Índices preocupantes

Pandemia causou impactos alarmantes na saúde mental de estudantes da UFPel

Estudo inédito realizado na instituição aponta indícios de ansiedade e depressão acima da média mundial

Foto: Carlos Queiroz - DP - Alunos com histórico de alguma psicopatologia ficaram ainda mais vulneráveis durante a pandemia


Cerca de metade da comunidade da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) apresentou sintomas de ansiedade e depressão durante o auge da pandemia da Covid-19, aponta um estudo realizado pela própria instituição. Os estudantes de graduação foram os mais atingidos, com índices de 49,1% para depressão e 60,5% para ansiedade. A prevalência geral para ambas condições foi de 39,2% e 52,5%, respectivamente, do público interno.

Os resultados foram obtidos após análise de questionário virtual realizado entre julho e agosto de 2020, e divulgados no início desta semana. Foram 2,8 mil pessoas avaliadas, sendo 58% deles estudantes de graduação. As perguntas buscavam avaliar sintomas de depressão, ansiedade generalizada, histórico de saúde mental e possíveis efeitos do distanciamento social nesse cenário. Uma das conclusões foi que alunos com histórico de alguma psicopatologia ficaram ainda mais vulneráveis. A faixa etária mais prevalente entre os graduandos foi entre 18 e 21 anos (40,9%) e entre os pós-graduandos entre 25 e 30 anos (44,9%).Tanto no corpo docente quanto no administrativo, a maioria dos participantes tinha 42 anos ou mais.

Professora da faculdade de Odontologia e uma das responsáveis pelo estudo, junto com outros seis autores, Mariana Cademartori diz que os efeitos foram sentidos em todos os níveis de atividades dentro da instituição. O questionário foi enviado em massa para mensurar sinais e sintomas de depressão e ansiedade. Ela aponta que, na UFPel, a prevalência é acima da média das outras instituições, considerando a comparação com uma revisão sistemática (que compila dados de diversos outros estudos similares para apontar uma média).

Mariana diz que a hipótese é que os alunos já vinham com uma carga elevada de problemas de saúde mental e a pandemia fez a questão disparar. "Nosso estudo vem para fortalecer a importância de conversar sobre saúde mental", aponta. Segundo ela, é possível que todas as mudanças causadas pela pandemia, como limitações de acesso, distanciamento social e outros pontos tenham aumentado essa sobrecarga. Outro ponto que o estudo identificou é que estudantes com alta prevalência seguiam um isolamento rigoroso e já tinham histórico prévio de depressão e ansiedade.

O impacto sentido na prática

Hoje no doutorado em Odontopediatria, Yorrana Corrêa, 26, estava no último semestre de graduação quando a pandemia foi declarada. Ou seja, faltavam apenas atividades práticas para pegar o diploma e ela foi impedida de fazer isso até dezembro. Ela, que é de Santa Vitória do Palmar, ficou até dezembro em casa esperando poder realizar o estágio final. "Era uma incerteza. Foi bem difícil. Eu não tinha nenhum sintoma de ansiedade antes e nessa época comecei a ter. E carrego comigo até hoje", desabafa. Ela diz que o projeto em que alunos da Odontologia vacinaram a população no drive thru ajudou com a volta ao convívio com outras pessoas.

Já Felipe Costa, hoje com 31 anos e no 7º semestre, estava iniciando o segundo ano da graduação, também em Odontologia, quando a pandemia começou. Era quando as atividades práticas iniciariam, o que acabou não ocorrendo, gerando impactos na socialização e no aprendizado. Algumas aulas práticas demoraram pela necessidade de um protocolo de biossegurança, o que fez boa parte da graduação ser apenas teórica. "Ficou muito desvinculado das disciplinas. A gente teve um ano ou mais da parte teórica para a parte prática", lamenta.

Por sua vez, a doutoranda em saúde bucal coletiva, Nathalia Ribeiro, 28, estava iniciando um mestrado e conta que fazia estágio de docência, o que acabou acontecendo apenas no ambiente virtual. "Nas aulas online a gente não tinha tanta participação. A gente ficou em um limbo. Com a retomada das atividades, a gente nota que os alunos têm uma dificuldade de perguntar. Eles foram bem afetados", analisa.

E nem os responsáveis pela pesquisa ficaram sem sentir o impacto. Mariana iniciou o trabalho como docente na UFPel já durante a pandemia, estando com uma bebê de seis meses em casa. "A gente tinha uma sobrecarga de trabalho e teve que se adaptar às aulas online. Foram atividades muito difíceis", lamenta, dizendo que a falta de conversas amplas que a sala de aula proporciona foram sentidas. "Era uma sensação de impotência."

Efeitos do estudo na prática

"Esses dados são realmente alarmantes", aponta um dos responsáveis pelo estudo e pró-reitor de Pesquisa e Graduação da UFPel, Flávio Demarco. Segundo ele, a gestão pretende implementar ainda mais programas de acompanhamento psicológico, através de acolhimento e encaminhamento para os serviços de saúde do Município. Segundo ele, os alunos mais vulneráveis financeiramente e os de fora de Pelotas contam com políticas de permanência para se estabelecer na cidade. "Outras medidas estão sendo discutidas dentro da gestão, de como a gente poderia ampliar essas questões", reforça, dizendo que há também programas de acompanhamento do processo de aprendizagem.

Demarco diz que, além da publicação do artigo, ele será encaminhado ao Ministério da Educação e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para ajudar a estruturar uma política nacional de enfrentamento. "Especialmente tendo em vista que os problemas de saúde mental se agravaram após a pandemia e tendem a ser, em 2050, a doença crônica mais prevalente no mundo."


Sintomas de depressão:

Estudantes de graduação 49,1%
pós-graduação 38,7%
Servidores 15,5%
Corpo docente 14,7%

Sintomas de ansiedade:
Estudantes de graduação 60,5%
pós-graduação 53,7%
Servidores 32,4%
Corpo docente 31,1%

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