Fim de uma era
Em busca de reerguer a memória do Aeroclube
Após demolição do hangar, pilotos da escola de aviação buscam a reconstrução do local ou a criação de um museu
Carlos Queiroz -
A demolição, há cerca de dois anos, do hangar do Aeroclube de Pelotas tem causado indignação por parte daqueles que defendem que o local faz parte da história da aviação brasileira. Fundado em 1939 e situado ao lado do Aeroporto Internacional João Simões Lopes Neto, o Aeroclube foi palco de eventos importantes, como o primeiro voo agrícola realizado no país. Diante da destruição, ex-alunos sugerem que o hangar, onde eram estacionados os aviões seja reconstruído ou haja a instalação de um Museu Pelotense de Aviação.
Interditado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) desde 2017 e fechado há cerca de dez anos, após crise financeira intensificada pela suspensão do Certificado de Atividade Aérea e, por consequência, o impedimento de ministrar cursos, o Aeroclube ainda pode ter decisão revista em caso de adequar-se às normas da Agência. A escola de aviação, quarto aeroclube fundado no Estado, passou ao longo dos anos por crises financeiras, políticas e econômicas, chegando a fechar em alguns momentos. Entretanto, em 2019, o hangar foi demolido por ação da Infraero, responsável por toda extensão do aeroporto.
Em uma carta enviada ao Diário Popular que reúne o posicionamento de pilotos formados pelo local, eles afirmam que durante anos foram realizadas tentativas por parte do órgão federal para que o hangar fosse desocupado por atuar irregularmente, devido à suposta falta de documento que justificasse a ocupação. Entretanto, o grupo sustenta que o aeroclube esteve na mesma área desde a década de 1930, por concessão do Ministério da Aeronáutica, atual Comando da Aeronáutica.
Segundo a carta, outro argumento é de que um levantamento de órgãos como Ministério da Defesa detectou que o hangar ocupado violava a área de transição do aeródromo e que uma manutenção desta forçaria a redução do comprimento da pista, inviabilizando a operação de aviões maiores. Os integrantes afirmam que nunca houve comunicado por parte do Departamento de Controle do Espaço Aéreo sobre interferência na área de transição.
Em nota, a Infraero afirma que o hangar foi demolido, por meio de decisão judicial, “após tentativas de formalizar contrato com o Aeroclube a fim de regularizar a ocupação da área no aeroporto”. O órgão também reafirma que havia interferência na faixa de pista do aeroporto e que, caso fosse mantido o Aeroclube, teria que haver redução de aproximadamente 600 metros na pista do aeroporto, o que poderia interferir na aprovação de voos regulares com aeronaves de maior porte.
Local de ensinamentos e contribuição para o setor
Ao longo dos anos, o aeroclube foi responsável pela formação de dezenas de pilotos, que fizeram parte do cenário nacional e internacional. Dentre eles, o coronel Rubens Centeno e os comandantes Rafael Enderle e Clóvis Candiota, além de Marilda Zaiden de Mesquita, primeira mulher a fazer um translado de avião dos Estados Unidos ao Brasil.
O local, também fez parte da história de Eduardo Cordeiro de Araújo, 76, considerado uma das personalidades na aviação agrícola e ganhador número um da Medalha Mérito do setor, por, dentre outros feitos, ser um dos responsáveis pela introdução no país da tecnologia do DGPS, que tornou as aeronaves mais seguras e eficientes para o trato de lavouras.
Apaixonado pelo ramo desde jovem, tirou seu brevê – documento que concede permissão para pilotar aviões – para jatos comerciais em 1965 e, posteriormente, participou do curso para pilotos agrícolas. A gratidão pelo local o fez integrar o grupo que luta para que a memória seja recolocada de pé. “Nós entendemos que o Aeroclube, por sua história e por tudo o que contribuiu, deveria ser mantido intacto. Além de formar pilotos, foi palco do evento que instituiu o dia 19 de agosto como o Dia Nacional da Aviação Agrícola e também sediou, em 1970, o curso oficial do Ministério da Agricultura para a formação de pilotos agrícola”, explica. Segundo ele, após sua realização em Pelotas, nenhum outro aeroclube sediou o evento.
Ele comenta que a indignação é quanto à ausência de consulta popular sobre a destruição. “Não é por sentimentalismo apenas, mas que o Aeroclube, por tudo que fez, deveria adquirir o título de patrimônio histórico.” Com isso, o apelo do grupo é que seja reconstruído o hangar, com aparência próxima à original e que durante a execução seja cedido o semelhante, hoje desocupado. Já na hipótese de inviabilidade de reativação, seja instalado o Museu Pelotense de Aviação.
Questionada sobre a possibilidade de construção de novos hangares para abrigar aeronaves do Aeroclube e da aviação em geral, ou até mesmo de um museu, a Infraero afirmou que os assuntos deverão ser tratados pela nova concessionária do aeroporto, que passou a operar no último dia 9 de março.
Registro histórico
A edição do dia 20 de agosto de 1947 do Diário Popular trazia o registro da primeira operação aeroagrícola brasileira, ocorrido em Pelotas. O gatilho foi o ataque de gafanhotos, que atingiu cidades da fronteira sul e região da Campanha. O pedido de socorro dos agricultores chegou ao engenheiro agrônomo Leôncio Fontelles, então chefe do Posto do Ministério da Agricultura na cidade. Ele, por sua vez, recorreu ao piloto Clóvis Gularte Candiota, do aeroclube, em busca de uma estratégia de combate pelo ar. Com o alerta dos insetos se aproximando da região do atual bairro Areal, a dupla decolou com uma espécie de polvilhadeira manual, adaptada conforme ilustrações estrangeiras, para a primeira operação na tarde do dia 19 de agosto de 1947. No dia seguinte, com a eliminação da praga, o Brasil entrou para o seleto clube da tecnologia aeroagrícola.
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