Cidade

A voz cada vez mais fraca dos bairros

Associações comunitárias tem cada vez mais dificuldade de sobreviver; a maioria não possui nem sede e funciona na residência nos membros da diretoria

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   A década de 1980 viveu o auge das associações de bairros na cidade (Foto: Paulo Rossi - DP)

Uma entidade reivindicatória e política. Também um instrumento de pressão, mobilização e centralização de forças. As associações de moradores, de bairro ou comunitárias desempenham um importante papel mediador entre as necessidades de uma determinada comunidade e o Poder Público. Apesar disto, seu espaço nos mais diversos meios sociais vem caindo ao longo dos anos e, em Pelotas, não tem sido diferente. Na cidade, há 30 anos, 80 associações trabalhavam em prol dos interesses dos pelotenses. Hoje o número está pela metade. E mais, sem sofrer mudanças na forma como está estruturada, a tendência será uma diminuição ainda maior.

Um dos principais motivos para esse déficit, de acordo com o presidente da União Pelotense de Associações Comunitárias e Associações Afins (Upacaf), Valdir Duarte, é a dificuldade de manter uma liderança engajada. Nos seus mais de 30 anos de envolvimento com entidades comunitárias, Valdir vê o desinteresse se acentuar quando as pessoas, em um primeiro momento mobilizadas, encontram a realidade de uma associação. Sem fins lucrativos, as dificuldades são muitas. A maioria não possui sede e funciona na residência nos membros da diretoria. O trabalho, principalmente nestes casos onde não há local específico, dificilmente tem horário, com demandas chegando a todo momento. Somado a isto, a responsabilidade de interceder junto aos governantes nestes problemas. “As pessoas perguntam muito quanto é o salário por esse trabalho, mas não tem. A dedicação é voluntária e frente a essa resposta a maioria desiste. São tempos de crise financeira e muitos não se consideram com tempo para atividades assim.”

No entanto, mesmo com uma série de dificuldades, elas resistem. No Navegantes I, o funcionário público Reinaldo Magalhães é um exemplo. A associação de moradores do local vem perdendo força desde 2006, com o afastamento dos seus membros, mas Reinaldo não abandona a causa. Hoje se considera um líder comunitário, que atua em conjunto com as entidades do Navegantes II e III por melhorias nos locais. Ao lado da esposa Marilaine da Rosa, recolhe as demandas que, literalmente, batem na porta da sua casa, e busca as respostas. Ao longo de mais de 20 anos as conquistas já foram muitas. Entre as mais recentes, está a criação de uma praça com a instalação de brinquedos para crianças em um terreno até então vazio. As reinvindicações, é claro, não param por aí. Hoje os moradores estão no aguardo da pavimentação de algumas ruas e também da solução com relação ao recolhimento de lixo em certos locais onde o caminhão tem dificuldades de acessar. Tudo pautado pelo líder e aguardado com expectativa pela comunidade.

Os residentes da Cohab Tablada também têm uma representação ativa. Mas, ao contrário de Reinaldo, Sônia Macedo trabalha com uma sede própria e ao lado de nove pessoas na direção da associação. Os cerca de 60 sócios, e algumas contribuições voluntárias, ajudam a custear os diversos projetos oferecidos pela entidade. Aberto a moradores da localidade e de outras regiões há aulas de dança, futebol, yoga e, em breve, de artesanato e um coral. Em meio a isto, há também o trabalho de cobrança. Sônia explica que os moradores normalmente recorrem à associação após encontrarem dificuldades em resolver uma questão com o Poder Público. As maiores dificuldades estão relacionadas à iluminação e à limpeza das vias, algo pautado há anos, segundo Sônia.

Esta necessidade de se fazer sempre presente e em contato com a administração pública, como Sônia e Reinaldo fazem ao cobrarem resoluções aos problemas dos bairros, é um dos pontos que também costuma dificultar a continuidade do trabalho da associação. “Muito é atendido, mas muito é bastante trabalhoso de ser conquistado. O líder passa muito tempo nas secretarias e, para isto, precisa da flexibilidade no dia a dia. Não basta apenas existir, é preciso encarar o projeto social.” Algo que, para Valdir, tem se tornado cada vez mais difícil de encontrar.

Plataforma política?
O movimento comunitário não tem bandeira política, mas é bastante comum ver as lideranças dos bairros ligadas a partidos e mesmo concorrendo nas eleições. Reinaldo e Sônia já concorreram para vereador, por exemplo, e, de acordo com Valdir, fazem parte de um grupo extenso de líderes comunitários que passaram em algum momento pelo processo eleitoral. Reinaldo, inclusive, chegou a ser titular durante alguns dias no plenário e pensa em participar do pleito neste ano. Já Sônia conta que há 16 anos acabou sendo convidada para participar, mas descarta novas concorrências. “Penso que consigo contribuir bem mais com a minha comunidade do lado de fora, do que lá dentro.”

