Saúde pública

Os impactos da saída dos médicos cubanos na Zona Sul

46 profissionais precisarão ser substituídos; em todo o Estado, 625 vagas ficarão em aberto

Carlos Queiroz -

O desligamento dos cubanos do Programa Mais Médicos espalha preocupação entre as comunidades. Só na Zona Sul, a saída dos hermanos representará 46 profissionais a menos na linha de frente nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Em Pelotas, 12 vagas precisarão ser repostas e em algumas localidades, na zona rural, as equipes ficarão sem médicos. A dúvida que reverbera entre os moradores é a mesma: até quando?

O Ministério da Saúde se manifestou, novamente, nesta sexta-feira e garantiu que a seleção, em primeira chamada do edital, ocorrerá ainda neste mês. Resta saber, entretanto, se haverá interessados nas 8.332 vagas que precisarão ser supridas no país. Basta lembrar que até os cubanos serem transferidos para o Brasil, mais de uma seleção havia sido realizada pelo governo federal sem que aparecessem profissionais brasileiros para ocupá-las.

O presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems/RS), Diego Espíndola, acompanha os desdobramentos com apreensão. E é fácil entender o porquê: 89% dos cubanos que atuam no país estão distribuídos em cidades do interior. Não raro, em regiões que costumam ser relegadas: áreas rurais, assentamentos e comunidades quilombolas.

"Já sugerimos ao novo governo que assumirá o Estado a assinatura de um termo de Cooperação Técnica direto com a Organização Pan-Americana de Saúde, que permita criar uma política de Estado e não nacional", ressalta Espíndola. E aponta a autonomia e a agilidade nas tratativas - para evitar que a população fique sem atendimento - como algumas das principais justificativas para defender a possibilidade de os estrangeiros continuarem trabalhando no Rio Grande do Sul.

As consequências em Pelotas
A partir do dia 26 deste mês, o impacto começará a ser sentido em 11 UBSs de Pelotas. O prazo para os 12 profissionais deixarem as equipes se encerra em 25 de dezembro. A Secretaria de Saúde estuda rearranjos e reorganização de escalas na rede básica, de forma a reduzir os prejuízos à população. Os alvos estão direcionados, principalmente, ao Sítio Floresta em que os cubanos representam dois dos três profissionais e a localidades, como a Colônia Triunfo, que ficarão sem médico.

"Esta é uma situação que foge à rotatividade natural. Perder 12 médicos de uma única vez é algo que não estávamos contando. Não tínhamos como prever e se organizar", afirma a secretária Ana Costa. Movimentações político-administrativas com deputados que representarão a Zona Sul no próximo mandato já iniciaram a ser feitas. O desafio - adianta a secretária - é sensibilizar o Ministério da Saúde para não descredenciar nenhuma das equipes nem cortar recursos pela falta da figura dos médicos nos grupos.

Mesmo receio
Entre a comunidade, as indagações se repetem: quando os cubanos serão substituídos? Relatos de atendimentos cordiais e das relações de confiança que se estabeleceram nos últimos anos também se repetiram entre os moradores do Sítio Floresta, que lembram de momentos em que chegaram a ficar em torno de seis meses sem médico.

"A gente tem medo de que não venha outro em seguida", admite a aposentada Renilda Schäfer Plamer, 76. "Do vício a gente se livra, mas sem remédio a gente não pode ficar", resume Ivani Santana Goulardt, 43, em referência às revisões mensais para retirada de receitas. "Sempre me senti muito bem atendida, tanto para o meu pequeno, de três meses, que precisará fazer cirurgia de hérnia, quanto para o meu maiorzinho, de três anos, que tem bronquite", conta a mãe Luciane Ribeiro Mesquita, 20.

UBSs que ficarão sem os cubanos em Pelotas
- Na zona urbana: Sítio Floresta (dois médicos), Getúlio Vargas, Cohab Pestano, Balneário dos Prazeres, Bom Jesus, Navegantes, Virgílio Costa e Vila Princesa
- Na zona rural: Colônia Osório, Colônia Triunfo e Colônia Maciel

Confira também 
- Investimentos em nova formação: O presidente do Cosems, Diego Espíndola, destaca a necessidade de as faculdades de Medicina apresentarem formação que incentive a atuação na saúde pública, em especial na rede básica de saúde. "Criamos um modelo onde só se valoriza o especialista, que ganha mais. Mas temos uma outra classe de médicos, generalistas, que são imprescindíveis", ressalta. "São as pessoas que vão fazer a prevenção e evitar que a população sofra com sequelas de um AVC ou com amputações do diabetes", exemplifica.

- Posições opostas: Nesta sexta-feira, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), reiterou que a decisão de impor novas exigências aos cubanos tem razões humanitárias, para protegê-los do que considera "trabalho escravo" e voltou a se referir à parte dos salários encaminhada a Cuba. Ao mesmo tempo, Bolsonaro não deixou de disparar críticas ao trabalho dos estrangeiros: "Será que nós devemos destinar [esse atendimento] aos mais pobres sem qualquer garantia que eles sejam razoáveis, no mínimo? Isso é injusto e desumano."

Na quarta-feira, ao tomar conhecimento de manifestação do presidente eleito, no Twitter, o governo cubano anunciou a decisão de se retirar do programa e argumentou que as exigências violariam acordos anteriores assinados com o Brasil. "Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos", enfatizava o comunicado, em resposta à futura cobrança de que se submetessem ao exame Revalida, aplicado a cidadãos formados no exterior para poderem ser contratados.

Conheça alguns números do Mais Médicos
- No Rio Grande do Sul
* Municípios com o programa: 384
* Total de vagas: 1.310
* Intercambistas: 390
* Cubanos: 625
* Com CRM do Brasil: 186
* Vagas em aberto: 109
* Impacto estimado com a saída dos cubanos: 2,5 milhões de pessoas desassistidas

- No Brasil
* Médicos cubanos: 8.332 profissionais
* Impacto estimado com a saída: mais de 28 milhões de pessoas desassistidas

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