Reféns do medo

O sentimento é de insegurança

Estudo revela que 61,7% dos moradores de Pelotas não consideram a cidade segura para se viver

Fotos: Jô Folha 

JF_6952

Os sentimentos de medo e de insegurança estão cada vez mais disseminados entre a população de Pelotas: 61,7% dos moradores não consideram a cidade segura para se viver. É o que revela estudo desenvolvido pelo Instituto Pesquisas de Opinião (IPO), que desde 2003 monitora essa sensação, que provoca mudança de hábitos, gera ansiedade e, não raro, afeta em cheio momentos de lazer e de interação social. São os cenários em que o Diário Popular convida o leitor a transitar entre hoje e quarta-feira.

A série Reféns do medo também traz o desabafo de quem foi vítima de violência e a palavra de cidadãos que alinham estratégias de autoproteção para seguir a rotina. Em três dias, o DP ainda apresenta a posição de autoridades da Brigada Militar e da Polícia Civil, além da análise de pesquisadores sobre o que há por trás dos dados apontados pelo IPO. É uma discussão que não deve se encerrar no Boletim de Ocorrência, no inquérito policial e no investimento em medidas punitivas. Existe um contexto socioeconômico que não pode ser, simplesmente, desconectado das estatísticas.

É mais um dos convites que fazemos: pare e reflita conosco.

JF_6953

Receio elevado, mesmo sem ter sido alvo
O levantamento do Instituto Pesquisas de Opinião indica: o receio em níveis elevados não está necessariamente associado ao fato de já ter sido atacado. 59,1% dos entrevistados foram taxativos: nunca foram assaltados nem tiveram a residência arrombada; um fato, entretanto, que não os acalma. Aliás, a segurança pública desponta como o principal problema a ser enfrentado - defendem 80% dos gaúchos. "Desde a greve dos servidores públicos do Estado, em especial da Brigada Militar, no ano passado, a sensação de insegurança cresceu em todo o Rio Grande do Sul", destaca a diretora do IPO, Elis Radmann.

São percepções compartilhadas pelo comerciário Carlos Vignolle, 54, que, embora não tenha sido alvo diretamente, convive com a preocupação de a mãe ter sido assaltada três vezes, sempre à tardinha. Sem falar em episódios ocorridos em casas da vizinhança no Obelisco, no bairro Areal, e nas tentativas de furto de veículos nas redondezas. "Acho que a insegurança tá por toda a cidade. Tá em qualquer lugar", resume. E, para se prevenir, recorre a práticas que já soam corriqueiras: cachorros para alardear a presença de estranhos, grades para dificultar invasões e uma circulada na volta da quadra antes de guardar o carro, à noite. São estratégias em busca da tranquilidade, tão subjetiva.

E a solução aponta para onde?
A perspectiva de Eu posso ser o próximo está colocada. Enraíza-se cada dia mais na sociedade. Acreditar, entretanto, que a solução está em apenas recrudescer o policiamento ostensivo é apostar, novamente, em fórmulas erradas. Quem defende é o professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Luiz Antônio Chies. "As questões de violência e segurança devem ser enfrentadas muito mais pela efetivação de políticas sociais do que com políticas penais ou criminais", enfatiza o advogado e jornalista.

Medir a sensação de (in)segurança pelo fato de já ter sido ou não vítima de assalto é restringir o debate. O tema é bem mais complexo. Detalhes, como iluminação e até o estado de conservação dos espaços públicos, não degradados, repercutem no sentimento de sentir-se ou não amparado. Projetar uma cidade menos violenta, portanto, não passa só por investimentos em educação, por exemplo. Programas de geração de oportunidades de emprego e renda e projetos de incentivo às artes e ao esporte também são ferramentas que poderão repercutir em uma Pelotas mais segura, que fuja do formato tradicional, focado mais fortemente em ações punitivas.

"A inovação social é o caminho", reitera o doutor em Sociologia, que há 20 anos pesquisa o sistema prisional. "Recrudescer o modelo punitivo, como solução, é fortalecer ainda mais a ampliação das redes de violência."

JF_6955

E o Conselho Municipal de Segurança?
A entidade, embora prevista em lei, não está em funcionamento em Pelotas. Seria mais um instrumento para cobrar medidas do Poder Público, mas, ao invés de informações sobre a nominata do Conselho, telefone e e-mail para informações, apenas uma folha em branco confirma a falta de atividades.

Saiba mais sobre o estudo
* Público-alvo: moradores de Pelotas, com idade igual ou superior de 18 anos
* Tamanho da amostra: 350 entrevistas
* Quando: de 14 a 16 de maio
* Onde: nos setores censitários da cidade
* Técnica utilizada: entrevistas pessoais e domiciliares
* Margem de erro e grau de confiança: 5,9 pontos percentuais e 95%

Confira os principais fatores de influência ao resultado
- A fragilidade dos serviços de segurança pública que, historicamente, contam com déficit no efetivo. Em 2015, com o parcelamento dos salários do funcionalismo estadual, servidores da Brigada Militar, da Polícia Civil, do Instituto Geral de Perícias (IGP) e da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) uniram-se às mobilizações. Para a comunidade, a falta de investimentos e a "ausência" do Estado ficaram ainda mais evidentes.

- A repercussão nos noticiários, tanto em nível local quanto do Rio Grande do Sul e do país. Homicídios, sequestros, estupros, assaltos... A rapidez com que os fatos se disseminam e ganham também as redes sociais, com detalhamento de fotos e vídeos de quem estava por perto na hora da ocorrência, acaba fomentando a cultura do medo. Mas, as mesmas redes sociais que acabam por alimentar a (in)segurança, servem também para troca de informações entre familiares e amigos em busca de um círculo de proteção - explica a socióloga Elis Radmann.

- Desmantelamento da Nasf: o fato de a empresa de segurança ter sido desarticulada - em abril - depois de longo trabalho do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público (MP) também dividiu a opinião da população, já que a Nasf se espalhou por Pelotas e região, justamente, alicerçada na ineficiência do Estado. A empresa, identificada como milícia armada, é investigada pelos crimes de tortura, lesão corporal, incêndio, invasão de domicílio, extorsão e porte ilegal de armas.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Alegria e diversão para todos Anterior

Alegria e diversão para todos

Próximo

Promessa de mais frio pela frente com a chegada do inverno nesta segunda-feira

Deixe seu comentário