Entrevista

Conheça o pelotense que comanda a Polícia Federal do Brasil

Em conversa exclusiva com o DP, Andrei Rodrigues fala sobre as ações da instituição, a politização dentro da PF e projetos de integração da segurança pública no País

Foto: Matheus Pé - DP - Diretor-geral garante que possui carta branca do ministro Flávio Dino e do presidente Lula para escolher e gerir as equipes do órgão

Nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como diretor-geral da Polícia Federal, o pelotense Andrei Augusto Passos Rodrigues, 52, chega ao topo da carreira dentro da corporação após ter passado por funções como a chefia da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários em Porto Alegre e no Aeroporto Internacional em Brasília, a coordenação-geral de Polícia Fazendária e chefia da Unidade de Gestão Estratégica da Diretoria de Tecnologia da Inovação da PF. Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), foi também secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos, atuando na Copa do Mundo e nas Olimpíadas.

Em entrevista exclusiva ao Diário Popular - o primeiro jornal do País com o qual conversou desde que assumiu o cargo -, Rodrigues falou sobre sua missão como diretor-geral. Sem desviar de questões delicadas, descreveu o cenário atual da PF, o enfrentamento às interferências políticas na corporação, os projetos de integração da segurança pública no Brasil, a avaliação da PF na Zona Sul do Estado e seus vínculos com Pelotas, mais especificamente com o time do coração, o Grêmio Esportivo Brasil.


Durante cerca de meia hora, na Superintendência da Polícia Federal em Porto Alegre, o diretor-geral também lembrou sua trajetória escolar. Ex-aluno do primeiro e segundo graus (na época) pelo Instituto de Educação Assis Brasil (IEAB), Rodrigues chegou a estudar na Faculdade Agronomia da UFPel, mas interrompeu para se graduar em Direito pela mesma universidade. Sua carreira profissional iniciou na Justiça Eleitoral de Pelotas, onde foi chefe de cartório por quase dez anos. Já em Porto Alegre, ingressou na PF em 2002 e, ao longo de mais de 20 anos de atuação, passou por vários cursos de especialização, incluindo o mestrado em Alta Gestão em Segurança Internacional pelo Centro Universitário da Guarda Civil da Espanha (CUGC) e pela Universidade Carlos III de Madri (UC3M). A seguir, os principais tópicos da entrevista:



No anúncio do ministro da Justiça, Flávio Dino, e na sua confirmação como diretor-geral da PF, em dezembro, o presidente Lula disse não querer policiais “dando shows nas investigações antes de investigar” e criticou a interferência política dentro da Polícia Federal. Como o senhor avalia o trabalho da PF ao longo dos últimos anos, principalmente no que diz respeito a operações contra políticos e empresários implicados em processos de corrupção como a Lava Jato?

Com absoluta tranquilidade. A Polícia Federal é uma instituição de Estado. Não tem partido, não tem ideologia, não persegue, não protege e atua de maneira republicana, cumprindo a Constituição, cumprindo a Lei. Isso faz parte dos nossos valores e da nossa cultura, e o ministro Flávio Dino e o presidente Lula me deram absoluta autonomia e independência para escolher minha equipe. E eu que escolhi todos os diretores. Escolhi todos os 27 superintendentes e isso nos trouxe um respaldo institucional muito grande. Então o resultado, e isso não é só retórica aqui que estou falando, está aí. Acabamos de fazer uma operação [possível ataque ao senador Sérgio Moro] que está sendo, por alguns, criticada. Mas que aponta, sinaliza e demonstra cabalmente o que estou dizendo: somos policiais de Estado e não vamos olhar, nem proteger, nem perseguir quem quer que seja.

Sobre a operação que o diretor citou, houve muita repercussão em função de uma fala do presidente Lula [disse que seria uma “armação” de Sérgio Moro]. Isso não distorce o pedido de não politização dentro da PF?

De maneira alguma. Nossa ação só demonstra o que estou dizendo: que a Polícia Federal e, respondo pela minha gestão, atua com autonomia, com responsabilidade e cumprindo sua função constitucional.

O ministro Flávio Dino disse que, entre os critérios para sua escolha para chefiar a PF, esteve principalmente a necessidade de restaurar a plena autoridade e legalidade policial. Como foi essa conversa e o que o senhor entende desse recado? Há necessidade de rever procedimentos dentro da para evitar abusos ou desvios dos agentes?

Recebi com muita alegria, eu diria. Não porque é isso que a instituição quer. A instituição quer trabalhar com seriedade, com responsabilidade, focada na qualidade da prova, com autonomia investigativa. E isso soa como música aos nossos ouvidos. A gente ouvir de um dirigente político aquilo que nós, técnicos, queremos e precisamos, ou seja, ter autonomia de trabalharmos na legalidade e com responsabilidade. Nossas ações não podem se desvirtuar do nosso eixo central que é o cumprimento da Constituição, da Lei e das nossas funções institucionais.


Ainda sobre politização da PF, como garantir unidade de forma que isso não atrapalhe o serviço policial que deve prestar?

A questão política partidária não me interessa. Não me importa. Eu não perguntei para nenhum servidor se ele votou no candidato A ou no B. O que não admito é trazer a política para dentro da instituição. Como eu disse, e vou insistir e ser repetitivo, é uma instituição de Estado. Ela não tem ideologia, não tem matiz político. Então, o fato do cenário nacional estar de alguma maneira dividido ou não traz pouco reflexo no cumprimento das nossas obrigações. Porque quem quiser fazer política está no lugar errado. Na minha administração não admito política partidária dentro da instituição.

Em 2020 o senhor escreveu artigo em que criticou a descoordenação da área da segurança pública no Brasil. Como enfrentar esse problema e de que forma a PF pode atuar para a existência de políticas mais coordenadas de segurança?

Eu não lembrava desse artigo, veio na esteira de quando fui secretário de grandes eventos, responsável pela segurança da Copa do Mundo e da Olimpíada, onde houve o maior processo de informação da história desse País. Envolvidos na Olimpíada, foram quase cem mil profissionais de segurança no Brasil inteiro e o resultado foi visto. Foi bom para o País, foi bom para as instituições e isso é o modelo que se deve reproduzir. Agora eu tenho a responsabilidade à frente da Polícia Federal e nós estamos, sim, com essa proposta, que é a diretriz do ministro Flávio Dino, de integração com os estados. Então, dentro desse cenário, e aí claro respeitando as atribuições da Polícia Federal, já propusemos a criação de forças integradas com as demais agências de segurança das 27 unidades da federação para que a Polícia Federal, aproveitando a sua capilaridade, a sua área de cooperação internacional, a sua expertise na área de polícia judiciária, possa contribuir para a segurança pública de maneira geral, não só nas suas atribuições legais.

Essa integração já pode ser empregada em situações como a do Rio Grande do Norte, as milícias do Rio de Janeiro e São Paulo e, olhando um pouco mais para a nossa Zona Sul, em Rio Grande, que teve 99 mortes violentas no ano passado e onde sabemos que há guerra de facções? O que é possível fazer para diminuir a violência urbana?

Acho que o exemplo do Rio Grande do Norte aponta um caminho. Houve de fato uma participação muito forte do Ministério da Justiça, por determinação do Flávio Dino, quando foram enviados mais de 700 policiais para aquela região de forças federais. Na nossa situação, como Polícia Federal, no âmbito das forças integradas, nós temos duas forças integradas, uma em Mossoró e a outra em Natal, atuando na nossa expertise, que é a polícia judiciária, identificando as principais lideranças, fazendo todos os monitoramentos que são necessários e apresentando à Justiça aqueles que que assim devem ser. Então esse é o modelo de integração que vai trazer reflexos para a segurança contínua e para a questão de facções de milícias, de crime organizado, de tráfico de drogas onde a gente vai atuar com esse conceito de integração e que me remete ao artigo que eu escrevi há alguns anos atrás.

O RS tem uma extensa fronteira e podemos perceber a atuação da Polícia Federal em grandes apreensões. Como o senhor avalia o trabalho da PF no Estado?

