Pacto Pelotas pela Paz

Prefeitura de Pelotas prepara Código de Convivência

A prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) planeja enviar à Câmara de Vereadores o texto finalizado do projeto de lei até o dia 20

Existe uma certeza dentro da prefeitura: a redução da violência não requer apenas reforço no policiamento, exige também uma mudança no comportamento dos pelotenses. E a aposta para tentar promover isso é a adoção de novas normas de convivência rigidamente fiscalizadas por agentes municipais. Inclusive com multas para quem infringir as regras. Consciente da polêmica que representa a proposta, a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) esconde o jogo e não revela o que está sobre a mesa de discussão. Mas planeja enviar à Câmara de Vereadores o texto finalizado do projeto de lei até o dia 20.

Cercado de dúvidas e polêmicas desde que foi cogitado como parte do Pacto Pelotas pela Paz, o Código de Convivência está em fase final de elaboração. Após uma série de reuniões no Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M) em que foram apresentadas sugestões, o documento atual conta com pouco mais de 60 artigos. Mesmo que esteja recebendo avaliações e modificações de órgãos de segurança, de membros do Judiciário e secretários municipais, caberá à prefeita definir o que irá ou não para votação no Legislativo. Se possível, Paula pretende sancionar a lei ainda em 2017 para aplicá-la em 2018.

"A iniciativa apontará parâmetros para o município fiscalizar administrativamente delitos cometidos em vias públicas, áreas de uso comuns, que representem fatores de risco à segurança e os que causem perturbação do sossego público", resume Paula, sem dar detalhes de que parâmetros são esses. No entanto, alguns deles já estão bem encaminhados. Condutas como portar falsas armas de fogo, mesmo que não estejam sendo utilizadas para roubos ou assaltos, serão passíveis de autuação. Algo que não ocorre hoje, quando policiais só podem apreender o objeto e registrar ocorrência caso haja flagrante de crime.

Outros exemplos de violações ao Código de Convivência serão a perturbação do sossego público e as brigas que resultem em agressões físicas. No entanto, nenhum tema causa mais cuidado ao ser discutido do que as restrições ao consumo de bebidas alcoólicas. Nos moldes da lei aprovada em Passo Fundo - e que já multou mais de 40 pessoas -, o objetivo é proibir o uso nas ruas, deixando restrito aos estabelecimentos. É estudada ainda a possibilidade de definir horários para o comércio de bebidas.

Prevendo debates acalorados, o próprio secretário de Segurança Pública (SSP), Aldo Bruno Ferreira, trata de justificar a iniciativa de coibir o uso de álcool em locais públicos. Segundo ele, não haverá proibição da venda, mas sim um regramento do consumo. "Isso é para que não tenhamos cenários como aqueles que vemos hoje, por exemplo, no entorno da Universidade Católica ou tenhamos que lidar com índices de violência preocupantes desencadeados pelo abuso da bebida", argumenta.

Pesquisas, fiscalização e multas
Elencado por Paula Mascarenhas como fundamental para conter a curva crescente da violência urbana em Pelotas nos últimos anos, o Código de Convivência se baseia em iniciativas semelhantes aplicadas na Colômbia e Estados Unidos. Entretanto, leva em conta também dados sobre a realidade local apontados pelo Instituto Pesquisas de Opinião (IPO). Conforme o estudo, há muito mais pelotenses que já foram agredidos ou vítimas de delitos do que o apontado nos boletins de ocorrência (veja os dados a seguir).

Para o diretor-presidente do Instituto Cidade Segura e consultor do Pacto Pelotas pela Paz, Alberto Kopittke, o cumprimento de um código de conduta é o primeiro passo para enfrentar o que classifica como "pequenas violências" do dia a dia. "Pesquisas de vitimização apontam uma grande subnotificação de agressões físicas e outros tipos de violências. E elas fazem parte de um contexto maior de criminalidade que precisa ser enfrentado", diz.

Quanto à fiscalização das regras, caberá à Guarda Municipal. Mesmo que os flagrantes possam ser feitos pela polícia, os responsáveis por autuar serão os agentes da GM. O valor de cada infração devem variar entre meia e dez Unidades de Referência Municipal (URMs), conforme a gravidade da infração e a reincidência. Os valores correspondem a R$ 53,72 para a multa mínima e R$ 1.074,50 para a máxima.

Os exemplos
Passo Fundo - Em vigor desde 11 de julho, a Lei 5.240/2017 proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos, exceto em eventos com autorização prévia da prefeitura ou regiões de domínio de bares, quiosques, lanchonetes, restaurantes e casas de eventos. As multas para quem consumir em áreas públicas são de R$ 167,50 na primeira autuação. As reincidências custam R$ 335 e R$ 502,50.

