Entrevista
Alberto Kopittke - "Pelotas é o epicentro da segurança baseada em evidências no Brasil"
Autor de livro sobre o tema e um dos consultores do Pacto Pela Paz, Alberto Kopittke fala sobre a necessidade de combater à violência com métodos científicos
Foto: divulgação - Em livro, consultor do Pacto Pela Paz avalia experiências de segurança pública
Às vésperas de o programa Pacto Pelotas Pela Paz completar seis anos, o doutor em Políticas Públicas e mestre em Ciências Criminais Alberto Kopittke lançou o livro Manual de segurança pública baseada em evidências, em que analisa experiências do mundo inteiro para a redução da violência. Kopittke foi um dos consultores durante a elaboração do Pacto e em entrevista ao DP avalia a experiência e os caminhos da segurança pública.
"Baseado em evidências" é um termo que costuma se referir ao método científico e às ciências mais clássicas. Como esse princípio se aplica à segurança pública? Quais os caminhos que essa prática tem mostrado?
Não é fácil a gente fazer o estudo que muitas vezes colide com nossas crenças e exige mudanças de práticas do que já se faz tradicionalmente. Evidência é quando a gente faz avaliações de impacto. Exatamente o que a gente fez com o Centro de Epidemiologia, um dos primeiros experimentos de padrão máximo de qualidade com crianças e mães da Coorte. Isso te permite dizer que realmente é o programa que provocou tal efeito, pra gente sair do achismo. A gente ainda tem um debate na segurança muito ideologizado. Muitas vezes, as evidências colidem com os dois lados e mostram uma outra coisa. Se você discorda, tem que apresentar na argumentação uma evidência melhor. Assim, o debate ganha racionalidade.
Adotar o método científico já é difícil em áreas reconhecidas como científicas, como a medicina, em que há muitos negacionistas. Na segurança pública, tanto mais, em que há um debate ideológico. Como garantir racionalidade no debate e permitir que a ciência entre nesse campo?
Isso que me motivou a escrever o livro. É uma grande gama de pessoas envolvidas com o tema da violência, então tentei trazer isso de uma forma prática, porque no País ainda não surgiu esse campo. A gente precisa fazer nascer no Brasil uma outra criminologia, complementar, e que as outras têm que criticar, para saber realmente o que funciona. A questão científica é o método de avaliar, traz a melhor garantia possível de que a gente está avaliando algo da maneira mais isenta possível. Pelotas é o epicentro da segurança baseada em evidências no Brasil. Nenhuma outra cidade aplicou um conjunto tão grande de programas baseados em evidências e fez avaliações. E o exemplo é a melhor forma de convencimento. Pelotas, por exemplo, teve 50% menos evasão escolar que as outras cidades do Estado nos últimos anos, isso mostra que a evidência funciona.
O Pacto Pelotas Pela Paz, prestes a completar seis anos, contou com sua consultoria no começo. Qual é o balanço hoje e quais são os próximos passos para bons resultados?
Trabalhei junto com o nosso Instituto Cidade Segura em Pelotas por três anos. Não tenho uma avaliação do dia a dia, mas ele evoluiu muito nessas estratégias, nessas articulações mais focadas, analisando melhor os indicadores e aprendendo quando não funcionava. Agora é uma questão de fortalecer as estratégias e universalizar elas e seguir avaliando as metodologias. O tema da ressocialização é um grande desafio, talvez seja a área que a gente avançou, onde se montam as facções dentro desse ambiente prisional não adequado. Teve a fábrica de concreto, a mão de obra prisional, mas tem outras camadas de programas que a gente pode trabalhar. Temos bons desafios pela frente.
Quais fatores foram levados em conta para a elaboração do Pacto?
Tínhamos um pico de homicídios que vinha aumentando há 12 anos. Hoje já é um outro patamar, um nível mais adequado. Identificamos os problemas e fomos conversando com os atores, tínhamos líderes nas instituições muito abertos para trabalhar junto, o que não é fácil, no Judiciário, na Polícia Civil, na Brigada Militar. Isso permitiu que a gente sentasse e conversasse junto as soluções e o instituto foi botando na mesa as evidências. Nós fomos tentando algumas estratégias, a gente tem que mudar a forma de enfrentar o problema. Não existe mágica, a cada momento a gente usa uma das estratégias.
Recentemente os vereadores de Pelotas aprovaram a Lei do Sossego, após tentativas frustradas de implantar um Código de Convivência. Como enfrentar esses problemas?
Essa discussão é um grande vazio no Brasil, vinculada a ela o álcool. Existe uma confusão em alguns setores progressistas de associar o álcool no espaço público como uma bandeira de liberdade, sem controle algum. Todos os países desenvolvidos do mundo regulam o álcool para reduzir o acesso e o consumo no espaço público. O álcool é a droga que mais impacta a violência e a perturbação de sossego, provoca acidentes de trânsito, violência contra a mulher, contra a criança, briga, violência e perturbação. Uma boa política preventiva tem que focar esses assuntos. Isso não se resolve com bomba de gás, com prisão. Você precisa combinar com os atores. Acho que esse é um assunto que Pelotas vem corajosamente debatendo, porque desde o início a gente disse à prefeita que isso é antipopular. Assim como a gente discutiu o cigarro como política pública a gente precisa aumentar preço de bebida e reduzir o consumo dela em alguns espaços públicos para proteger a juventude e para evitar a violência.
Recentemente, Rio Grande tem enfrentado uma crise de violência diante de uma guerra de facções. O que gera esse cenário e como mudar ele?
Tem questões estruturais que a Virada da Paz agora em Rio Grande, com a realidade específica da cidade, a gente tem programas potentes na prevenção, nas escolas, com as famílias. Tem coisas que os municípios sozinhos não conseguem fazer. Uma reforma prisional, por exemplo, separar indivíduos de alto risco de indivíduos de baixo risco é fundamental. Esse é o pior problema de toda a estrutura que a gente tem hoje. Se a gente não desmontar essa engrenagem, fica muito difícil realmente enfraquecer as facções. Com inteligência se consegue reduzir homicídio, é isso que Pelotas fez e é isso que Rio Grande está fazendo já com resultados.
Diante das mudanças tecnológicas e da sofisticação do crime, qual o futuro da segurança pública?
A gente não pode ter uma ilusão de que a tecnologia sozinha vai reduzir o crime. Câmera de videomonitoramento de rua: o livro traz a evidência de que é muito baixo o impacto para reduzir roubo, por exemplo. O que reduz crime é integração, é análise de indicadores. Aí a tecnologia pode nos ajudar. As forças de segurança têm que se preparar para uma nova etapa do policiamento digital, de policiar as redes sociais, nos espaços públicos digitais onde se fala tudo o que se quer e depois a gente vê o dano disso para a sociedade. São grandes desafios que a gente tem que se preparar, sem esquecer do lado humano. Nunca vai se substituir a importância de bons programas que gerem vínculos humanos entre a polícia e as comunidades, os programas na primeira infância, nas escolas, a gente tratar emoções. Isso não tem ChatGPT, não tem inteligência artificial que vá substituir.
Ouça a entrevista completa no podcast:
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