Não é céu
Aeroclube quer decolar novamente
Apesar de já ter experimentado uma fase de apogeu, entidade atualmente se perde no ostracismo
Paulo Rossi -
Patrimônio cultural e histórico pelotense, o Aeroclube de Pelotas está longe de seu apogeu. Fechado há quatro anos, o local vive a crise financeira nacional no setor e tenta novamente levantar voo após período em que foi inclusive caso de Justiça.
Ao longo de 73 anos, a escola de aviação, quarto aeroclube fundado no Rio Grande do Sul, formou dezenas de pilotos que posteriormente entraram no mercado de trabalho das empresas aéreas brasileiras e estrangeiras, sendo alguns destaques o coronel Rubens Centeno e os comandantes Rafael Enderle e Clóvis Candiota, responsável pelo primeiro voo de pulverização agrícola realizado no Brasil. Também é formada pela instituição Marilda Zaiden de Mesquita, primeira mulher a fazer um translado de avião dos Estados Unidos para o Brasil.
Há quatro anos, entretanto, a situação se tornou desfavorável. Antes, uma contextualização: não é apenas o céu do Aeroclube de Pelotas que vive tempos nebulosos no país. Em tempos de crise financeira, o salgado preço da hora de voo, devido ao alto custo que têm também, por exemplo, a gasolina e a manutenção dos aviões, tem afugentado interessados em realizar cursos nas escolas de aviação brasileiras. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), no ano passado foram 4.921 licenças emitidas para pilotos, em todas as categorias. Número 23% menor do que há dois anos. No site da agência constam 122 aeroclubes ativos e com situação regular no país.
No Aeroclube de Pelotas tal crise se intensificou em 2012, quando em uma auditoria de rotina realizada pela gerência regional da Anac foram encontradas nove não conformidades, como a ausência de aviões em condições aeronavegáveis e o vencimento das homologações para cursos técnicos e teóricos, além de irregularidades na parte de segurança quanto à identificação de quem entra e sai do local. A situação ocasionou na suspensão do Certificado de Atividade Aérea (CAA) e, por consequência, de tudo o que envolvesse as aulas ministradas no local. Com os cursos suspensos, a crise técnica se transformou em financeira e piorou em janeiro de 2013, quando o então presidente, André Gastaud, faleceu em um acidente de carro em Santa Vitória do Palmar.
O atual presidente do Aeroclube, Danilo Pereira, credita a situação às gestões anteriores. “Quando eu assumi e tive acesso a toda documentação e processos, percebi que o que levou a suspensão do CAA foram não conformidades muito grosseiras, em especial não relatar as atividades à Anac e não dar a devida atenção a detalhes burocráticos. O que mais agravou foi uma sequência de erros de gestão, não apenas um erro, mas uma sequência deles”, diz.
Vencer a burocracia
Hoje o Aeroclube se encontra temporariamente fechado para qualquer tipo de visitação ou cursos, com seu acesso sendo liberado apenas para a diretoria, que tem cadastro junto à Infraero. Pereira explica que isso ocorre devido ao acesso que o Aeroclube dá ao lado ar do Aeroporto Internacional João Simões Lopes Neto, isto é, dá acesso muito fácil aos pátios das aeronaves, às pistas e a outras áreas. “De acordo com a nova legislação que entrou em vigor, temos que ter uma área de recepção e triagem, bem como cadastro e controle total de quem tem acesso a este lado. Por estes motivos, até que sejam realizadas obras de adequação das instalações a este regulamento, teremos que manter o acesso a outras pessoas fechado.”