A polícia do Sul tem uma peculiaridade importante que são as fronteiras secas. Com todas as dificuldades que isso traz, em que pese menores do que na região Norte - minha primeira lotação foi no Amazonas, onde a realidade é muito mais dura, mais difícil do que aqui no RS -, mas a gente tem que adaptar e buscar para cada posto nosso, cada delegacia, cada região, cada local procurar focar e vocalizar o nosso efetivo e nossas tarefas para atender essas principais demandas da região e nessa área, obviamente, o contrabando, o tráfico de drogas. Citastes o Porto de Rio Grande. É um local de grande preocupação nossa e de ações que faremos [no dia seguinte à entrevista foi realizada a Operação Hinterland, com 534 medidas judiciais sendo cumpridas, sendo o Município alvo de partida de toneladas de drogas vindas do Paraguai com destino à Europa]. Vamos enfrentar as mazelas regionais. No Norte, a questão ambiental é muito potente. A questão indígena, onde estamos atuando fortemente na área yanomami e agora vamos estender para outras áreas. No Rio Grande do Norte, a questão agora são as facções. Enfim, cada região tem a sua peculiaridade. Eu tenho, em que pese ser gaúcho, ser pelotense, um olhar nacional da instituição que eu tenho a responsabilidade de dirigir.

Mesmo com tantas atribuições, o diretor consegue manter vínculos com Pelotas?

Minha mãe mora lá. Meus irmãos moram lá e o meu clube é de lá. Sou torcedor xavante e isso é importante ser dito. Meu filho é natural de Pelotas e hoje mora em Porto Alegre. O Laranjal é o lugar que tenho memórias afetivas importantes da minha família. Lá eu lembro dos meus avós e da minha infância. Tomo chimarrão todos os dias e meu doce preferido é o ninho.


Os bastidores da conversa

Jornal Diário Popular foi o primeiro veículo impresso a conversar com o diretorMatheus Pé

Marcada para a última quarta-feira (29), às 16h, na Superintendência da PF em Porto Alegre, a conversa do DP com Andrei Rodrigues tinha como pano de fundo um dia cheio para a corporação. Era véspera do retorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Brasil após três meses nos Estados Unidos, o que gerava expectativa para possíveis tumultos e exigia atenção de órgãos de segurança.

Após chegar ao prédio da PF e cumprir as formalidades para acesso, a equipe do Jornal é recebida pelo coordenador geral de Comunicação, Enrico Streliaev Canali, que fala sobre o motivo da presença de Rodrigues em Porto Alegre: reunião com o efetivo, o que seria procedimento comum com as 27 superintendências. No entanto, a movimentação daquela tarde no local indicava que havia algo mais, além da chegada do ex-presidente, exigindo atenção dos agentes.

No horário combinado, a reportagem aguarda na sala de espera da gerência. Depois de acionar o sistema de segurança eletrônico da porta, Canali solicita à reportagem aguardar um minuto, tempo que se estende por mais 15, período suficiente para perceber algo sendo minuciosamente organizado. A explicação vem na manhã seguinte: a Operação Hinterland, com mais de 530 ordens judiciais e o desmantelamento de uma rede de tráfico internacional com saída pelo Porto de Rio Grande.

Já na sala da Superintendência, recebe o DP e ainda faz um último contato telefônico. O semblante do homem de estatura média é sério e de um pouco de tensão. Iniciada a entrevista, esse clima se desfaz, ficando mais leve, mas não menos sério. Em raros momentos de descontração, a reportagem consegue arrancar um sorriso do entrevistado quando o informa que, após o sorteio da Copa do Brasil, o Xavante vai encarar o Atlético-MG. “Então vai ser filé”, brinca. O clima de tranquilidade se mantém, sem nenhuma restrição às perguntas feitas. Tem fala tranquila, olhar atento e mantém o foco, mesmo quando o telefone o lembra de outros compromissos.

Ao término da entrevista, durante curta conversa informal, o diretor-geral explica a resistência em dar entrevistas e mostra a lista de diferentes veículos de comunicação do Brasil solicitando um encontro. A escolha pelo Diário Popular foi uma demonstração de que o comandante da PF no Brasil guarda muitas lembranças de Pelotas e que a posição atual não lhe distanciou de sua essência, lembrando o tempo que frequentou Centro de Tradições Gaúchas (CTG), a infância no Laranjal a paixão pelo Grêmio Esportivo Brasil. Na despedida, a promessa de que, em uma visita a Pelotas, a foto será em frente ao Instituto Assis Brasil.

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