Superação
A vida depois da Covid-19
Três mulheres relatam desde os primeiros sintomas, o período da internação hospitalar e o retorno à rotina após vencerem a contaminação pelo novo coronavírus
Há pouco mais de dois meses o Brasil passou a conviver com uma ameaça invisível que, no fim de 2019, já havia devastado milhares de vidas do outro lado do mundo: a Covid-19. De lá pra cá, poucos ainda não se perguntaram se podem ter sido ou não contaminados pelo vírus oportunista, ainda em estudo e acompanhamento pela ciência. Os sintomas não seguem um padrão, são tão diferentes quanto suas vítimas, que não têm sido poucas. No país já são mais de cem mil infectados e sete mil mortes. No Rio Grande do Sul os dados oficiais apontam cerca 1,7mil gaúchos contaminados, mais de meia centena já perdeu essa batalha. Mas, como em toda a guerra, há os sobreviventes, neste caso, os chamados “recuperados”. Da estatística para a volta à vida depois da Covid, eles trazem histórias de superação e de mudança de comportamento.
Em Pelotas três mulheres viveram dias de incerteza, angústia e desejo de muita saúde. Casos próximos, capazes de comprovar que o vírus não escolhe lugar, idade, sexo, profissão, não é notícia falsa, nem tão simples de tratar. Hoje, elas fazem parte de duas estatísticas - estão entre os casos confirmados no Estado, mas principalmente, ajudaram a fazer crescer o número de “curados” ou, simplesmente, recuperados, como têm preferido classificar os cientistas. Mas para que chegassem a esse status, tão almejado no dias atuais, estiveram internadas em um hospital e contaram com o trabalho daqueles que se tornaram essenciais desde o início da pandemia, os profissionais da saúde. O relato das pacientes recuperadas, mas que preferem o anonimato, e do médico que acompanhou as três internadas em Pelotas, são a certeza de que o novo coronavírus ainda é um desafio a ser superado tanto pelos doentes quanto por quem se alistou na “linha de frente” de uma das maiores batalhas vividas pela saúde pública.
Ana (nome fictício)
21 anos, universitária
Moradora de Pelotas
Caso número 3 confirmado pela SMS
A quarta-feira, 25 de março, vai ficar gravada na memória da estudante. A dor intensa no estômago fez com que passasse a noite no quarto dos pais, junto à mãe. “Estava com enjoo, vômito, além da dor. No outro dia foi a mesma coisa, a febre veio na sexta-feira, 37.5. No fim do dia pedi para minha mãe me acompanhar na emergência do plano de saúde. Passei por uma barraca, uma espécie de triagem e fui encaminhada para um clínico geral. Ele receitou medicação para problemas estomacais, para enjoo. Voltei para casa”.
Os medicamentos não fizeram efeito, mas no domingo, quatro dias após sentir os primeiros sintomas, resolveu voltar acompanhada pelo pai - a mãe também estava doente -, à unidade de saúde. Na tomografia a constatação: um dos pulmões apresentava o início de sinais de uma possível pneumonia. A equipe de profissionais de saúde “acendeu a luz amarela”, a jovem foi isolada em um quarto da emergência.” Não podia falar com meu pai, mas logo em seguida minha mãe chegou.
Como ela estava doente, acabou sendo atendida e mantida junto comigo. Ficamos na emergência até a segunda-feira, quando fomos transferidas para um hospital de Pelotas. Cheguei fraca, com os mesmos sintomas do início da doença”. A jovem dividiu o quarto com a mãe por oito dias. A recordação é de ir melhorando aos poucos, sem nunca ter um sintoma de virose gripal- nada de tosse, dor de garganta, congestionamento nasal. “ O pior foi ver as pessoas com medo da gente, de chegar perto, de se contaminar. Todos queriam ajudar, mas sem saber bem como fazer. Isso é angustiante e eu nunca vou esquecer”, disse Ana, com a voz emocionada. A alta trouxe a sensação de alívio e também o resultado positivo do exame para o novo coronavírus.
Ela e a mãe ficaram 14 dias isoladas em casa, após saírem do hospital. “Viajamos no começo de março, a família toda para o Rio de Janeiro. Meu pai não ficou doente, nem meu irmão. Como minha mãe trabalha em um hospital aqui da cidade, não temos certeza onde ocorreu a contaminação. O certo é que estamos as duas recuperadas, com saúde, é o que importa”, conclui ela, que agora faz planos para voltar à faculd ade, assim que a pandemia deixar.
Vera (nome fictício)
61 anos, eletricitária
Moradora de outra cidade gaúcha
Nunca Vera imaginou que a viagem de férias, com o filho de 23 anos, começaria no Nordeste e terminaria em um hospital de Pelotas, com teste positivo para a Covid-19. Ao retornar do passeio, a dupla precisou fazer uma conexão em São Paulo, onde já existiam casos confirmados para a doença.
