Dificuldades

Em meio às incertezas, a sobrevivência

Sem Auxílio Emergencial e Bolsa Família, mais de 50 mil ficam sem apoio de programas sociais em Pelotas

Jô Folha -

Há cerca de um mês, uma cena vem se repetindo todas as manhãs, de segunda a quinta-feira, na rua Três de Maio, entre Deodoro e Osório, chamando a atenção de quem passa pelo local. A grande fila que inicia na porta da unidade municipal do Cadastro Único (CadÚnico) é reflexo das mais de 50 mil famílias pelotenses que ficaram sem renda fixa com o fim do Auxílio Emergencial e do Bolsa Família.

Dados do Painel de Monitoramento Social do governo federal, referentes a novembro, indicam que, das 10.334 famílias que eram beneficiadas pelo Bolsa Família na cidade, 10.152 migraram automaticamente para o novo programa por estarem com o cadastro regularizado. No entanto, segundo o diretor-executivo do CadÚnico em Pelotas, Maicon Machado, outras 50.766 pessoas ficaram sem benefício.

O que difere as pessoas que formam as filas é apenas o horário de chegada. Enquanto uns guardam lugar logo no início da madrugada, a partir das 2h, outros esperaram o dia amanhecer e os ônibus voltarem a circular. Entretanto, a angústia quanto ao desemprego e às incertezas é o que une homens e mulheres que, desempregados, buscam auxílio do governo para ajudar nas despesas.

Primeiro a chegar ao local na última segunda-feira, Andrei Medeiros diz que passar toda a noite na fila para atualizar o cadastro é um teste de sobrevivência. “Estou desempregado há seis meses, a pandemia quebrou nossas pernas, mas a gente vai se virando como pode, fazendo uns bicos aqui, ali. Não tá fácil para ninguém”, desabafa.

Logo atrás dele na fila, Maria José Gadea iniciou sua espera por atendimento às 2h40. Foi sua segunda tentativa, já que na semana anterior não conseguiu garantir uma das fichas. “Estive aqui quinta-feira e não tinha mais ficha, mais ou menos às 6h da manhã. Então hoje cheguei mais cedo para conseguir.” Com medo de ficar na rua durante a madrugada, conta que contou com a companhia do vizinho que a levou até o local.

“Não tem como vir de madrugada de ônibus. Motorista de aplicativo não entra em bairro, aí o vizinho trouxe a gente aqui”, acrescenta a faxineira, que relata grande dificuldade de conseguir trabalho desde o começo da pandemia. “Trabalhei só uns dois meses, depois cessou. Só um senhor que ficou me ajudando. Depois veio o auxílio e isso me ajudou também, ajudava a pagar as contas, me manter.”

Fichas insuficientes

Na esperança de conseguir ser atendida o quanto antes para tentar reduzir o tempo sem renda, Amanda Machado teve que voltar para casa sem conseguir o objetivo na segunda-feira. Não foi a única. Vinícius Rocha também ficou fora da distribuição de fichas. Pela segunda vez.

“Não imaginava que tivessem tantas pessoas na fila. Um dia eu cheguei às 8h e ficou faltando poucas pessoas. Eu recebia o auxílio emergencial e agora quero tentar o Auxílio Brasil e o desconto na conta de luz porque está vindo muito alta. Qualquer auxílio ou desconto já ajuda”, explica Rocha.

O diretor-executivo do CadÚnico explica que novos contemplados, que poderão entrar a partir do próximo dia 10, serão aqueles que estavam na fila para receber o então Bolsa Família. “Há a expectativa também de pagamento do retroativo, referente ao mês de novembro já nesse mês, mas para isso necessita da tramitação da PEC [dos Precatórios]”, argumenta Machado.

Impacto na família e na economia

Para o economista Eliezer Timm, a inexistência do auxílio ou a não complementação para essas famílias acaba as prejudicando diretamente por ser mais um recurso financeiro disponível que deveria atender atender suas necessidades. “Ainda mais em um ano que vem com uma escalada de preços tanto em serviços quanto em insumos indiretos que impactaram principalmente pessoas assalariadas”, analisa.

