Esperança
Pescadores seguem à espera de redes fartas
A pouco mais de um mês da abertura da safra, eles voltam a sonhar com camarão em abundância; previsão de um janeiro seco deve contribuir para que a Lagoa dos Patos salgue e o crustáceo se desenvolva
Paulo Rossi -
A pouco mais de um mês para o começo da safra de camarão, a esperança volta a se espalhar pela Colônia de Pescadores Z-3, em Pelotas. Depois de quatro anos de frustração, dívidas acumuladas e redes praticamente vazias, os trabalhadores artesanais sonham com fartura, mas fincam os pés na realidade. Sabem que pouco podem fazer para influenciar nos resultados que estão por vir. Resta orar e pedir que a natureza os privilegie.
E é o que finalmente deve ocorrer no Rio Grande do Sul neste verão de 2018. O mês de dezembro chega ao fim como o mais seco desde 2013 no Estado. E as boas notícias para os pescadores não param por aí.
Prognóstico da Metsul Meteorologia aponta: sob influencia do La Niña, o janeiro também promete chuvas abaixo da média. E ainda que possam cair pancadas intensas - típicas de temporais de verão -, o fenômeno não deverá ocorrer de forma generalizada no território gaúcho - explica a meteorologista Estael Sias.
É outra razão para comemorar. Na prática, os episódios de chuva poderão nem impactar sobre o nível da Lagoa dos Patos; condição favorável para a entrada da água salgada ao longo destes 35 dias que separam os trabalhadores da abertura da safra, em 1º de fevereiro.
Com safras frustadas, aposentadoria tem garantido a renda de Clair Costa, 67 (Foto: Paulo Rossi)
Mesmo na crise, esperança é renovada
As dívidas com os bancos se acumulam. Muitos sequer conseguiram renegociar os empréstimos. A cada nova safra, portanto, as esperanças se renovam. E se o tripé tempo seco, altas temperaturas e vento Sul (para trazer a água salobra) se confirmar, muitos pescadores tendem a correr novamente às instituições financeiras.
Desta vez, para poder investir em equipamentos que permitam trazer fartura para casa. "Os apetrechos estão parados. Para poder trabalhar, muita gente vai ter que investir em material", resume o presidente do Sindicato dos Pescadores da Colônia Z-3, Nilmar da Conceição.
Para Clair Costa, 67, o momento, claro, é de preparativos. Mas é também de cautela. "Estamos na expectativa. Não pode cair nem sereno", descontrai. E admite: o fato de ele e a mulher serem aposentados coloca a família em situação mais confortável. Ainda que as redes voltassem a ficar vazias, teriam renda para suprir as despesas básicas.
De volta: durante a crise, Gladir Rodrigues, 29, chegou a mudar de atividade (Foto: Paulo Rossi)
Não foi o que ocorreu com o jovem Gladir Rodrigues, 29. Com safras absolutamente frustradas, buscou serviço fora da pescaria nos últimos anos. Permaneceu na Z-3 apenas como morador. Os recursos vinham da zona urbana, em emprego no transporte coletivo. "Agora, decidi voltar para a ilusão e esperar pela natureza", conta, entre um nó e outro na rede que, em breve, deve ser arremessada às águas para trazer não só a produção. Mas para alimentar sonhos de uma nova vida em 2018.
O que indicam os estudos da Furg
O monitoramento realizado pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg) indica: a lagoa ainda está sob muita influência de água doce, que escoa pela Barra e impede a entrada das pós-larvas de camarão. É um cenário que reflete a longa e intensa anomalia positiva de temperatura no Oceano Pacífico, o El Niño que ocorreu em anos anteriores, mas ainda exerce influência no regime de vazão da Lagoa dos Patos - explica o professor do Instituto de Oceanografia, Luiz Felipe Dumont.
"Essa fase positiva se reverteu em levemente negativa, o que é uma boa notícia para os pescadores e confirma a percepção deles de que haverá alguma produção de camarão na safra que chega", enfatiza o pesquisador. Mas, diante dos dados de produção do crustáceo na Zona Sul - acompanhados desde a década de 1970 -, o doutor em Oceanografia afirma: a captura deverá ficar longe das três mil toneladas da média histórica.
Saiba mais
- Cerca de 800 pescadores da Colônia Z-3 estão habilitados a atuar na próxima safra
- Em todo o estuário da Lagoa dos Patos são aproximadamente quatro mil trabalhadores artesanais, na região
- Dados monitorados pela Furg, desde a década de 1970, indicam que a média histórica é de três mil toneladas de camarão, por safra, em toda a Zona Sul; alguns anos mais, alguns menos. A maior produção já registrada na região foi de oito mil toneladas de camarão.
E a fábrica de gelo?
A retomada da fábrica de gelo, fechada pela última vez em outubro de 2015, deve voltar à pauta nos primeiros meses de 2018. Quem garante é o secretário de Desenvolvimento Rural, Jair Seidel. Quem aguarda por resposta são os integrantes da Colônia de Pescadores e Apicultores de Pelotas, que desde julho do ano passado reivindicam a possibilidade de assumir a Unidade, através de comodato assinado com a prefeitura.
"A estrutura tá cada vez mais destruída. Hoje, a fábrica se transformou em ponto de droga e em motel", lamenta o vice-presidente da Colônia, Eduardo Estanislau. E admite: para tomarem à frente da Unidade, hoje, um novo estudo teria de indicar os custos mínimos para colocá-la em operação e levar vantagens aos pescadores.
Ofertar o gelo a preço acessível seria apenas uma delas. A ideia inicial era de que a Colônia pudesse comprar, pelo menos, parte da produção dos sócios para estocagem nas câmaras frias e venda por valores que garantissem uma fatia maior do que quando ficam limitados a negociar o pescado com os donos das salgas.
O secretário de Desenvolvimento Rural assegura que o tema voltará a ser tratado e um orçamento deverá indicar quanto precisará ser investido. "Precisaremos fazer uma avaliação para poder buscar os recursos. O município, por si só, não deverá ter o dinheiro disponível", explica. E adianta: para as tratativas evoluírem, o grupo teria de apresentar um planejamento de trabalho.
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