzinar, mas nenhuma pedindo por silêncio em frente aos prédios.
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