Impactos do coronavírus

Mais de 250 pessoas já procuraram atendimento pós-Covid pelo SUS

Em dois dias, o DP apresentará relatos e reflexões destes dois anos de pandemia, em Pelotas, através da palavra de pacientes, pesquisadores, profissionais e gestores da saúde

Pelotas chega aos dois anos exatos de pandemia com mais de 250 pessoas já atendidas pelos serviços pós-Covid. Sequelas pulmonares, olfato e paladar alterados, perda de memória, dificuldade de concentração, taquicardia, ansiedade, vertigem... São inúmeros os relatos. E inúmeros também serão os estudos desenvolvidos daqui para frente até que a ciência consiga apontar o quanto a doença é danosa e por quanto tempo. Neste 25 de março de 2022, em que as flexibilizações não param de crescer, o momento ainda é de alerta. Ou deveria ser. A ressalva é feita pela Comitê Covid da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e o motivo é claro: a transmissão do coronavírus se mantém alta.

A média tem ficado em cerca de 200 casos novos por semana, por 100 mil habitantes. É exatamente o dobro de infectados que o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos estabelece como parâmetro internacional para indicar como alto o nível de circulação do vírus, que é quando a marca chega aos 100 casos novos por semana, por 100 mil habitantes. "Temos tido uma melhora superexpressiva desde a semana epidemiológica quatro, no final de janeiro, quando atingimos 1,5 mil casos novos, mas nossos patamares ainda são altos", destaca a professora e pesquisadora do Centro de Epidemiologia da UFPel, Anaclaudia Fassa.

A doutora em Epidemiologia também lembra que, embora os últimos dias tenham sido sem mortes em Pelotas, a média diária desde o final de janeiro tem oscilado entre um e dois óbitos; o que ainda é elevado. "Sabemos que os gestores, em vários pontos do país, têm dito que passaremos de um cenário pandêmico para endemização com surtos, como se isso fosse uma coisa boa", pondera. "Mas o que isso quer dizer? Que deveremos ter uma estabilização, mas não podemos normalizar, não podemos banalizar este número de casos e de óbitos", reforça.

Princípio da precaução deve prevalecer

O decreto publicado pela prefeitura de Pelotas irá liberar o uso de máscaras ao ar livre. Para a pesquisadora, a população não deveria simplesmente abandonar o Equipamento de Proteção Individual (EPI), mesmo em áreas abertas. O ideal, defende, é o cidadão se utilizar de bom senso. Do princípio da precaução. Se o local for o Calçadão, por exemplo, em momento de alta concentração de consumidores, não há por que se expor a riscos.

E embora pareça redundante, Anaclaudia enfatiza: quanto maior o número de pessoas contaminadas, maiores são as chances de surgirem novas variantes do vírus. "Outra hora pode surgir uma variante que escape à proteção da imunidade da vacina", preocupa-se. E faz questão de ressaltar que a imunização é a arma mais potente à disposição da comunidade, em todo o mundo, para barrar a circulação do vírus e vencer, efetivamente, a Covid-19.

Por quanto tempo as sequelas da Covid-19 irão persistir?

São muitas as perguntas à espera de resposta. Qual o grau de incapacidade vai ser produzido pela Covid-19? É um dos pontos centrais a ser analisado. As manifestações neurológicas, como perda de memória e de capacidade de concentração, são um dos aspectos que mais preocupam. Estudos desenvolvidos daqui para frente irão analisar a possível relação entre essas alterações cognitivas e o desencadear precoce de doenças como Parkinson e Alzheimer.

Quem explica é a pneumologista Raquel Janelli, coordenadora do Ambulatório Pós-Covid da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), inaugurado há cerca de um mês. Alterações psiquiátricas, como ansiedade, depressão e estresse também estão no alvo das atenções. "Pacientes que tiveram quadros mais graves de Covid costumam ter situações mais arrastadas, mas mesmo nos casos de Covid leve um espectro variado de sinais, sintomas e doenças associadas pode aparecer", afirma a médica.

O trabalho é desenvolvido por equipe multidisciplinar, que inclui várias especialidades médicas, além de suporte psicológico e de fisioterapia. No caso da falta de ar, que é um dos relatos mais recorrentes, os profissionais avaliam se é gerada por dano no pulmão, por ansiedade ou devido a alguma alteração no coração - exemplifica. E assim ocorre com as mais diferentes queixas apresentadas pelos pacientes.

Confira as sequelas mais comuns (*) 

- Fadiga: é relatada por cerca de 50% das pessoas. Em geral, esse cansaço tende a desaparecer em três meses. Em alguns casos, entretanto, chega a se prolongar por até seis meses
- Falta de ar
- Tosse
- Alterações de olfato e paladar
- Perda de memória
- Dificuldade de concentração
- Ansiedade, depressão e estresse
- Taquicardia e palpitações
- Vertigem

(*) Algumas sequelas pulmonares se estendem por até um ano

Saiba mais: Passados três meses do início dos primeiros sintomas da doença, o seu quadro encaixa-se em Covid longa

"Não fui intubado por um fio"

O morador da Vila Princesa nem suspeitava que pudesse estar infectado. A falta de apetite e o desânimo indicavam que algo não estava bem. Ao procurar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) acabou por receber o diagnóstico. Ao todo, foram 27 dias de internação no HUSFP; 17 dias na UTI. De volta em casa, há duas semanas, o agricultor Adaídio Behling, 79, já começou acompanhamento no Ambulatório da UCPel.