Hoje, o que trava a reabertura, segundo Pereira, é a lentidão da burocracia. Em 2015 uma diretoria foi formada por 14 membros, dos quais 13 são pilotos com vivência e atuação direta na aviação, algo inédito no Aeroclube. A ideia é dividir o trabalho em duas etapas, sendo a primeira baseada em colocar documentações e regulamentos em dia, e a segunda nas reformas necessárias para que o local funcione de acordo com as normas da Anac. Para esta, entretanto, é necessário algo que hoje ainda é escasso: dinheiro. “Não há procura por cursos, assim não há demanda e por consequência, às vezes, ao invés de diminuir o preço da hora de voo com promoções, acaba por aumentar, pois os custos básicos para manter um Aeroclube continuam e com poucos alunos se torna muito mais difícil”, comenta Pereira, destacando não apenas pedidos de pessoas para que o local reabra.
Uma saída, acredita, seria a ajuda do Poder Público, tendo em vista a importância do Aeroclube de Pelotas para a história e a cultura da cidade. Com a mão de obra, por exemplo, se pensa também em criar uma área social voltada à comunidade local, para que famílias possam levar filhos e filhas aos fins de semana para passeios. “Queremos aproximar a comunidade, dar oportunidade de aproximarem-se deste mundo da aviação, com muita história, lazer e cultura”, finaliza.
Nos últimos meses reuniões têm ocorrido entre a diretoria do Aeroclube e a Anac em Brasília e no Rio de Janeiro para tratar de detalhes da reabertura.
Imbróglios judiciais
Em meio à suspensão das atividades, pessoas que haviam contratado horas de voo, sem porém receber as aulas, se viram obrigadas a entrar com ação coletiva, ajuizada pela Promotoria, para tentar ressarcimento que até hoje não aconteceu. Robson Dantas, que em 2014 falou ao Diário Popular sobre a situação, dois anos depois se vê sem esperanças de ter de volta os R$ 3 mil pagos adiantados em 2012. “Assim como eu, muitos sabem que esse dinheiro nunca vai aparecer. Parece que tudo aconteceu e não foi grave”, diz.
Sobre as dívidas do Aeroclube, Danilo Pereira afirma que não há como pagá-las sem que haja receita.
Também por isso o desejo em reabrir o local. “Essa é a nossa prioridade, pois é a única forma de ressarcir e pagar o que se deve. Vamos começar a voar, agora já é uma realidade muito próxima e, em consequência disso, quitaremos nossas obrigações”, comenta.
Setembro de 2012
Em auditoria de rotina realizada pela gerência regional da Anac, novas não conformidades foram constatadas no Aeroclube de Pelotas. Ausência de aviões em condições aeronavegáveis e vencimento das homologações para cursos técnicos e teóricos entre elas, além de irregularidades na parte de segurança no que tangia à identificação.
Outubro de 2012
Por o Aeroclube não apresentar condições mínimas necessárias à operação de acordo com o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Certificado de Atividade Aérea (CAA) da instituição teve sua suspensão publicada no Diário Oficial da União.
Novembro de 2012
Conta Danilo Pereira que, com um documento da Anac em mãos, especificando as não conformidades, determinou que aulas e demais atividades do Aeroclube fossem suspensas imediatamente.
Janeiro de 2013
Em acidente de trânsito na cidade de Santa Vitória do Palmar, o então presidente do Aeroclube, André Gastaud, morreu
Abril de 2013
Em eleição realizada, Danilo Pereira foi conduzido à presidência e iniciou o trabalho para reerguer o Aeroclube.
Julho de 2013
Uma ação civil coletiva foi ajuizada na Promotoria com vistas ao ressarcimento de pessoas que haviam comprado horas de cursos de pilotagem, sem porém as receber. O processo passou a tramitar na 3ª Vara Cível de Pelotas e hoje se encontra na Defensoria Pública.
Dezembro de 2015
Com uma diretoria formada por 14 membros, sendo 13 destes diretamente envolvidos com a aviação, se solidifica um pouco mais a ideia de lutar pela reabertura do Aeroclube de Pelotas.
Hoje
O Aeroclube de Pelotas permanece interditado pela Anac e com suas atividades suspensas por conta das nove não conformidades. Uma nova diretoria, mais ligada à aviação, tenta a reabertura para que possa quitar dívidas e funcionar sem maiores problemas.
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