Colômbia - Desde janeiro o país conta com o Código Nacional de Polícia e Convivência (Lei 1801/2016), que regula 2200 comportamentos relacionados a condutas dos cidadãos, combate à violência, meios e procedimentos policiais, proteção do meio ambiente e de animais, conservação do patrimônio, urbanismo e vigilância em saúde pública. É inspirado em lei semelhante aplicada desde 2003 em Bogotá e que reduziu os homicídios em 75% em dez anos. A lei nacional permite, por exemplo, multar em até R$ 770 pessoas envolvidas em brigas, mesmo que não resultem em lesões graves.

Nova Iorque - A partir de janeiro de 1994 a cidade passou a ampliar a utilização de normas administrativas para combater a violência através do que ficou conhecido como "Tolerância Zero". Associada ao Direito Penal, e baseada na "Teoria das Janelas Quebradas", a ação centrou foco em pequenos delitos e violências como forma de evitar crimes mais graves. Em pouco mais de dois anos os crimes violentos foram reduzidos em 39% e 50% os homicídios.

Três perguntas para Alberto Kopittke, diretor-presidente do Instituto Cidade Segura e consultor do Pacto Pelotas pela Pazi:

DP O Código de Convivência é inspirado em iniciativas de outras cidades?

AK A ideia é baseada na experiência da Colômbia, que criou no fim do ano passado um Código de Convivência inspirado no de Bogotá, que reduziu os homicídios estabelecendo regras para pequenas violências e perturbações, tirando a carga sobre o Direito Penal. Há inspiração também no que foi feito em Nova Iorque, que no primeiro ano após iniciar o seu Código reduziu os homicídios, brigas, estupros e outras ações associadas ao consumo de álcool e drogas. Aqui no Brasil temos o exemplo de Diadema, que em 2001 restringiu o consumo de álcool e reduziu em mais de 90% a violência em dez anos. No Estado, temos Passo Fundo, que há dois meses proibiu o consumo de álcool na rua e passou a aplicar multas, já foram 40.

DP A proposta aparentemente tem como foco somente ações de repressão. Esse é o objetivo?

AK O foco é, acima de tudo, prevenir pequenas violências que hoje ficam esquecidas nas políticas de segurança. Estamos esquecendo de olhar os pequenos sintomas dessa doença social. O Código de Convivência é uma proposta surgida na construção do Pacto Pelotas pela Paz porque, mais do que fortalecer a fiscalização e reduzir os índices de criminalidade, precisamos de uma nova legislação.

DP Algumas medidas, como as relacionadas ao consumo de álcool, devem gerar muito debate na Câmara. Como lidar com estas reações no parlamento e na sociedade?

AK Temos pesquisas de vitimização realizadas em Pelotas que apontam uma grande subnotificação de ocorrências de agressões físicas e outros tipos de pequenas violências. Muitas delas tem relação direta com o álcool. O Código de Convivência ainda está em construção, mas é importante que fique claro: não se está propondo uma lei seca, como chegou a ser comentado em boatos. A ideia é regrar, ter locais e horários para o consumo, ficando no bar e não nas ruas. Creio que tudo será bem explicado e as pessoas vão entender, especialmente conhecendo as experiências que deram certo. É um assunto técnico e que tem como principal objetivo a proteção do cidadão, especialmente crianças e adolescentes.

A violência do dia a dia
Entrevistas realizadas pelo Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) apontam que grande parte da população pelotense é vítima de pequenas violências ou perturbações e não registra ocorrência. Parte delas poderá estar na lista de possíveis punições do Código de Convivência.

Perturbação do sossego
Vítimas: 26% (70 mil pessoas)
Registros: 4.537
Subnotificação: 77%

Roubo
Vítimas: 7,7% (19 mil pessoas)
Registros: 4.537
Subnotificação: 77%

Furto
Vítimas: 9,4% (24 mil pessoas)
Registros: 4.606
Subnotificação: 80%

Ameaças graves
Vítimas: 8,2% (21 mil pessoas)
Registros: 3.275
Subnotificação: 80%

Agressão física
Vítimas: 3,8% (9 mil pessoas)
Registros: 2.188
Subnotificação: 77%

Mulheres agarradas ou tocadas
Alguma vez: 16%
Último ano: 4%
Subnotificação: 75%

Estupro
Alguma vez: 2,3% das pessoas
Último ano: 0,3%
Subnotificação: 32%

Adolescentes e álcool/drogas
63% das pessoas já presenciaram consumo de álcool
67% das pessoas já presenciaram uso de drogas ilícitas

Saídas noturnas
28% dos pelotenses evita sair de casa à noite

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