Conquista

Prontos para superar barreiras

Jovens surdos, que passaram por projeto da UFPel, lutam para conseguir espaço no mercado

Carlos Queiroz -

A alegria se justifica. Os 18 anos vieram acompanhados da primeira assinatura na Carteira de Trabalho. Mas o sorriso se espalha fácil pelo rosto por mais um motivo, nobre e inédito. O jovem Adriano Leite Melo é o único técnico, surdo, que ocupa vaga em laboratório de patologia de Pelotas. Levantamento extraoficial aponta que o feito não se repete em nenhuma outra cidade do Rio Grande do Sul e do Brasil.

E não é por falta de mão de obra qualificada. Um projeto do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) capacitou alunos da rede pública de ensino, entre os anos de 2014 e 2016 - através da Língua Brasileira de Sinais (Libras) -, tanto para atuarem em laboratórios de patologia, quanto em limpeza de materiais, o que expandia as possibilidades de trabalharem também em estabelecimentos de análises clínicas.

Na prática, entretanto, o aproveitamento foi baixo. O mercado não absorveu os estudantes para a tarefa que haviam sido preparados, como se planejava - lamenta a coordenadora do projeto, a professora Rosângela Rodrigues. E garante: o preconceito não se justifica. “As pessoas surdas não precisam desempenhar só tarefas administrativas, como em geral ocorre. Queremos vê-los envolvidos em atividades técnicas e científicas”, defende.

Determinação de sobra
O pedro-osoriense não esconde a satisfação com a oportunidade, que agarra com força. Com dedicação. Ao conversar com o Diário Popular, Adriano Melo, explica um pouco da rotina, que passa por concentração, verificação de códigos, identificação de frascos, pesagem, tempo cronometrado, uso de processador... “É quase como cuidar um filho”, descontrai o jovem, ao ressaltar a minúcia com que realiza o passo a passo.

E, nesse dia a dia no Centro de Anatomia Patológica, ele e as colegas de setor desenvolvem técnicas de comunicação. Uma troca de conhecimento em que todos ganham, para além da experiência profissional. É o suficiente para Adriano projetar o ingresso no Ensino Superior; quem sabe na faculdade de Farmácia. São sonhos que o movem e o jovem vai lá: supera barreiras e conquista, como a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), para carro e moto. “Quero evoluir”, reforça.

E não deixa de destacar os anseios do irmão João, 20, que também participou do projeto da UFPel e cruza os dedos por uma oportunidade no mercado de trabalho. “Muitas vezes o surdo acaba se limitando por receio de não ser aceito”, resume o jovem. Mas, comprova: é possível desbravar caminhos.

Outras colocações
As atividades dos cursos Técnicas Histológicas e de Imuno-histoquímica em Libras já haviam se encerrado, mas, ao longo de todo o ano passado, o projeto do Instituto de Biologia ainda buscou inseri-los no mercado; não apenas em laboratórios. Os adolescentes também foram encaminhados a experiências como Jovem Aprendiz e a vagas em lojas, farmácias e supermercados. Alguns já estão na faculdade, em áreas como Letras-Libras e Administração. Um deles, inclusive, passou por curso de Modelo.

Descompasso entre lei e realidade
Os oito anos de militância, à frente da comunidade surda, permitem afirmar: as grandes empresas - com mais de cem funcionários - contratam os surdos mais pela obrigação legal do que pela formação. E se, não raro, há queixas da falta de qualificação, é fácil compreender o porquê. Quem explica é o ex-presidente da Associação de Surdos de Pelotas, Jean Michel Carrett Farias, 32, e recorre a um descompasso entre lei e realidade.

A legislação que estabelece cotas nas empresas é de 1991. Só em 2017, entretanto, é que as cotas para pessoas com deficiência chegaram às universidades públicas, com o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) também traduzido em Libras. São limitações que não param por aí: “Hoje, quando o surdo tem qualificação, mas não fala ou escreve bem Português, não restam muitas opções. Trabalhar na produção é uma delas”, enfatiza.

E reforça: “Os surdos só precisam de oportunidades, de mais educação e de acessibilidade”. E afirma com o peso de quem conquistou cargo como servidor do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) e vaga no mestrado em Educação da UFPel.

Saiba mais
Dados da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho em Pelotas apontam: existem hoje 290 pessoas com deficiência contratadas por empresas sediadas em Pelotas;  44 delas deficientes auditivos.

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