Assistência
Frio leva população vulnerável aos abrigos
No CentroPop, que trabalha com pessoas em situação de rua, são atendidas 35 pessoas por dia
Paulo Rossi -
As faltas que as estações quentes conseguem esconder são colocadas à mostra quando os termômetros apontam para baixo.
Os corpos deitados nas calçadas ficam sob pedaços de panos e o que mais lhes for doado para tentar inibir o frio. Pelas portas de abrigos e albergues, chegam diferentes casos com uma mesma necessidade: um teto. Sobreviver às ruas é o desafio de cada dia.
No Centro de Referência Especializado para pessoas em situação de rua (CentroPop) são atendidas aproximadamente 35 pessoas por dia. De acordo com a coordenadora da instituição, Solange Rocha, 98% dos casos que chegam lá têm envolvimento com o uso abusivo de drogas - em geral, álcool e crack. No CentroPop eles podem tomar banho, têm direito a café da manhã, a lavarem roupas e estenderem no pátio. Quando as portas fecham, a maioria vai para a praça Dom Antônio Zattera, quando não tem agendada entrevista de emprego.
Entre 8h30min e 14h30min, quando o CentroPop está em funcionamento, participam de oficinas e diversas atividades propostas, como aulas de violão, sessão de filmes, artesanato. “Nossa proposta é chamar a atenção deles e assim reduzir o tempo na rua”, explica Solange. O objetivo é assegurar atendimento e atividades direcionadas ao desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida.
No total, estão cadastradas 1,2 mil pessoas no CentroPop e em abril foram realizados 648 atendimentos.
Alta complexidade
A Proteção Social Especial de Alta Complexidade é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e a indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus-tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual e uso de substâncias psicoativas. São serviços que requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas.
A Proteção Social Especial de Alta Complexidade é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e a indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus-tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual e uso de substâncias psicoativas. São serviços que requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas.
Da mesma forma comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. Os serviços de Proteção Social têm estreita interface com o sistema de garantia de direito, exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, o Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo.
É preciso vencer
No rosto, a expressão é a cicatriz deixada pela droga. Os olhos passeiam pelo ambiente conforme conta sua história. Na boca, mora a frase: “É o cara que tem que querer”. Aos 38 anos, dedicou dez ao uso de drogas. Foi do álcool ao crack. Do crack à rua. Da rua tomou a consciência de que precisaria mudar. Foi internado, mas não obteve resultados positivos. “Eu me sentia preso lá e sabia que ao sair seria a mesma coisa. Ia voltar a usar a droga. Dependência é…” - ele para alguns segundos, enquanto os olhos continuam a passear por uma das salas do CentroPop - “É complicado”, conclui.
Pai de um menino de 13 anos, separou-se da esposa quando a vontade de usar o crack foi maior que sua capacidade em recusá-lo. As duas internações em seu histórico com a dependência química serviram para que se convencesse de que em seu caso, em específico, teria de lidar sozinho com o vício. “É o cara que tem que querer”, reforça, novamente. Não se vê como uma vítima do vício. É consciente do estrago que causou aos seus em razão da droga. Das consequências, atém-se à venda de pertences de casa.
A esposa não aguentou. Deixou subentendido a ele que precisaria fazer uma escolha. No período, a relação com o crack era mais firme. Saiu do lar e fez das calçadas sua casa. Hoje, isolado da família, tenta reconstruir a vida. Não nega nem confirma se ainda usa drogas. Limita-se em responder: “Tô mais calmo”.
De mochila nas costas, vai ao CentroPop comer, lavar roupas, participar de oficinas e imprimir currículos.
Está disposto a encarar qualquer atividade. No olhar ele denuncia a culpa que sente por todos que acabaram feridos por seu vício. Não é fácil sair dali.
