Saúde
Em nível nacional são 1,6 milhão de pessoas com esquizofrenia
Doença mental crônica é tratável, mas não tem cura; quando não se dá por meio de um surto forte
Certo dia o psiquiatra atendeu um jovem que iniciava o doloroso processo da esquizofrenia. “Tinha olhos azuis, cabelos encaracolados e rosto de cupido, que fazia meninas parar de súbito diante dele e de seu olhar assustado. Não esqueço quando assim falou: ‘Estou perdendo a capacidade de me comunicar, eu tenho muito para viver e não consigo. Parei de ir à escola, vivo isolado em casa, não sinto vontade de fazer nada. Estou me perdendo de mim mesmo, não consigo parar essa mudança’”. Segundo o profissional em questão, Paulo Kelbert, o caso citado por ele se assemelha ao de muitos jovens acometidos da enfermidade, que atinge em Pelotas seguramente em torno de quatro mil pessoas. Em nível nacional são 1,6 milhão de pessoas doentes.
Uns têm sorte, outros tantos não. Muitos chegam a casar e formar uma família, ficando de certo modo protegidos. Outros são abandonados em hospitais psiquiátricos e nem são visitados, suas famílias mudam de lugar e se aparecem é para buscar algum bem de herança que porventura tenha restado do enfermo. Histórias como estas, conforme Kelbert, se repetem na clínica diária, no consultório, no hospital, nos ambulatórios e nas estatísticas.
A esquizofrenia é uma doença mental crônica, que se manifesta na adolescência ou no início da idade adulta. Sua frequência na população em geral é de uma para cada cem pessoas. A prevalência da esquizofrenia é mais alta entre populações urbanas, masculina e de menor poder socioeconômico. As causas são variadas e as pesquisas modernas indicam alterações cerebrais específicas, mas não explicam porque as manifestações surgem na juventude, raros casos na infância e mais raros ainda na idade adulta. “A esquizofrenia segue sendo um desafio para seu total entendimento e tratamento adequado. Uma dívida que a medicina tem para com o ser humano que padece”, comenta.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, os primeiros sintomas da doença, quando o início não se dá por um surto franco, são insidiosos, começam com esquisitices, alheamento social e familiar, isolamento, queda de rendimento escolar e laboral, ideias bizarras, comportamento estranho e injustificado, ideias de perseguição ou de grandeza, às vezes delírios religiosos, alterações do ciclo sono-vigília, mutismo e o ato de falar sozinho.
A entidade ressalta que é importante saber que o doente mental não é necessariamente perigoso ou agressivo quando recebe tratamento adequado, com psiquiatra e fármacos indicados. Desta forma, em muitos casos os pacientes com transtornos mentais podem ter uma vida normal e os surtos e recaídas sejam exceções, não regra. Recaídas em pacientes sob tratamento variam entre 12% e 15%. Em pacientes não tratados ou não diagnosticados corretamente, o risco de surtos psicóticos pode chegar a 70%.
Os pacientes com esquizofrenia sofrem preconceito pela falta de informação. Muitos personagens descritos como esquizofrênicos fazem com que as pessoas tenham medo dos doentes mentais, e os próprios pacientes não buscam tratamento por causa desta discriminação. Segundo Kelbert, estas pessoas precisam de assistência e muitas são interditadas para que não venham a ser vítimas de terceiros mal-intencionados, que possam, por exemplo, fazê-las assinar algum documento indevidamente.
O percentual de suicídio é alto na esquizofrenia e pode chegar de 4% a 10% entre os pacientes, sendo que na faixa de 18% a 55% estão os que tentam uma vez. Homens cometem mais do que as mulheres, porque se isolam mais e se frustram com expectativas não realistas. O uso de maconha e outras drogas, como álcool, é um fator de risco para desencadear a doença. O psiquiatra, no entanto, atenta para o fato de que a maioria dos usuários de maconha não desenvolve esquizofrenia, mas é comum os esquizofrênicos buscarem o uso de maconha.
