Inclusão
Espaços públicos que não acolhem a todos
Falta de acessibilidade em praças e parques de Pelotas tem causado indignação de pessoas com mobilidade reduzida
Carlos Queiroz -
É inconcebível pensar que uma criança não pode se divertir nos brinquedos de uma pracinha. Mas infelizmente é o que está acontecendo em alguns pontos de Pelotas. Crianças com deficiência estão enfrentando dificuldades em locais públicos e tendo este direito negligenciado devido à falta de aparelhos adaptados que contemplem suas necessidades. Entre os responsáveis pelos jovens, o sentimento é único: o de exclusão.
“Olha o espaço que tem aqui [aponta para a pracinha localizada em frente ao trapiche]. Não tem como fazer um balanço adaptado? Eu me sinto humilhada. Aí se eu venho aqui [na praia do Laranjal], o meu filho vai querer brincar. Por isso acabo não vindo, porque não tem como”, relata Lolly Amaral, mãe do jovem Thierre, 15, que possui paralisia cerebral.
Ela conta que luta pelo direito do filho brincar em espaços públicos desde que ele tinha dez anos. A mãe lembra que quando Thierre era menor até pegava ele no colo e andava de balanço, mas agora, como ele cresceu, é quase impossível. E esta é uma batalha que não é só dela. Lolly é coordenadora do Grupo Ajuda Solidária a Mães e Pais PCDs, no qual 98 responsáveis por menores com deficiência pedem a possibilidade de acesso dos filhos a esses espaços.
Entre outros problemas apontados por Lolly, está também a dificuldade no acesso ao calçadão da praia, que, segundo ela, não possui rampas suficientes. Neste caso, para conseguir passear pelo local, a mãe precisa transitar pela avenida Antônio Augusto de Assumpção – dividindo espaço com os veículos – até chegar na faixa de pedestres elevada mais próxima.
Dificuldades para chegar até a água
Outra demanda apontada é a colocação de uma rampa que possibilite a chegada de pessoas com mobilidade reduzida até a beira da Lagoa dos Patos.
Michel Ribeiro é presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e, para se locomover, conta com a ajuda de muletas, o que dificulta sua circulação na areia. A ação poderia ser facilitada com a implantação de um caminho especial. “Eu saio do calçadão e chego ali [na beira d’água] cansado, porque a muleta enterra na areia. Com muita luta eu ando pela areia, mas com a rampa seria melhor”, comenta.
Sem brinquedos adaptados
Segundo a Secretaria de Serviços Urbanos e Infraestrutura (SSUI), o município possui aproximadamente 200 praças com brinquedos. No entanto, segundo a integrante do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Brandina Oliveira, somente o parque Anna Laura – instalado no interior do Campus Visconde da Graça do Instituto Federal Sul-riograndense (CaVG-IFSul) – possui brinquedos adaptados.
Ela conta que no ano passado o Conselho se reuniu com o responsável pela Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA), Eduardo Schaefer, para tentar viabilizar a implantação dos aparelhos. Apesar de se mostrar interessado em colaborar, durante a conversa foi apontada a necessidade de recursos para tirar a proposta do papel. Brandina diz que o deputado federal Daniel Trzeciak (PSDB) chegou encaminhar uma emenda parlamentar no valor de R$ 20 mil para a aquisição dos brinquedos.
A conselheira explica que com o valor encaminhado seria possível comprar cinco brinquedos e que, a partir disso, o Conselho, junto com a comunidade, realizou um mapeamento das praças de Pelotas que poderiam receber os objetos. Foram apontados cinco locais: em frente ao trapiche (Laranjal); a praça Dom Antônio Zattera (Centro); o Parque da Baronesa (Areal); a Praça Modelo (Três Vendas); e a praça Saldanha Marinho (Centro). A ideia é de que um equipamento fosse disposto em cada um dos espaços.
Brandina ressalta que instalação dos brinquedos irá proporcionar a integração das crianças PCDs com outras crianças. “Isso é inclusão, sem discriminação e com direitos iguais”, comenta.
Contraponto do Poder Público
A prefeitura reconhece que existem desafios a serem superados em relação à acessibilidade e à inclusão das crianças com deficiência nas praças com brinquedos em Pelotas. No entanto, o titular da SQA, Eduardo Schaefer, destaca que algumas medidas já estão sendo feitas conforme estabelece a legislação e cita a praça do loteamento Amarilis, no Laranjal, e o parque do CaVG como pontos que contam com brinquedos adaptados. Além disso, a SSUI informou que está desenvolvendo protótipos de equipamentos que poderão ser instalados no município após a aprovação dos órgãos competentes. Ainda não há, no entanto, uma previsão para a conclusão e nem a definição dos pontos que irão receber as estruturas.
A Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Inovação (Sdeti) informou que o Laranjal já possui uma rampa destinada a pessoas com mobilidade reduzida, próxima ao quiosque da praia, que dá acesso até uma parte da faixa de areia. A pasta ainda reforçou que está disponível uma cadeira anfíbia, que possibilita que cadeirantes entrem na água. Para utilizá-la, basta solicitar à equipe que atende no local.
Sobre a acessibilidade no calçadão, a Secretaria de Transporte e Trânsito (STT) irá instalar até o final do mês uma nova faixa elevada, perto do trapiche. Também será demarcada mais uma vaga de estacionamento exclusiva para deficientes.
Em relação à emenda encaminhada pelo deputado Trzeciak, a prefeitura informou que o valor foi utilizado na compra de dois brinquedos do tipo “gira-gira”. No entanto, o custo sofreu alterações devido a normas técnicas e a SQA precisou trocar o fornecedor, que, após atrasos, entregou os aparelhos esta semana. “Nossa perspectiva é que dentro de 45 dias os dois brinquedos estejam instalados. O primeiro será colocado no parque Dom Antônio Zattera e o segundo ainda está em definição”, esclarece Schaefer.
O titular da SQA ainda diz que havia a ideia de instalar o outro aparelho no Parque da Baronesa, mas um parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) indeferiu a proposta e, por isso, o novo local ainda está sendo avaliado.
Legislação específica
Desde 2014, a lei municipal 6.114 determina a instalação de pelo menos um brinquedo adaptado em cada praça do município destinada a lazer ou recreação. Já a lei federal 13.443, de 2017, prevê que no mínimo 5% de todos os brinquedo ou equipamentos instalados em praças e parques sejam adaptados e identificados para serem utilizados por pessoas com deficiência, seja esta visual ou de mobilidade reduzida.
Um pedido que é possível
Em cidades como Rio Grande, brinquedos adaptados ainda são poucos, mas já são uma realidade. Na última semana, a praça Tiago Carvalho, no balneário Cassino, foi inaugurada como o primeiro espaço com estrutura totalmente acessível no município. Entre os brinquedos estão um balanço para cadeirantes, uma gangorra e um gira-gira, todos adaptados.
A implantação ocorreu através de parcerias com empresas da iniciativa privada e tem proporcionado a inclusão entre crianças e adolescentes.
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