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Dúvida sobre restos mortais de aposentada permanece
Morador de Pelotas cobra exame de DNA para certificar-se de que o material que a prefeitura diz ter identificado seria, realmente, da exumação da mãe, de 80 anos
Jô Folha -
Mais de três anos e meio depois de ser surpreendido de que o corpo da mãe Alfíbia Pinheiro havia sido exumado sem qualquer comunicação, o investigador criminal Antônio Pinheiro, 46, ainda cobra o exame de DNA que comprove que os restos mortais são realmente dela. O filho da aposentada, de 80 anos, também se prepara para ingressar com nova ação judicial para buscar a responsabilização criminal da prefeitura de Pelotas por violação da sepultura, já que em nenhum momento teria sido alertado de prazos para a exumação.
"Não vou aceitar. Vou longe com essa situação", afirmou. Até hoje, Pinheiro não retornou ao Cemitério da Boa Vista, especificamente, para buscar os restos mortais que a equipe garante serem de Alfíbia. "Não tenho provas de que são dela". E é fácil entender o porquê da desconfiança. Era março de 2018, quando ele a irmã - moradora de Bagé - foram levar flores à mãe. Ao irem atrás de informações para compra de um túmulo, receberam a notícia: o corpo já não estava no local há mais de um ano.
E o choque ainda cresceria: ao questionarem sobre onde se encontrava o material, a administração do cemitério teria admitido desconhecer o paradeiro. Só semanas depois veio a informação de que a ossada havia sido identificada. Para o investigador criminal não foi o suficiente. "Como eu vou ter certeza que é a minha mãe?", questiona em tom de desabafo.
Em nota, em julho de 2019, a prefeitura admitiu que - com o tempo - nas situações em que há demora para a retirada dos ossos, as embalagens se degradam ou rasgam e os restos acabam misturados apesar do esforço para manter a ordem - dizia o texto.
O que diz a prefeitura
A Procuradoria-Geral do Município destaca que o processo judicial já está arquivado. A prefeitura foi condenada a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais, bem como a disponibilizar os restos mortais devidamente identificados. "Não há na sentença determinação para que se realizasse exame de DNA, restando esclarecido que os restos mortais estavam no ossário municipal. Logo, a condenação foi cumprida", argumenta o procurador-geral, Eduardo Trindade.
Regras foram ajustadas
A repercussão do caso da aposentada Alfíbia provocou uma série de ajustes para deixar as regras mais explícitas à população que se utiliza do sepultamento social. Hoje, as famílias saem da Central de Óbitos com Guia assinado, em que confirmam ter ciência de que o túmulo estará disponível pelo período de três anos. "As pessoas ficam conscientes que têm que desocupar. É um empréstimo por três anos", ressalta o administrador do Cemitério da Boa Vista, Tailor Nunes Borges.
O comunicado de que as exumações serão realizadas também foi alterado. Atualmente, o aviso é feito por carta registrada e por telefone. No caso de Antônio Pinheiro nenhum dos dois alertas teria ocorrido: nem do prazo para o corpo permanecer no local nem da exumação.
O administrador ressalta que o processo de remoção é realizado mesmo que nenhum dos familiares esteja presente. Levados ao "ossário", os restos mortais ficam guardados por período não específico. "Ficam por bastante anos", afirma Borges.
Na última sexta-feira (29), quando o Diário Popular voltou ao cemitério e foi recebido pelo administrador e pela diretora administrativa da Secretaria de Serviços Urbanos, Taís Moreno, o ambiente estava organizado. Inúmeros sacos pretos empilhados em prateleiras, identificados com nome, datas e o código da sepultura de onde o corpo foi retirado. Em alguns casos, mais ao fundo, as etiquetas já apresentavam sinais de desgaste.
Com o passar do tempo, quando os familiares não comparecem para retirada, os materiais são depositados no Memorial - que são dois compartimentos em uma estrutura de concreto. "É para onde levamos os mais antigos. Alguns estão aqui há dez anos ou mais", explica Tailor Borges. É o passo a passo para garantir a realização de novos sepultamentos sociais, já que o Cemitério da Boa Vista - gerenciado pela prefeitura - possui apenas 600 gavetas disponíveis para as pessoas de baixa renda. Por isso, a rotatividade é inevitável, ainda que pareça tétrico.
E é por isso, também, que a comunicação com a comunidade precisa funcionar bem. Para evitar dores desnecessárias. "Fiquei visitando ela por mais de um ano sem que ela estivesse ali. É um absurdo", desabafa o filho. "Eu só quero que ela descanse", reforça Antônio Pinheiro.
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