Coluna
Gente Extraordinária e suas estórias do ARCO-DA-VELHA
“Tia” Baby Nunes - Parte 3
Por Mônica Beatriz Corrêa Meyer Russomano
E vamos ao conto de fadas. Que iniciei a escrever em 3 de agosto de 2019, aniversário de 117 anos da “tia” Baby e data da publicação da Parte 2:
Era uma vez uma inesquecível senhorita de nome Bernardina Nunes, apelidada de “Baby”, e que sempre foi o xodó do também inesquecível - e correspondido - José Trápaga Ferreira. A Princesa, ou melhor, a Rainha Baby, contudo, sendo órfã, sozinha e pobre, trabalhava pra se sustentar, o que, naqueles idos, era algo impensável para mulheres. E escandaloso. Por este motivo, os pais dele foram contra o chamego e o Príncipe, ou melhor, o Rei José, acabou casando antes com uma outra moça de fino trato, com quem teve duas meninas, Dóris e Lilá - e, da segunda, que seria biblioteconomista privilegiada da monumental Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, já falei. O tempora o mores! Sim, houve uma época em que os filhos seguiam os ditames paternos.
Mas coitadinha da “tia” Baby! Não deve ter sido fácil passar pelo que ela passou e, pior, em cidade pequena.
Relembro dela nos Anos 50, em que as “titias” chegadas aos 30, ato contínuo, se metamorfoseavam em “balzaquianas” e cartas fora do baralho. Ela não rondava os 30, mas os 50 (...) - em nada similares aos de agora - e ainda recordo de mim, encucadíssima com a longa solteirice anterior dela, voluntária com certeza, dados aqueles olhões azuis feito lagos transparentes lííímpidos, em que mergulho só de pensar neles. Por que nunca namorou alguém??? Ora, de gamadona no “tio” José, é claro! Ninguém, além dele, esteve nos planos ou na mira dos olhos lindos e imensos dela.
E ela? Imagino que desesperançada total de um destino risonho, quando... quando eis que o “tio” José enviuvou de forma inesperada e, vividos o luto e a tristeza, saiu atrás da... “tia” Baby. Não de uma jovem. Da “tia” Baby! Que ultrapassara a idade de engravidar, mas não a de terminar de criar as enteadas, com afeto, dedicação, generosidade e... direito a três netos “tortos”, a Doutora Corinha - brincamos bastante, puxa, se brincamos! - o Luís Antônio e o Firpo (II), da Dóris e do Firpo (I). Lilá não se casou.
“Tia” Baby e “tio” José davam-se às mil maravilhas! Moravam em uma casa térrea de cor creme, com paravento, no alinhamento da Gonçalves Chaves, número 915, que continua lá. Muito decadente, fechada, mas continua.
Perto da esquina com a Dr. Miguel Barcelos de um lado e a Major Cícero de Góis Monteiro do outro, no quarteirão da Félix da Cunha, e a cerca de cinco quadras do nosso sobrado de tijolos à vista na Almirante Barroso. Ia-se e vinha-se, a toda hora, a pé. E de carro. No maior vaivém.
O “tio” José? Uma graça de pessoa! Que, modéstia à parte, gostava um bocado de mim. O meu par, por ele? Um Embaixador. No mínimo. Pareceu jururu no meu jantar de noivado, ao tentar socializar com o groom, caladão e reservado como um bom e circunspecto inglês, conquanto de origem alemã e portuguesa. Uééé, não queria um gentleman?! Acompanhei-os à porta ao nos despedirmos. Noite fechada do outono de 1971. E uma cena inapagável. Enquanto andavam, “tio” José virava-se para trás, repetindo, ao se afastarem: “- Um Embaixador, Mônica, um Embaixador!” Acho que não nos vimos mais. Eu estudava na Arquitetura da UFRGS, indo aí nos fins de semana, mas tipo vapt-vupt. E ele nos deixou cedo. Em 20 de maio de 1973. A quase 2 meses do meu casamento, de que tive uma filha, que, como minha Mãe - e como a “tia” Baby - é uma Rainha! “Tio” José, se a tivesse conhecido, teria se apaixonado perdidamente por ela e chutado a ideia do tal diplomata pras cucuias!
O Pai, nessas alturas, e a Mãe com os meus irmãos logo depois, estavam estabelecidos em Brasília: a “tia” Baby viúva e a Gigi longe à beça... Por sorte, adejava na vizinhança a Lilá, um Anjo da Guarda afortunado, que inclusive ganhou na loteria, e ela e a sua “boadrasta” - invenção que adoro da Lúcia Machado, madrasta das boazinhas da minha filha-Rainha - resolveram se mudar para o Rio e, após, para cá, onde estiveram por último, julgo eu, na Rua Coronel Bordini. Meus Pais retornaram ao Sul no fim dos 80, período em que a saúde da “tia” Baby começava a declinar e, em princípios da década de 90, esta também regressou a Pelotas com a Lilá. Residiram no Edifício Massot. A Mãe e a Bebé se reuniram de novo, portanto, mas demasiado tarde. Entrementes, porém, a cada 3 de agosto, a Doutora Gilda - a quinhentos quilômetros de distância, contando vinda e volta - e eu íamos ao almoço festivo e sagrado aqui na Capital, a que jamais sonhamos faltar.