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As demandas do Navegantes I chegam na casa de Reinaldo e Marilaine (Foto - Paulo Rossi - DP)

Este movimento, ao contrário do que se pode pensar em um primeiro momento, poderia ser umas das causas do afastamento entre a população e as associações. Mas é justamente o contrário, já que muitas vezes os líderes são incentivados pela própria comunidade. Para o professor da Furg e sociólogo Ricardo Severo, os moradores aprovam que uma figura próxima os esteja representando nas esferas políticas. “Ela sente que será melhor atendida e que as melhorias chegarão de forma mais fácil através daquele líder.”
No entanto, este espaço de confiança costuma ser preenchido por personalidades populistas, que tendem a se afastar do local que as elegeu quando colocadas dentro da Câmara de Vereadores. “Acaba funcionando como plataforma política para quem já tem essa intenção, de se eleger, no caso. O que não é, definitivamente, a sua função”, reforça.

É preciso se reinventar
Não são apenas as dificuldades em conciliar o dia a dia com as atribuições de uma associação de bairro que estão restringindo o espaço das entidades na sociedade. Para Ricardo Severo, o que contribui mais fortemente para isto são algumas mudanças essenciais que ocorreram desde o seu surgimento. Severo explica que as associações tiveram um papel de muita importância no período em que o país estava vivendo a transição da ditadura militar para a democracia. Em meio a isto, elas trabalhavam ao lado dos movimentos sindicais representando, pautando e reivindicando direitos e lutas até então abafados pela repressão. Já no cenário atual há espaço para outras formas de atender as demandas. “Antes se concentrava muito nos movimentos sociais, sindicais, nas associações. Hoje as pessoas percebem mais autonomia nas suas mãos e encontram uma maneira de chegar até a solução que desejam enquanto indivíduo e não grupo.”

Apesar de não considerar que estas entidades possam perder totalmente a relevância às comunidades e cheguem, em determinado momento, a não existirem mais, Severo alerta que uma mudança é mais do que necessária para recolocar força neste instrumento popular para melhorias.

O sociólogo considera que somado a esta maior autonomia nas mãos dos cidadãos, o fato de a associação ser focada em pautas apenas pontuais contribui para o afastamento e a diminuição do interesse. Adotar projetos sociais, como os que Sônia oferece na Cohab Tablada, é essencial para que as pessoas permaneçam ligadas à associação. A sugestão é comprovada pela experiência. Sônia afirma que são atendidas mais de 200 pessoas nos cursos e aulas gratuitos que disponibiliza, a maioria em parceria com o programa Vida Ativa, da prefeitura. Severo continua: “As entidades precisam agregar novas pautas que não sejam só imediatistas, como projetos sociais, por exemplo, para não perderem de vista seu peso e sua importância.”

O que é associação?
Pode-se definir associação como pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, criada a partir da união de ideias e esforços em torno de um propósito lícito e comum.

O que é associação comunitária?
As associações comunitárias ou de bairro são aquelas que têm como objetivo organizar e centralizar forças de moradores de uma determinada comunidade para representar, de maneira mais eficaz, interesses comuns.

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Na Tablada, Sônia Macedo tem o apoio de  nove pessoas (Foto: Paulo Rossi - DP)

Por que são criadas?
A criação de associações de bairro é motivada pela necessidade de conquistar melhores condições de infraestrutura, transporte, segurança, lazer, educação, entre outros setores, em vista da precariedade de políticas públicas.

Quantas pessoas são necessárias para constituir uma associação?
A lei não faz referência ao número mínimo de associados. Mas, sendo as associações constituídas pela “união de pessoas” nos termos do artigo 53, do Código Civil, conclui-se pela necessidade de, no mínimo, dois associados. Alguns defendem a necessidade de três ou cinco associados, para que haja a formação de maioria nas votações.

O passo a passo

1. Reunir um grupo de pessoas para discutir a ideia de formação de uma associação de moradores de uma rua, de um prédio, de um bairro etc
2. Definir quais serão as pessoas que farão parte da diretoria da associação, que deverá ser composta por: um presidente, um vice-presidente, primeiro e segundo secretários, primeiro e segundo tesoureiros, um diretor social, um diretor de esportes, um diretor de cultura e Conselho Fiscal. (Observação: o número de diretores vai depender da disponibilidade de pessoas engajadas no projeto solidário)
3. Preparar um Livro de Atas, onde deverão constar a criação da associação, o nome da mesma, a data de fundação, os membros e os cargos da diretoria e a assinatura de todos os presentes.
4. Escrever um Estatuto onde constarão a finalidade, a função, a responsabilidade, os membros da diretoria e outras informações legais e constitutivas sobre a associação
5. Registrar o Estatuto em cartório e providenciar o CNPJ para que a associação seja legal.

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