Seguir os protocolos de higiene, usar máscara, não foram suficientes para evitar a infecção. “Ao sentir os primeiros sintomas, como muita dor de cabeça, perda de olfato e paladar, pedi dispensa no trabalho para ficar 15 dias em casa, como estava sendo recomendado para quem havia voltado de viagem”, lembra a eletricitária. Mas os sintomas só se intensificaram e ela resolveu procurar a emergência do plano de saúde em Pelotas, onde costuma fazer tratamentos médicos e tem parentes. “Sou uma mulher saudável, pratico esportes, fiquei preocupada quando os exames apontaram pneumonia e fui encaminhada para o hospital”.
No caso de Vera, o vírus mostrou parte de seu potencial e ela precisou de oxigênio dois dias. Depois de 13 dias de internação, teve alta. Nesse tempo o filho cumpriu o isolamento social, ficou assintomático, mas positivou para o vírus. Ao falar da volta à rotina, Vera, não esconde a preocupação com a falta de crença das pessoas. “ Tem gente que ainda acha que não existe, que não vai pegar. É invisível, está ao nosso lado. Tem que usar máscara, tem que lavar as mãos, manter o isolamento social, ter preocupação com o outro”, diz a mulher que ficou com sequelas nos dois pulmões.
Maria (nome fictício)
51 anos, administradora
Profissional da área da saúde
Moradora de Pelotas
Caso número 4 confirmado pela SMS
A tosse foi o primeiro sintoma de Maria, mãe de Ana. Enquanto a filha sentia dores estomacais, ela controlava a própria temperatura. Perdeu o olfato e paladar no dia seguinte e a febre surgiu logo em seguida. “Mas foi só no domingo, quando também fui à emergência onde a Ana estava que percebi que nós duas poderíamos ter sido infectadas pelo coronavírus”.
Maria admite ter ficado apreensiva até a confirmação do diagnóstico. “Foi um período de muitas dúvidas. Quando o médico disse que pelas tomografias era clara a possibilidade de ser Covid, pelas lesões nos pulmões, então decidiram fazer os testes e fomos internadas”, relata. A partir daí exercitou a calma e confiou na recuperação. “Sempre tive muita fé, mas foram dias em que pedi muito, por mim, pela minha filha”, confidenciou. A administradora nunca teve falta de ar, mesmo assim precisou de oxigênio para respirar melhor. No hospital teve dias complicados, mas como toda a mãe, a preocupação era maior com a filha. “Eu sabia que poderia ter sido a transmissora, quem levou o vírus para dentro da minha casa. A sensação é muito ruim. Mas também tinha o lado de eu estar junto com ela, principalmente no período do isolamento, isso me confortou”.
Depois da alta, mãe e filha enfrentaram o isolamento domiciliar. Teve dias que Maria precisou muito da ajuda de Ana. A mãe estava mais debilitada pela doença, a tosse demorou a passar.” Sempre fomos próximas, mas o coronavírus fez com que uma cuidasse da outra, na verdade, ela cuidou mais de mim...foi quase um presente de Dia das Mães ter vivido isso junto com ela, tivemos esse privilégio”, diz Maria, ao suspirar.
Ela encerra a conversa com um apelo - a testagem de todos os profissionais que trabalham na área da saúde. “Só sei que fui contaminada porque adoeci. Podemos estar colocando em risco a vida de nossas famílias”.
Rafael Calderipe Costa
Médico clínico geral e nefrologista
Responsável pelo tratamento das três mulheres
O quadro clínicos das duas primeiras pacientes, informado pela equipe de plantão do plano de saúde, fez o médico Rafael acender um ponto de atenção, quando mãe e filha chegaram no hospital em que trabalha.”Poderia ser uma pneumonia viral, mas por tudo que estávamos acompanhando sobre a Covid-19, apesar de não terem um quadro mais grave, achei que a possibilidade de terem sido infectadas pelo vírus, era grande”. O clínico geral e infectologista estava certo, mas o desafio de tratar as pacientes foi imenso e fez com que o profissional intensificasse a busca por informações na área científica.”
Desde o surgimento da doença estou me atualizando, acompanhando o que está sendo feito e que serve como referência, como agir e até que tipo de medicamento utilizar. Três diferentes aprendizados para os 16 anos de medicina do doutor Rafael. “Vivemos um misto de apreensão e tomada de decisões. Estamos lidando com algo novo, a medicina mundial ainda não tem todas as respostas, reflete o médico, que não esconde uma certeza de hoje estar, mais do que nunca, salvando vidas”.
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