A lembrança derradeira que trago da “tia” Baby? Especial! No requintado e concorrido Chá das quartas-feiras se não me falha a memória, do Hotel Plaza São Rafael, a que fomos, a “tia” Baby, a filhota, com uns 10 na ocasião - e surpreendida com o inevitável cutucão do dedo em riste nas costas pela postura - e eu. Em 84 ou 85. Pra beliscar delicadezas deliciosas e degustar a convivência num papo animado com quem sabia de coisas do arco-da-velha... Comentei na Parte 1 que a Mãe era natural do Rio de Janeiro e nasceu em 18 de setembro de 1923, viajando, com apenas 20 dias, rumo à Princesa do Sul, para uma temporada com os avós maternos, que a receberam de braços abertos e um “presentinho”: Ações do Banco Pelotense que, conforme meu Pai, dariam para adquirir uns setenta imóveis de tamanho reduzido, como um JK ou equivalente. Oficialmente, por doença de um dos maninhos. Extraoficialmente? Não desconfio. Pois o vô-bisa Arthur Antunes Maciel morreu em 1924 e a vó-bisa Leonídia, desesperada, implorou à vovó Lola e ao vovô João Gaspar para que a Gigi ficasse mais um tantinho com ela. Não sobreviveria à viuvez sem a neta querida. E o que aconteceu? Minha Mãe se tornou uma espécie de Princesa do “Palacete” da Félix, que viria a ser da UCPel, e que ela abandonaria somente como a senhora Gilda Russomano, na completa impossibilidade do par - ele com 23 e ela com 22 - de comprar o casarão dos demais herdeiros e de arcar com os gastos gigantescos da manutenção dele. Em 60 ou 70, eu já bedelhara com a “tia” Baby sobre a causa dessa ida e permanência prolongada da Mãe em Pelotas, que via os pais em visitas mútuas meio raras, durante a vida da vó Dolores, e ela me respondeu à queima-roupa: “- A Lola quis fazer um grande bem e fez um grande mal!”. Não entendi... Porque a Mãe, segundo a própria, teve uma infância e juventude felicíssimas, embora atípicas, pelo menos até o Banco Pelotense “falir”, num esbulho vergonhoso, quando tudo - Ações, estâncias, viagens, joias, luxo - se foi por água abaixo. Mas admito que outrora rolaram umas teorias conspiranoicas a respeito dessa estadia. Fofocas. Em que a moçoila Baby não boiaria, é óbvio.
Assim como não boiava nas da implicância dos meus avós-bisavós com o romance da vó Lola e do vô João Gaspar, flechados por Cupido no exato instante em que se conheceram na praia do Cassino e tiveram um crush fulminante que melou, ali mesmo, o veraneio de todos num bafafá pavoroso! Por quê??? Vai saber... O pretendente provinha de berço ilustre e de gente tão graúda quanto o famoso Ministro Rivadávia da Cunha Corrêa; o primo-irmão deste, o General Flores da Cunha; o Doutor Ivo Corrêa Meyer, uma sumidade em Oftalmologia, etc., etc. E havia parentesco entre os pombinhos... Porque os Flores da Cunha - como os Antunes Maciel - vieram de Sorocaba. E ambas famílias descendem do Cacique Tibiriçá: eles, por Paraguassu, e nós, os AM, por Bartira. É. Consanguinidade às vezes é impedimento, mas os AM são notórios pela endogamia. Talvez então pela fúria lendária - e digna do Velho Oeste americano - da índia Rosa Violante (Simões Pires), bisavó do General, trisavó de João Gaspar e... minha pentavó? Talvez... Mas cuidado com o que vão retrucar! Nós, os Cunha, somos irascíveis. Medonhos! De faca na bota e garrucha na mesa. De maneira literal. Sem perdoar sequer as refeições e, na real, pra garantir o término delas. O que é História e não gozação ou piada.
Mas a “Tia” Baby faleceu, em 24 de agosto de 2000, aos 98 - e por pouco não tivemos a festança de um século! - e essas dúvidas persistirão no reino das conjeturas per omnia saecula saeculorum ... Num 24 de agosto? Sim. E numa estranha coincidência. Em um mesmíssimo 24 de agosto, de 1956, a minha irmãzinha Elda nasceu morta. E a sepultura da Eldinha? Acima, lá no alto, da dos “tios”, como um anjinho, um querubim, que abençoa o sono eterno de um casal show e que mandou superbem!
O dia da publicação desta Parte 3? Pelo combinado com o Diário Popular, dia 24, nos 19 anos de que ela se foi. E, para encerrar, um pedido: por favor, façam do cemitério um jardim florido e caprichado, onde dê gosto passear! É campo-santo e patrimônio cultural. Dá tour guiado. E pago. A Santa Casa agradece e os antepassados também. As gerações vindouras? Idem. Ah, sugiro árvores. E rosas e mais rosas! Pra, de quebra, resgatar os célebres roseirais da Pelotas Antiga! Aliás, célebres, não, celebérrimos!!!
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