Subgrupos e episódios
Os pacientes esquizofrênicos são divididos em quatro subgrupos, sendo que no primeiro estão aqueles que tiveram um único episódio, no segundo os que voltaram a apresentar novos episódios assintomáticos no período de cinco anos, no terceiro os que pioram após o primeiro episódio, sem apresentarem retorno à realidade e no quarto os que apresentam uma piora sucessiva após novos episódios.
Pacientes do primeiro e segundo subgrupos podem apresentar manifestações psiquiátricas tratáveis, mas retornam à realidade; e do terceiro e quarto têm mau prognóstico, sendo que os do quarto adoecem e nunca mais recuperam a proximidade da normalidade.
Município presta atendimento através dos Caps
A prefeitura disponibiliza atendimento gratuito a pacientes com transtornos por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). A coordenadora de Saúde Mental, Cynthia Yurgel, salienta que em todos os oito Caps são atendidas pessoas com comorbidades, entre elas a esquizofrenia. Só no Álcool e Drogas (AD) são 2,5 mil atendimentos ao mês.
Os usuários participam de oficinas, atividades físicas, recebem atendimentos psicológico e psiquiátrico, assistencial e de enfermagem. Estudantes das universidades locais auxiliam nas oficinas ministradas. Também são levados a passeios e participam de festas promovidas nos Caps. O trabalho é estendido às famílias que, conforme Cynthia, adoecem junto. “A gente trabalha pela inclusão e obtém um bom resultado”, afirma.
O Caps AD atende 24 horas e tem acolhimento noturno por até 15 dias dos pacientes em tratamento. A coordenadora enfatiza que a saúde mental do município conta com o trabalho de equipe qualificada, que busca inserir o usuário na sociedade, através de um modelo de cuidado de atenção ao cidadão. “São (pacientes) mais do que um rótulo ou uma CID (Classificação Internacional de Doenças). Tratamos com humanidade e sem preconceito. Antigamente as famílias escondiam os parentes que apresentavam sintomas psíquicos importantes. A gente procura resgatar a dignidade e o respeito, trabalhando a habilidade de cada um”, explica.
Hospital Espírita atendeu 338 casos em 2015
O Hospital Espírita de Pelotas, de acordo com levantamento divulgado pelo psiquiatra da instituição, Paulo Luís Sousa, registrou 1.910 internações em 2015 e dessas, 338 pessoas com diagnóstico de esquizofrenia. Atualmente é o único hospital da cidade a receber pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por isso está com sua capacidade sempre esgotada. Tem 199 leitos, sendo 160 reservados a internos pelo SUS. A Beneficência Portuguesa possui uma ala com dez leitos destinados ao SUS.
Curso de atualização em Pelotas
Curso de atualização em esquizofrenia é ministrado hoje em Pelotas pelo psiquiatra Itiro Shirakawa, considerado autoridade no assunto. Ocorre das 9h ao meio-dia, por iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria, da Associação Médica de Pelotas e do Departamento de Psiquiatria. Tem por local o auditório da Associação Médica de Pelotas (AMP).
A evolução dos critérios diagnósticos na esquizofrenia, fatores de risco: pré-natais, perinatais e do neurodesenvolvimento, esquizofrenia com início na infância e na adolescência, tratamento farmacológico, reabilitação em esquizofrenia e discussão de um caso clínico apresentado por um residente estão no conteúdo a ser apresentado.
As inscrições devem ser feitas na secretaria da AMP. Estão isentos os acadêmicos de Medicina associados à AMP, médicos associados da AMP e da ABP, residentes em Psiquiatria/alunos de mestrado, doutorado da Medicina e da Psicologia. Estudantes de Medicina/Psicologia devem pagar a taxa de R$ 50,00 e médicos não associados da AMP e outros profissionais, R$ 150,00.
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