As medições de pressão e dos níveis de glicose são feitas duas vezes por dia. O monitoramento do açúcar, por exemplo, nunca tinha sido necessário. Agora, na carona da Covid-19, o aposentado foi orientado a ficar atento. O ânimo ainda não está 100% restabelecido. O aposentado procura mesclar pequenas caminhadas pela residência com alguns minutos recostado no sofá. "E não posso colocar o travesseiro muito baixo, senão me dá tontura", conta. É algo que acontecia antes do coronavírus, mas se tornou bem mais frequente.

Behling conta que só havia tomado as duas primeiras doses da vacina. Na época do reforço, no ano passado, estava gripado e preferiu deixar a imunização para outro momento. "Não fui intubado por um fio de cabelo", afirma. "Eu só queria ir embora pra casa". E no retorno, já matou uma das tantas saudades, como saborear o delicioso feijão com os grãos amassadinhos, preparado pela esposa Lenzi Buck Behling, 72. "Eu só pedia a Deus que desse mais esta vitória pra ele. E recebemos esta bênção", conta a companheira de uma vida toda. Neste sábado, dia 26, o casal irá completar 56 anos de união.

Marcas, também, para quem esteve na linha de frente

O medo não acompanhou apenas pacientes. Profissionais da saúde também precisaram conter angústias. Ou melhor: ainda precisam. "Ainda estamos sentindo resquícios emocionais relacionados à Covid: a quantidade de pacientes graves, a falta de medicações, a falta de ventilação", relembra Raquel Janelli. "O que a gente presenciou em março de 2021 foi um cenário de guerra", resume, com a bagagem de quem já havia atuado em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) por dez anos.

Hoje, mesmo que celebre os efeitos fantásticos da vacinação - que reduz as chances de agravamento da doença e ajuda a barrar a circulação do vírus - a pneumologista é taxativa: "Para nós a pandemia não acabou. Continuamos tendo pacientes internados, a maioria pessoas ou que não se vacinaram ou que estavam com o esquema incompleto, sem a dose de reforço".

Ao conversar com o Diário Popular, no Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP), a médica admite: quando vê grandes aglomerações, vem o receio de que, mais adiante, a cena se transforme em novas pessoas doentes. "A gente escolhia paciente que ia ser intubado porque não tinha ventilação pra todo mundo. A gente não tinha medicação porque não tinha onde comprar. Isso tudo foi muito angustiante", conta.

E, ao se preparar para as investigações pós-Covid que deverão surgir em função do doutorado no Programa de Pós-graduação em Saúde e Comportamento da UCPel, a médica resume: "É traumatizante porque a gente viu pessoas sofrerem, pessoas ficarem longe das famílias delas, pessoas sensíveis que precisavam de apoio e não podiam ter. Pessoas que não queriam dormir com medo de morrer e muitas morreram. Isso é uma coisa muito triste. Eu não queria que isso acontecesse mais", desabafa. E não contém as lágrimas.

Procure os serviços pós-Covid, via SUS 

- Ambulatório do HE-UFPel: O serviço é regulado diretamente pela Secretaria de Saúde e é destinado a pessoas que estiveram internadas, não necessariamente no Hospital-Escola. Quem faz o encaminhamento são os Núcleos Internos de Regulação dos hospitais. Os atendimentos são realizados no Ambulatório de Reabilitação e Neurodesenvolvimento, localizado no prédio da Faculdade de Medicina (Famed), na avenida Duque de Caxias, 250. O funcionamento ocorre de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h.

- Unidade Cuidativa da UFPel: O trabalho também é direcionado aos cidadãos e cidadãs que passaram por hospitalização e tiveram quadros mais graves. Para acessar os serviços, os interessados podem procurar a Unidade Cuidativa, diretamente na antiga Laneira - na avenida Duque de Caxias, 112 -, às sextas-feiras pela manhã. Quem preferir, também pode solicitar encaminhamento através das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Uma avaliação, através de assistente social, psicólogo e consulta médica, irão indicar os tipos de suportes necessários, como orientação nutricional, fisioterapia e atividades de Educação Física.

- Ambulatório HUSFP-UCPel: Os atendimentos estão à disposição às quartas e sextas-feiras. Para ser acolhido, o paciente deve estar há, pelo menos, quatro semanas com os sintomas persistentes. A equipe irá realizar uma bateria de testes físicos, psicológicos e neuro-cognitivos para decidir o melhor tipo de acompanhamento. Para acessar o serviço, os interessados podem procurar as UBSs e solicitar encaminhamento ou procurar diretamente a marcação de consultas do Campus da Saúde da UCPel, na avenida Fernando Osório, 1.586.

 Confira o cenário em Pelotas 

- 25 de março de 2020 - 1º caso de Covid-19 é registrado
- 20 de junho de 2020: 1ª morte é notificada
- 25 de março de 2021: Cresce a sobrecarga sobre o sistema - São 27.337 casos positivos e 465 mortes
- 24 de março de 2022: Número de casos chega a 81.749 e são 1.367 mortes

* O dia com maior número de casos positivos desde o início da pandemia:
26 de janeiro de 2022: 1.312 infectados

* Maior número de mortes ocorridas em um único dia:
18 de março de 2021: 15 óbitos

* Faixa etária que concentra o maior número de infectados:
De 20 a 34 anos: 25.133 casos positivos
Mulheres: 14.090
Homens: 11.043

* Faixa etária com maior número de mortes registradas:
De 65 a 79 anos: 539
Mulheres: 248
Homens: 291

 

 

 

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