Ruínas

Clube Comercial enfrenta deterioração contínua

Sem recursos para dar seguimento ao restauro do prédio nem para pagar funcionários, direção do clube apela para venda de obras de arte

Fotos: Jô Folha - DP - Clube está interditado desde 2019

Por Michele Ferreira
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A absoluta falta de recursos em caixa não inviabiliza apenas a continuidade do restauro do Clube Comercial. Não há verba nem para o pagamento dos três funcionários, que não recebem os salários há cerca de dois anos. A dívida - estimada em aproximadamente R$ 200 mil - transformou-se em prioridade máxima, para tentar reverter ação trabalhista já ajuizada. E como estratégia para quitá-la o Conselho Deliberativo da entidade aprovou a venda de quatro das 38 peças que estão sob os cuidados do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, da Universidade Federal de Pelotas (Malg-UFPel). Uma delas, inclusive, já foi comercializada.

É o quadro O Ancião, de autoria de Leopoldo Gotuzzo, adquirida por colecionador de Pelotas pelo valor de R$ 15 mil. O dinheiro foi dividido em duas partes: R$ 3 mil ficaram preservados para adequação de relógio para leitura de energia elétrica e o restante foi repassado aos três trabalhadores, às vésperas das festas de final de ano.

As outras três obras, já mapeadas para negociação, são exatamente as que possuem maior valor de mercado. Duas guardam o talento do italiano Aldo Locatelli: Ars Sapientia e Labor Hospitalitas. A outra, Paisagem rural com figuras, foi pintada pelo artista teuto-brasileiro Pedro Weingärtner. A fase, neste momento, é de tratativas com marchands do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro para identificação de possíveis compradores das obras.

A estimativa é de que em torno de R$ 300 mil possam ser arrecadados com a venda. E o uso da verba está definido - admite o vice-presidente administrativo do Clube, Cláudio Luiz Amaral. Mais de 60% serão canalizados para o pagamento do porteiro, da secretária e da faxineira.

Com telhado novo, mas apenas o primeiro passo
O clube está seco. É a melhor notícia desde 2021, quando o telhado passou a contar com nova estrutura, depois de aproximadamente uma década em que as infiltrações eram cena comum. Em alguns ambientes como o Salão Verde, por exemplo, o forro chegou a desabar. "No bar chovia como na rua", conta Amaral, que em breve assumirá o comando do Comercial.


Depois de quase uma década de infiltrações, telhado foi trocado em 2021



Não há, entretanto, nenhuma previsão de a restauração ser retomada. O único bem - além de mobiliário e de obras de arte - que a entidade possuía já não existe. O imóvel onde funcionava o cartório Zulmira foi comercializado por R$ 1 milhão: R$ 800 mil foram engolidos pelo restauro do telhado, que recebeu forte estrutura metálica, e os outros R$ 200 mil foram consumidos por medidas como a recuperação de salão localizado pela rua Padre Anchieta - que está disponível para locação -, obras de sustentação emergencial e pagamento de despesas com impostos e contador.

"Optamos por fazer a obra em área onde ficava o restaurante, na Anchieta, porque precisávamos investir em local que pudesse representar entrada de renda para o clube, mas aí veio a pandemia e nada andou", lamenta Amaral. Para piorar, a fiação, toda trocada, foi furtada possivelmente por pessoas que costumavam entrar no prédio. Agora, a direção do Comercial redefiniu a estratégia: no caso de surgir interessado para alugar o espaço, esse locatário assumirá as melhorias em pintura interna e rede elétrica e terá os custos abatidos.

Novos projetos estão na mira
A restauração completa da construção segue nos planos. Para isso, um novo projeto com revisão de valores precisaria chegar à lei federal de incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, em Brasília. E, mais uma vez, a diretoria do clube esbarra em ausência de dinheiro para pagar pela atualização da proposta.

O projeto anterior, orçado em R$ 13 milhões, foi aprovado, mas não houve a captação de recursos. Apenas a empresa Expresso Embaixador manifestou interesse em patrocinar, mas o valor disponibilizado não era o suficiente para as obras terem início, sem correrem o risco de ser interrompidas pela metade. Diante do impedimento de liberação do recurso por parte da União, então, o clube optou em vender o imóvel onde funcionava o cartório e garantir o restauro, ao menos, do telhado para que a destruição fosse estancada.

A recolocação das telhas de barro sobre a estrutura nova de alumínio e a instalação de forro com acabamento em gesso ainda precisam ser realizadas. Sem falar em todo o restante. Na última segunda-feira, o Diário Popular circulou por todo o casarão e seguiu, literalmente, os passos do vice-presidente por questão de segurança, já que parte do madeiramento está comprometido.

O encaminhamento de projeto para a Lei Estadual de Incentivo à Cultura (LIC-RS), em Porto Alegre, também está na mira. Um pré-requisito para a documentação ser apreciada permanece, há anos, como barreira: junto à proposta é preciso apresentar uma carta de intenções de possível patrocinador. "Nunca conseguimos uma empresa que se disponibilizasse", lamenta e reforça o apelo.

