Ciência
Pesquisadores brasileiros criticam forma como governos tem lidado com mircrocefalia
Artigo de especialistas da UFPel pede cautela sobre casos, diagnósticos e relação com zika vírus
O Brasil enfrenta um surto de zika vírus, transmitido pelo mesmo mosquito da dengue. E um dos principais medos da população está na possível relação dele com casos de microcefalia - doença em que crianças nascem com cabeça e cérebro menores - como alardeado pelo Ministério da Saúde.
Enquanto registros do vírus começam a pipocar pelo planeta e órgãos internacionais emitem notas de alerta, um grupo de pesquisadores brasileiros lança um outro olhar sobre o caso ao questionar, através de um artigo, ações do Ministério e origens e divulgação de registros de casos suspeitos do distúrbio neurológico no país.
O artigo intitulado Microcephaly in Brazil: how to interpret reported numbers? (Microcefalia no Brasil: como interpretar os números divulgados?, em tradução livre) foi publicado em inglês no último sábado pelo tradicional periódico médico The Lancet.
O grupo de autores é capitaneado pelos professores do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Cesar Victora e Fernando Barros, e formado ainda por profissionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Os pesquisadores analisam - principalmente - critérios para diagnóstico e falam em números superestimados de registros. Nos últimos meses, foram notificados 4.783 casos suspeitos, incluindo mortos recém-nascidos e fetais. Destes, 1.103 passaram por exames mais rigorosos e 404 (36,2%) foram classificados como confirmados. Entre os reconhecidos, apenas 17 foram detectados com o zika vírus. Os outros 709 casos foram descartados e 3.670 continuam sob investigação.
De acordo com o artigo, o aumento de casos suspeitos pode estar distorcido pela conscientização de profissionais de saúde e da população, resultando em número maior de crianças examinadas. O bombardeio da mídia sobre o zika e a microcefalia poderia também contribuir com o elevado número de falsos positivos. Mas entre os fatores, o diagnóstico estaria entre as principais causas de problemas com relação à fidelidade dos dados.
Diagnóstico
A principal forma de identificar casos suspeitos é através da medição da circunferência da cabeça do 0recém-nascido. Até o dia 8 de dezembro de 2015, o Ministério da Saúde estipulava que crianças com circunferência da cabeça menor ou igual a 33 centímetros seriam suspeitas de microcefalia. A definição foi revisada ainda em dezembro e o critério foi reduzido para menor ou igual a 32 centímetros.
Mesmo com este diagnóstico precoce, quando examinadas, muitas destas crianças são consideradas normais e saudáveis, como comprova o número atual de casos descartados entre os 1.103.
A possibilidade de excesso de informação e erro de diagnóstico também foi recentemente apontada em relatório da Rede Latino-Americana de Malformações Congênitas. O grupo de pesquisadores brasileiros ainda alega que é preciso levar em conta o fato de que 68,1% dos recém-nascidos no país possuem menos de 40 semanas. Além disso, a maioria dos casos de infecção pelo vírus não deixa sequelas, mas foram os registros recentes de casos suspeitos de microcefalia em algumas áreas de transmissão no nordeste do país que criaram originalmente o alerta.
Para os especialistas, os governos deveriam dedicar menos esforços na divulgação de casos suspeitos e mais para investigar de forma aprofundada cada situação.
Procurados pelo Diário Popular, representantes do grupo decidiram não dar declarações à imprensa sobre o artigo. O Diário Popular pediu posições do Ministério da Saúde sobre as questões levantadas, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
Dúvidas
Mesmo sem relação direta, o pedido de cautela dos especialistas brasileiros foi acompanhado por manifestação da Organização Mundial da Saúde (OMS) solicitando mais pesquisas sobre a possível relação entre o zika e a microcefalia.
A Organização das Nações Unidas (ONU) busca entender porque os casos da doença neurológica estão concentrados no Brasil e se o zika é mesmo o único responsável pela microcefalia, de acordo com o porta-voz, Christian Lindmeier.
Segundo informações da EBC, a OMS confirmou ter encontrado o vírus no sangue e no sêmen, mas as condições da transmissão ainda não estão completamente claras. Os pesquisadores buscam descobrir, por exemplo, por quanto tempo após a infecção o zika pode ser transmitido para outra pessoa.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário