História
Depois de 34 anos no mar, garrafa com carta é encontrada no Hermenegildo
Grupo de amigos de Santa Vitória do Palmar voltava de um acampamento quando, ao acaso, encontrou a garrafa na beira do mar; carta foi escrita por marinheiros russos em 1985 e jogada no mar na Groenlândia
O ano era de 1985. Marinheiros da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) bebiam vodca no Navio Atlant na região da Groenlândia, ao norte do Oceano Atlântico. A data ainda é incerta. Certo é que, na comemoração do aniversário do capitão Iudin V.A., os colegas de navio beberam e, dentro da garrafa vazia, depositaram uma carta encontrada neste final de semana na praia do Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar, a mais de 11 mil quilômetros de distância de onde teria sido jogada ao mar.
Um grupo de cerca de 15 pessoas saiu ainda na sexta-feira (20) para um acampamento às margens da Lagoa Mangueira. Dividido em jipes e quadriciclos, o grupo retornava no domingo quando, aqueles à frente do comboio, resolveram fazer uma parada para aguardar o grupo completo. A parada foi a cerca de 30 quilômetros ao norte da praia do Hermenegildo.
Enquanto aguardavam na beira do mar, as crianças saíram para brincar e uma delas voltou chutando uma garrafa. Dentro dela, logo viu o advogado Wagner Aguiar, parecia ter um bilhete. Começava a saga para tentar abrir e ler o que estava escrito no papel, já sofrendo efeitos do tempo e da umidade marítima. Sem conseguir abrir a tampa, lacrada pelos anos de mar, e na ânsia de ler a carta, o grupo resolveu quebrar o bico da garrafa para retirar o papel de dentro.
Ainda molhado, na primeira passada de olhos não conseguiram entender uma só palavra, conta Wagner. De lá até o Hermenegildo, a carta ficou sobre um banco, de onde pegava um pouco de sol e vento, para secar todo o papel e tentar decifrar a mensagem, em uma língua desconhecida. "Foi muito ao acaso. Tinha tanta coisa que o mar colocou pra fora na beira da praia. Quando vi o guri chutando aquela garrafa, parecia que tinha alguma coisa dentro", comenta Wagner.
A saga para entender a mensagem
Entre os integrantes do grupo estava a estudante de Farmácia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Paula Souza. Ela foi a responsável por publicar uma imagem da carta e contou um pouco da história em um grupo nas redes sociais da universidade. Até a noite desta segunda-feira, a postagem já tinha mais de duas mil reações e 420 comentários de interessados na mensagem, dicas e orientações. Formou-se uma torcida para saber o que dizia a carta.
Os primeiros orientaram a estudante a entregar a carta para um grupo de pesquisadores do curso de Conservação e Restauro, o que deve acontecer nos próximos dias. Outra aluna da UFPel, que faz intercâmbio e mora com uma russa, conseguiu fazer uma primeira tradução do material. Descobriu-se que se tratava de uma carta de marinheiros russos.
Inclusive a embarcação, o navio Atlant, aparece em um portal que cita uma lista de embarcações soviéticas no Atlântico no último século. Nesta lista, consta Iudi V.A., homenageado na carta, como capitão do Atlant.
O inusitado clichê
Presente em histórias do mar, em romances, músicas, a carta dentro da garrafa virou um praticamente um clichê romântico. Paula conta que, do carro, via aquele monte de sujeira na beira da praia e pensou justamente se teria uma garrafa com uma carta. Uma ressaca nos últimos dias arrastou bastante sujeira para a beira da praia na região.
"A gente só vê essas histórias em reportagens. Agora queremos procurar ele ou algum familiar para entregar a carta", adiantou Paula. A carta deve ser entregue ainda nesta semana ao curso de Conservação e Restauro da UFPel.
A tradução da carta
Ainda com dificuldade de entender toda a carta, pelo estado do papel, da escrita e das próprias fotos, até o momento só registradas com telefone celular, a professora de russo Ekaterina Romanova Ferreira conseguiu traduzir alguns trechos na tarde desta segunda-feira:
"Destinado aos que não tiverem preguiça de tirar da água esta garrafa.
Ela foi bebida contra todas as ordens e orientações de MDH e do Governo pelos verdadeiros marinheiros que lembram das tradições marinheiras e as observam no dia de homenagem do honrado marinheiro, capitão de longas viagens Iudin V.A. no dia do seu aniversário 21 de ('março ou junho ou julho, não tenho certeza') de ('19... ou 99, não dá para decifrar')."
Por Ekaterina Romanova Ferreira, professora de russo em Pelotas.
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