“Uma mãe não vai fechar a porta pra um filho, nunca. Mas eu não quero ser problema, ela não tem nada a ver com isso.” E, assim, nega os convites da mãe, que quer acolhê-lo, pois é assim que classifica a própria presença: atribulação. Um peso indesejado; que ele carrega diariamente. Quer continuar a sustentá-lo sozinho. Rejeição: é o que interpreta a cada olhar que o encara na rua, a cada indivíduo que atravessa a calçada para não cruzar por ele. “Eles acham que a gente é vagabundo”, palpita. Seu cotidiano é um enfrentamento, contra ele próprio. Quer resistir à droga. Deseja ter de volta a vida levada pelo crack.
Ao seu lado, uma história parecida. De poucas palavras, ele senta o corpo sem largar a mala de mão, onde carrega algumas peças de roupas. Aos 52 anos, conta parte do que amarga na rua. Também tinha lar. Tem família. Dois casamentos fracassados.
Seis filhos com quem não troca uma palavra. A ruptura está relacionada ao uso descontrolado de álcool. Cachaça, cerveja, vinho, o que viesse, ingeria. A relação turbulenta com a bebida lhe custou o teto. Formado em Contabilidade, acabou demitido de um dos empregos após perder as forças para a bebida. Chegou a fazer uso no serviço.
Hoje, cuida para não fazer uso do álcool quando está na rua. Vive na expectativa de que um possível futuro patrão possa flagrá-lo bebendo e negar-se a contratá-lo. Assegura querer trabalhar. Deseja reconstruir, mas ainda não sabe por onde começar. Também utiliza a sala de informática do CentroPop para organizar currículos profissionais. À tarde, distribui a empresas de diversas funções.
Casa de Passagem
É comum o CentroPop e a Casa de Passagem atenderem o mesmo público. Com a queda de temperatura, a demanda cresce. De acordo com o supervisor da Casa, Nilson Nunes, estão aceitando doações de cobertores, vestuário masculino e alimentos. Em média, são utilizados três quilos de arroz e dois quilos de feijão por refeição, além da carne. Atualmente, as 26 vagas estão preenchidas. Dos atuais 26 usuários, apenas seis são mulheres, que dormem em quartos separados por gênero.
Conforme o regimento da casa, deveriam ser permitidas três noites no local, no entanto, a gravidade de cada realidade acaba por estender este período. “Tem gente aqui há mais de mês. E é necessário. Não temos como expulsar as pessoas”, frisa o supervisor da Casa de Passagem. Há nove anos ele atua no serviço. E quando alguém sai, outra pessoa chega. Sempre há necessidade.
“Mais de 80% das pessoas que usam a casa vêm por causa de vínculos rompidos por causa da droga”, avalia.
As portas abrem entre 19h e 19h30min. Cada usuário só é permitido entrar com a roupa do corpo, sem mais bagagens. “A gente faz uma triagem quando eles entram, pra saber se não estão sob efeito de drogas. Se sim, eles ficam do lado de fora”, afirma Nunes. A relação é de respeito. “Eles também sabem que se aprontarem alguma, não vão receber nosso apoio”, coloca.
Sobrevivente de doações
O Albergue Noturno Pelotense Adolfo Fetter, situado na Padre Felício, 320, independente da rede municipal, vive de doações para dar continuidade a seus trabalhos. De acordo com a assistente social e presidente da casa, Sônia Monteiro, as necessidades são ainda mais agudas em estações frias e batem, diretamente, à cozinha.
Café, margarina, arroz, carne e massa - para iniciar a lista - estão entre as principais faltas. “Não tem como dar só arroz, feijão e massa todos os dias”, lamenta Sônia. O albergue atende, atualmente, 16 pessoas em situação de rua. “Mais que isso não temos condições de receber. Íamos acabar oferecendo atendimento sem qualidade”, justifica. Interessados em fazer doações ao abrigo podem ligar para (53) 3222-7395.
Os 11 abrigos institucionais
1. Casa de Acolhida às Mulheres Vítimas de Violência Luciety
2. Casa de Passagem
3. Casa de Triagem
4. Casa do Carinho
5. Casa do Idoso
6. Casa das Meninas I
7. Casa das Meninas II
8. Casa dos Meninos I
9. Casa dos Meninos II
10. Casa dos Meninos III
11. Pensão Assistida
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