Reconhecimento

Pelotense é capa do jornal The News York Times

Enfermeira pelotense foi capa do jornal estadunidense e contou ao DP detalhes sobre trabalho de combate ao novo coronavírus

Há dois meses, a enfermeira Amanda Ramalho, de 33 anos, fez um exame que mudaria sua vida. Foi o dia em que ela testou o primeiro paciente para Covid-19. Desde este momento, tudo foi diferente. Passaram a predominar sentimentos como o medo, a angústia e uma preocupação ainda maior com o próximo. Precisou se afastar da família. Diariamente, ela repete o trajeto entre sua casa e a UPA Areal, onde trabalha. A experiência de estar frente a frente com a morte, ao exercer a profissão que tanto ama, exige sacrifícios duros e deixa marcas na pelotense, que foi capa do The New York Times esta semana. 

“Eu não saio de casa, não vejo meus amigos. Vou de casa para a UPA e da UPA para casa. Tomo todos os cuidados possíveis para não me contaminar e não ter o risco de transmitir para outras pessoas”, conta. Este cuidado de Amanda é motivado por todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo ambiente de trabalho na UPA Areal. Na profissão há dez anos, ela é a responsável-técnica dos atendimentos e atua no setor de emergências. Os protocolos da unidade mudaram de acordo com o avanço do vírus na cidade, cujos registros apontam 45 casos até esta quinta-feira (14). Há cerca de duas semanas, a linha de trabalho na unidade foi modificada e pacientes que já testaram positivo para o coronavírus e que apresentam sintomas como falta de ar têm sido encaminhados ao Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel). Os funcionários recebem todos os equipamentos de Profilaxia Pós-Exposição (PPE), já projetados para garantir a segurança de profissionais que estiveram em contato com o vírus. “Quando iniciaram os casos de transmissão comunitária, paramos de fazer testes. Passamos a atender e direcionar pacientes. Quando precisa de internação, é encaminhado para o Hospital Escola. Faz duas semanas que passamos pacientes que já sabemos que estão com Covid”, relata. 

Formada em Enfermagem pela UFPel, a relação de Amanda com a profissão começa no cinema. Ela conta que, quando mais nova, assistiu a um filme de guerra e que lhe chamou a atenção uma enfermeira no meio do conflito. “Me despertou neste momento. Eu via a enfermeira ajudando a cuidar dos feridos e este foi o início da minha história com a área”, lembra. A pelotense possui mestrado e está em fase de conclusão do doutorado na UFPel, cujo tema central é a pesquisa de medicamentos que são prescritos para idosos, mas que, sob certa perspectiva, não deveriam ser receitados para estes pacientes. Ao longo da jornada enquanto estudante e, posteriormente, profissional da área, ela afirma nunca ter cogitado que a saúde pública poderia passar por uma situação parecida. “Eu me formei em 2009, durante a epidemia da H1N1. Imaginei que, ao longo da carreira, aquele seria um extremo que talvez eu pudesse viver como enfermeira. Mas nunca pensei que trabalharia em meio a este cenário”, conta a enfermeira. 

Segurança ilusória

O Brasil já registra aproximadamente 13 mil mortes. Em Pelotas, ainda não foi confirmado nenhum óbito. Pela situação da cidade estar enquadrada como bandeira laranja e classificada como perigo médio, a enfermeira acredita que se criou uma falsa sensação de segurança entre os pelotenses. “Nós estamos travando uma guerra invisível. Não enxergamos o nosso inimigo, mas ele está ali. Infelizmente, parece que nós, enquanto profissionais da saúde, estamos sozinhos nesta batalha. As pessoas não percebem que a saudade é difícil para todos. Todos queremos manter contatos com a família, amigos e sair aos finais de semana. Eu saio pra rua e vejo as pessoas vivendo como se nada estivesse acontecendo e isso me deixa bastante preocupada”, desabafa Amanda.

A enfermeira ainda destaca que, pelo fato de não existir testes disponíveis para todos os cidadãos, não há como afirmar o verdadeiro contingente de pessoas contaminadas. Desta forma, esta sensação de segurança subestima o vírus e não há um embasamento científico condizente que justifique este retorno à normalidade. “Nós não fazemos testagens em massa, como acontece na Itália e em outros países. Apesar dos decretos, a gente não sabe de fato se a pessoa que está ao nosso lado tem ou não a Covid-19. Mesmo com as máscaras, existe o risco da contaminação. É preciso que se tenha esse cuidado, porque a situação pode piorar na cidade”, analisa.

Da campanha à verba para a UPA

Pelas redes sociais da enfermeira, é possível acompanhar a rotina de uma profissional que está na linha de frente do combate contra o vírus. As postagens fizeram com que ela fosse convidada para participar de uma campanha da Unilever. Posteriormente, surgiu a proposta do jornal The New York Times para escrever um relato sobre a rotina dela nos atendimentos a pacientes que possuem a Covid-19. "A campanha acabou chamando a atenção do jornal, que entrou em contato. Conversamos e escrevi o relato para representar tantos colegas que estão diariamente na luta para salvar vidas e que, infelizmente, às vezes não têm os equipamentos mais apropriados para prestar este serviço", afirma Amanda. A UPA Areal será contemplada com 10 mil euros, cerca de R$ 72 mil, pela Unilever, empresa proprietária da marca Dove.

Confira o vídeo:

O relato de Amanda ao NYT

“Eu estou com medo! Eu nunca pensei que estaria vivendo nessa situação bélica. Ainda assim, fico feliz em ajudar e tenho muito cuidado para não ser contaminada. O hospital nos fornece os P.P.E, mas eu compro mais com meu próprio dinheiro, como alguns óculos que eram mais confortáveis do que os padrão fornecidos. Desde que estamos usando o P.P.E, temos que estar conscientes de ir ao banheiro. Às vezes, eu esqueço de ir ao banheiro completamente. O primeiro teste que realizei em um paciente para Covid-19 foi em 12 de março. Não abracei mais ninguém desde então. Fui ver minha família uma vez, mas não saí do carro. Eu moro sozinha. Sinto muita falta da minha família e amigos”

O relato foi publicado na edição de segunda-feira. O texto reuniu o depoimento de diversas enfermeiras ao redor do mundo.

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