Cultura

Alegria que invade ruas e casas na Páscoa

Tradição do Osterstiepen retomada em Morro Redondo ganha força e une culturas pomerana e gaúcha em celebração

Paulo Rossi -

Carmen Büttow era apenas uma menina quando o pai saía pelas ruas de Morro Redondo nas madrugadas de sábado para domingo de Páscoa. Era década de 1970 e Eckhart tinha a missão de animar com a sua gaita o grupo que ia de casa em casa, fantasiado, acordar os moradores. O ritual significava o anúncio do fim da Quaresma e início da celebração pela ressurreição de Jesus para a fé cristã. Ou seja, estava encerrado o período de restrições, orações e penitências. Hora de extravasar com música, comida e bebida até o amanhecer.

Na época a menina não andava pela noite com o pai. Não por ser muito jovem. É que durante décadas somente homens participavam do hábito trazido pelos imigrantes pomeranos no século XIX. Porém, fascinada com o Osterstiepen - lê-se “ostertipa”, que pode ser traduzido como “cutucar da Páscoa” - ajudava a mãe, Brunilda, no preparo da sopa que aguardava a turma no retorno da festa. Agora, aos 55 anos, não só sai às ruas e mantém viva a tradição como é uma das mais animadas instrumentistas.

Após dez anos de silêncio entre o Sábado de Aleluia e a manhã de Páscoa, entre 1998 e 2008, o novo grupo de Stiepen fortalece ainda mais desde então os laços com a cultura pomerana. Desta vez, no entanto, agregando um pouco dos trajes e do cancioneiro gaúcho, já que o estímulo que faltava para a retomada partiu de Angélica dos Santos, 35, integrante do CTG Cancela Grande. “Lembro de quando vim para a cidade aos seis anos e minha família recebia os grupos em casa. Sentia saudade disso e durante uma janta com amigos disse que precisávamos reviver o costume”, conta.

Pesquisa e adaptações
A partir da disposição em recuperar o Osterstiepen iniciaram as conversas com quem lembrava dos hábitos envolvidos na celebração. Foi então que o grupo atual se juntou e foi aprimorando e adaptando o ritual. Saíram as fantasias e também os galhos, usados originalmente para cutucar os anfitriões (veja abaixo), e entraram mensagens com o intuito de explicar a tradição aos mais jovens ou que desconhecem as origens da festa.

Cantora e professora de canto, Sabrina Waltzer, 45, é uma entusiasta do ritual do Stiepen. Durante os doze anos em que morou em São Paulo e Rio de Janeiro, manteve o interesse pela cultura pomerana e, ao saber que a celebração de Páscoa havia retornado, começou a pesquisar mais sobre o tema. Tem planos de usar o material em um mestrado ou, quem sabe, até escrever um livro. “Na adolescência a gente fazia e depois, já adulta, acompanhava os grupos que iam visitar as casas. Quando descobri que tinha voltado [a festa] ligava para cá para saber como foi, quem participava”, lembra.

Aos 83 anos, Ewald Hackbart Thiel é o mais experiente do time atual. Com sua gaita de boca, entra na brincadeira que fez durante quase toda a vida e, a cada janela que faz a serenata, vive uma nova emoção. “É sempre um dos dias mais felizes. As famílias abrem a porta de casa para a gente tocar e nos recebem com mesa farta e cerveja. Ter isso de volta é uma alegria”, diz.

E a mesa geralmente é cheia e a cerveja abundante mesmo. Afinal, o grupo de Stiepen tem atualmente pelo menos 12 pessoas, sendo que a maioria participa da celebração de Páscoa, enquanto outros se juntam somente em eventos durante o ano divulgando o roteiro turístico de Morro Redondo. “A cidade ganhou com o Osterstiepen. Muita gente se interessa quando fica sabendo da existência e quer visitar a cidade para assistir a banda, conhecer a cultura pomerana”, ressalta Angélica.

A partir das 23h deste sábado, quem estiver em Morro Redondo vai poder ver de perto. E, se quiser acompanhar, será bem-vindo. “A festa só termina quando o dia amanhece. É uma celebração de alegria e interação entre as pessoas. A gente só precisa se olhar para a música começar”, resume Ervino Büttow, 64.

A origem
O Osterstiepen é uma tradição da antiga Pomerânia, região situada no norte dos territórios atuais de Polônia e Alemanha. Era a brincadeira feita pelos meninos na manhã de Páscoa em que acordavam meninas e as cutucavam com galhos de bétula - tipo de arbusto existente no local - para que lhes dessem ovos.

Para os pomeranos, originalmente o ritual significava o cutucar (ou despertar) da Primavera do hemisfério norte. Porém, após a conversão ao cristianismo, o hábito passou a representar também o anúncio da ressurreição de Jesus.

O costume do Stiepen, isto é, das serenatas e visitas às casas durante a madrugada para acordar os moradores surgiu como uma adaptação deste hábito no Brasil. Conforme os descendentes mais antigos de pomeranos, teria sido uma forma de festejar o fim do longo período de silêncio e respeito à Quaresma. Através da música, dança e alegria, passaram a entrar na casa das pessoas levando alegria e recebendo em retribuição comida, bebida e até dinheiro.

 

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