O especialista cita ainda o efeito indireto na economia local, com a redução da circulação de dinheiro nos bairros, em pequenos estabelecimentos. “O comércio vem, nos últimos anos, sofrendo os impactos da Covid e também com a alta de preço e dos insumos, então também o comércio passa a sentir esse efeito, até porque é o último mês do ano e o Natal é uma grande data em vendas”, complementa, explicando que o dinheiro que deixa de circular pode frear os contratos temporários.

O Auxílio Brasil

A criação do Auxílio Brasil através de decreto presidencial publicado no dia 8 de novembro, substituindo o Bolsa Família, vem causando dúvidas não só para a população, como também para economistas. Assim como o programa criado durante o governo petista, o benefício reformulado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) também atende famílias em situação de pobreza (com renda entre R$ 100,00 e R$ 200,00 - antes até R$ 178,00) e extrema pobreza (com renda de até R$ 100,00 - antes até R$ 89). No primeiro caso, apenas se tiver entre os membros da família gestantes ou pessoas com idade até 21 anos incompletos. Tendo novembro como o mês iniciante, o Auxílio Brasil tem previsão de ser pago a partir do dia 10 de dezembro, com calendário habitual do extinto programa.

Além da mudança na renda, o governo reajustou o valor médio do benefício pago para R$ 217,18 e promete um complemento para levar o benefício mínimo a R$ 400,00, extra que depende da aprovação da PEC dos Precatórios, que retornou à Câmara dos Deputados no último dia 2 para aprovação das alterações feitas pelo Senado. Entretanto, deputados federais acreditam que não irão ter tempo suficiente para aprovação do texto modificado antes do recesso parlamentar, que inicia em 23 de dezembro, o que pode fazer o governo ter que esperar o retorno das férias para reajustar o valor.

“O benefício básico pago às famílias de extrema pobreza teve aumento de 12,35%, passando a ser R$ 100,00, enquanto as parcelas variáveis e o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente passaram de R$ 41,00 para R$ 49,00 e de R$ 48,00 para R$ 57,00, respectivamente. Outra diferença é que Auxílio Brasil, se houver aumento da renda da família, ultrapassando as linhas de pobreza e extrema pobreza, a família continuará recebendo o auxílio por mais 24 meses”, analisa a economista Indrieza Curtinaz.

A realização do pré-natal, o acompanhamento do calendário nacional de vacinação e do estado nutricional, bem como a frequência escolar mínima definida em regulamento e a matrícula em estabelecimento de ensino regular para jovens entre 18 e 21 anos são pré-requisitos obrigatórios para a continuidade do pagamento ao beneficiário. Assim como no Bolsa Família, para cadastro deve ser utilizado o CadÚnico, operacionalizado por prefeituras e governos estaduais.

“A PEC [dos Precatórios] também insere na constituição a obrigatoriedade de um programa de renda mínima para pessoas em vulnerabilidade, o que pode ampliar o número de atendidos pelo Auxílio Brasil, chegando a beneficiar 20 milhões de pessoas. O que preocupa é a permanência do programa nos anos seguintes a 2022, visto que a Medida Provisória prevê a origem do recurso no exercício fiscal de 2022 e para os demais anos apenas menciona que toda folga de recursos será direcionada ao pagamento do programa, precisando atender ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal”, aponta Indrieza, que vê a mudança de nome do programa como jogada política e uma atitude arriscada para os cofres públicos.

O que diz a prefeitura sobre as filas

O secretário de Assistência Social (SAS), José Olavo Passos, afirma que o prédio onde está localizado atualmente o CadÚnico, na rua Três de Maio, 1.074, é provisório. “O processo de locação de uma nova sede, com mais espaço, já está em trâmite e deve ser finalizado nas próximas semanas. A população será atendida por todos os cadastradores no novo endereço, na rua Dom Pedro II, quase esquina com a General Osório”, ressalta, adiantando que a ideia de inauguração é ainda em 2021.

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