Consumidor
Profissões que resistem ao tempo e à tecnologia
Consertar malas, máquinas de escrever e relógios mecânicos ainda está em alta em Pelotas
Gabriel Huth -
Quem nos dias atuais mandaria consertar uma máquina de escrever, um relógio de pulso ou até mesmo uma bolsa ou mala? Em Pelotas, em tempos de crise, muitos consumidores ainda apostam na manutenção de peças antigas e atuais, garantindo assim mercado para serviços praticamente artesanais. Dar uma roupagem nova para algo antigo ou estragado pode ser, sim, sinônimo de economia.
Para a professora do Departamento de Economia e de Programa de Pós-Graduação em Organizações e Mercados da UFPel, Julia Ziero Uhr, haverá espaço para serviços artesanais se fatores como custos de produção, preço de venda, regulamentações existentes (impostos, taxas, necessidade de licenças e registros), renda e preferências dos possíveis consumidores e o tamanho do mercado forem atendidos. As três profissões que ainda resistem ao tempo, garimpadas pela reportagem, estão adequadas aos padrões da cidade. E os responsáveis por elas não têm do que reclamar.
O relojoeiro Isaac Lima Tomaz da Silva, de 68 anos, está com uma raridade em mãos. Um relógio de bolso com o escudo real da Espanha. O aposentado Cláudio Ben-Hur Cunha de Arruda, de 73 anos, costuma percorrer escritórios da cidade com sua maleta mágica consertando máquinas de escrever. Ele chegou a ser intimado por um cliente a "não morrer". Nilo de Oliveira Foster, de 81 anos, teve de achar uma brecha na agenda para atender a reportagem. Na loja Fábrica de Bolsas Esperança, a pilha de mochilas, bolsas e malas ocupa grande parte do seu tempo, graças a Deus, segundo o aposentado.
"É importante ressaltar que esses fatores são dinâmicos e se alteram no tempo. Não são iguais para todas as localidades. Por isso, em geral, a oferta de serviços é muito mais diversificada em cidades cosmopolitas, grandes, com nível de renda médio mais elevado e com maior variabilidade nas preferências dos consumidores", diz a professora. Ela lembra sobre os rumores de que as livrarias tradicionais e a profissão de livreiro estavam fadadas à extinção devido à concorrência com livros digitais. Entretanto, hoje os sebos on-line estão em alta. "As pessoas ainda gostam do livro físico." Pelotas está longe de ser uma cidade cosmopolita, mas suas livrarias e os sebos são bastantes frequentados. "É uma questão de preferências associadas à renda disponível para consumo."
Ao estilo de cada um
O artesão Nilo Foster atualmente trabalha no conserto da fechadura de uma bolsa preta. O segredo da peça única exige do profissional tempo e muita paciência. Enquanto isso, malas, mochilas e outras bolsas ficam à espera de uma solução. A ajuda do colega Venâncio Gonçalves Vaz, de 74 anos, ex-trabalhador da Correaria Padilha e Botas Bonini, possibilita as entregas em dia. "Essa atividade faz parte da minha vida", diz Vaz, há dez anos aposentado.
Para a vida eterna
A mesma rotina frenética vive o aposentado Ben-Hur. Mas teve o dia em que o aposentado pensou que, ao fechar sua oficina, seria o fim. Ledo engano. Acompanhado de suas ferramentas, o atendimento a domicílio agradou a clientela, que é cada vez mais significativa. "Não sei explicar o porquê de algumas pessoas preferirem datilografar. Sei que muitos serviços ainda dependem da máquina de escrever. Há quem datilografe o texto e depois passe para o computador." Para chegar ao nível de profissionalismo, foram nove cursos e um período de trabalho na empresa Olivetti, em São Paulo. Várias peças do Diário Popular, inclusive, passaram pelas mãos de Ben-Hur. Outros são colecionadores, que prezam pelo equipamento.
Direto da Suíça
Através da porta lateral da pequena loja, com 60 anos de atividades no mercado pelotense, é possível avistar um senhor de estatura média, extremamente concentrado em seu ofício. Para Isaac Lima Tomaz da Silva, manusear micropeças é mais do que um desafio: é uma paixão. Sua atual tarefa é deixar em pleno funcionamento um relógio de bolso com um escudo real espanhol que remete à data de bodas de ouro. Para isso, o profissional mantém contatos com os "fornituras" de São Paulo e Rio de Janeiro. Com experiência de quem passou um ano em Berna, a capital da Suíça e dos relógios, Isaac jamais recusou-se a trocar a pilha de uma peça.
Risco de extinção
Além da paixão pelo ofício, outro ponto em comum entre os entrevistados é que nenhum de seus filhos se interessou pela profissão. "Os familiares não terem seguido na atividade não indica absolutamente nada. Hoje é muito mais comum os filhos seguirem outro segmento porque existe uma diversidade enorme de profissões possíveis e ganhos diversos", diz a especialista. Para Julia, com o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico as pessoas têm muito mais liberdade para escolher seu próprio caminho e se distanciarem das escolhas dos pais ou familiares. Isso é um processo normal e desejável. Mas enquanto isso não ocorre, os sons do tic-tac e do dedilhar dos teclados ainda irão ecoar muito pela cidade, assim como o zíper de malas e bolsas reformadas e personalizadas.
Fique por dentro
Bolsas Esperança - rua Voluntários da Pátria, 1.185
Relojoaria Munhoz - rua Tiradentes, 2.516
Conserto de máquina de escrever Ben-Hur - (53) 98133-3441
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