Venda de obras de arte é questionada e vai parar no Concult
O Conselho Municipal de Cultura (Concult) acolheu solicitação encaminhada pelo ex-secretário especial de Cultura, Henrique Pires, e colocará à venda de obras da pinacoteca do Clube Comercial em pauta. Não há data definida para o primeiro encontro presencial de 2023, mas a tendência é de que ocorra em fevereiro. A presidente do Concult, Annie Fernandes, conversou com o Diário Popular, no final da manhã de ontem, e afirmou que irá ouvir todos os envolvidos.

"Somos um órgão consultivo, que não delibera. Mas com base na apresentação oficial de documentação de todas as partes vamos analisar a demanda", destacou Annie. Ao acionar o Concult, no final de 2022, Henrique Pires pediu a análise formal sobre a importância do conjunto de obras para um eventual tombamento ou adoção de alguma outra modalidade de proteção. O objetivo é bem claro: evitar - ou retardar - a venda do acervo.

"Ainda que o clube seja uma entidade privada, esta coleção inegavelmente é um patrimônio histórico da cidade de Pelotas, que remete à primeira metade do século 20 e a artistas que lecionaram ou expuseram suas obras aqui", argumentou. Henrique Pires também sustentou que a decisão precisaria ter passado por avaliação de sócios proprietários em assembleia geral e mencionou o pedido feito ao Concult como ato de prudência. "É uma forma de evitarmos risco para quem compra, quem vende e quem abriga esta coleção. Acreditamos que enquanto não houver posição do Concult, o conjunto de obras está liminarmente preservado".

O vice-presidente administrativo e também diretor jurídico do Comercial, Cláudio Luiz Amaral, fez referência à reunião com a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), que estaria agendada para hoje, mas assegurou que a entidade não irá recuar da ideia. "O clube é 100% privado e as decisões se vende, se compra, se dá, se doa são, exclusivamente, do Clube Comercial de Pelotas. Não tem quem meta pitaco aqui", reiterou. O advogado ainda lembrou que o tombamento municipal se restringe ao prédio. "Se o Município tiver interesse em adquirir essas obras pode desapropriar, mas tem que nos pagar".

Amaral endureceu o tom ao se referir à postura de Henrique Pires ao ocupava cargo no governo federal, na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). "Pessoas que hoje criticam possível venda de obras da pinacoteca, quando estavam no poder em Brasília, no Ministério das Cultura, ficaram de braços cruzados e nunca nos ajudaram com nada".

Confira como funciona o comodato com o Malg
Em 11 de dezembro de 2018, o Clube Comercial e o Malg assinaram termo de comodato para que as 38 obras de arte ficassem sob os cuidados da UFPel, já que a construção se encontrava em condições precárias para manter salvaguardados quadros com tamanha importância. Os quadros, que em maio do ano passado integraram exposição de reabertura do Museu - pós pandemia -, atualmente, estão acomodados na reserva técnica.

O diretor do Malg, professor Lauer Alves Nunes dos Santos, esclarece que o termo permite que, a qualquer tempo, o clube solicite a retirada das peças. E foi o que ocorreu em 23 de dezembro, quando a entidade formalizou o pedido, através de ofício. Para entregar O Ancião um novo laudo técnico foi realizado - assim como quando as telas deram entrada no Museu -, com descrição das condições atuais do trabalho. "Em 2028, o clube nos procurou com a preocupação louvável de proteger seu acervo e a nossa equipe vem cumprindo com esta missão", destacou.

Deterioração do prédio aumenta a cada ano


Saiba mais

A história do clube: A segunda sede do Comercial, também conhecido como Palacete Braga, foi construída em 1881, na esquina das ruas General Neto e Félix da Cunha. A parte superior serviu de residência à família de Felisberto José Gonçalves Braga e a inferior abrigava a escravaria e as cocheiras. Em 1908, o prédio sofreu um incêndio que o destruiu parcialmente e, logo, ocorreu restauração e ampliação por Sebastião Obino, que construíra uma nova ala com frente para a Félix. Em 1920, a fachada principal recebeu a marquise de ferro e vidro. A maior intervenção ocorreu entre 1954 e 1955, quando o casarão foi reformado por Adail Bento Costa: o pavimento térreo foi completamente ocupado e o salão de baile alterado. Fonte: Biblioteca IBGE.

Total de associados: Atualmente são 60 pessoas, entre pagantes e não pagantes

Há quanto tempo fechado: Há cerca de sete anos, o Clube interrompeu a locação dos últimos espaços, mas até dezembro de 2019 quando a direção decidiu interditá-lo, vários associados ainda o frequentavam, embora inúmeras vezes mantinham bate-papo enquanto a chuva escorria pelas paredes. Dali em diante, a grande prioridade era realizar o restauro do telhado, concluído em 2021.

Bens também na BPP: Esculturas criadas por Antônio Caringi e móveis franceses como uma namoradeira, também foram removidos do clube. Os bens estão sob os cuidados da Bibliotheca Pública Pelotense (BPP), através de termo de comodato.​


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