Maternidade
Quando a redução não basta
Gravidezes na adolescência vem caindo no País e em Pelotas, mas números seguem preocupantes
Carlos Queiroz -
Uma realidade longe de ficar no passado. A gravidez na adolescência ainda é um fato preocupante na sociedade, principalmente em comunidades socialmente mais vulneráveis. Histórico na família de gestação nessa faixa etária, início da vida sexual precoce e, principalmente, a falta de informação e de educação sobre o assunto são os principais motivos apontados por especialistas. Apesar da maior disponibilidade de explicações e pesquisas sobre saúde sexual e reprodutiva através da internet, em locais onde prevalecem famílias de baixa renda o acesso ao mundo virtual ainda é escasso e, por muitas vezes, inexistente. O que prejudica o maior conhecimento, por parte de meninos e meninas, de formas para ter autonomia sobre seu corpo, evitar uma gravidez não intencional e impedir infecções sexualmente transmissíveis, as ISTs.
De acordo com o monitoramento anual feito pela coordenadoria da Rede Materno Infantojuvenil (Remi), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com dados do Departamento de Gestão da Tecnologia da Informação (Portal BI), em 2018, em Pelotas, foram registrados 511 nascimentos com mães adolescentes, o que equivale a 12,08% do total de nascimentos do município. Já em 2019, foi registrada uma redução, com 426 nascimentos. Em 2020 a redução se mantém, com o registro de 376 partos - dados parciais, pois, segundo a pasta, leva até um ano e meio para que todos os registros sejam incluídos no sistema, considerando nascimentos que possam de ocorrido em outras localidades. Neste ano, até o dia 1º de outubro, foram 235 partos de mães adolescentes, com idades entre dez e 19 anos, o que representa uma queda de 2,9 % desde 2018 no município.
Apesar da redução, a situação permanece afastada do ideal
A ginecologista e obstetra Adriane Castagno defende que ainda há falta de uma política mais efetiva neste aspecto, nas três esferas governamentais. "O que poderia ser feito? Trabalhos nas escolas, nos postos de saúde, com a própria família, para tentar explicar os riscos, que tem formas de evitar. A adolescente tem aquela coisa mágica, que acontece com outra pessoa, mas que com ela não vai acontecer. Falta conversa, um programa de educação sexual", analisa a médica, acrescentando que, no Brasil, a cada mil brasileiras entre 15 e 19 anos, 53 vão se tornar mães antes do tempo.
"Elas têm maior probabilidade também de tentar aborto, só que no Brasil ainda não é aceito. Então é feito clandestinamente, usando medicações, em lugares impróprios, aí o que acontece? Aumenta o índice de morte, então a maioria delas morre tentando fazer aborto. A solução é programas do governo sobre educação sexual. Falar sem pudor, na língua deles", sugere.
Entre os fatores mais comuns que levam a gravidezes de adolescentes, a especialista cita abandono, baixo nível financeiro e social, uso de bebidas alcoólicas, histórico de gravidezes precoce na família e submissão ao parceiro. "Muito se vê também que elas têm problemas dentro da família, conflitos, às vezes vergonha de pedir para o parceiro colocar camisinha. Imaturidade e ingenuidade também são alguns motivos, além de violências físicas e sexuais por parentes e até mesmo pessoas bem próximas."
Para evitar problemas mais sérios que podem ocorrer durante uma gestação precoce, a recomendação de Adriane é o acompanhamento permanente através do pré-natal
Uma informação pela metade
A falta de informação fez os planos de vida da Vanessa* mudarem com apenas uma notícia. Aos 17 anos, a jovem que planejava terminar a escola, entrar na faculdade e atuar na área da agropecuária precisou dar uma pausa no planejamento ao saber que estava grávida de Antônio*, hoje com oito meses.
O típico namoro adolescente, escondido dos pais, acabou unindo as famílias. Vanessa* conta que sempre teve a consciência de iniciar as relações sexuais no relacionamento após iniciar o uso de anticoncepcional, sem deixar de usar o preservativo. "Eu comecei a tomar o remédio, mas não sabia que o anticoncepcional tinha que parar quando tu começa a menstruar, e aí a camisinha estourou e mesmo tomando eu engravidei", relata.
A menina mantinha os estudos com as aulas remotas, entretanto, como está apenas com a primeira dose da vacina contra a Covid-19, tem medo de retornar para o presencial e se infectar. A instituição onde Vanessa* estuda já informou que seguirá apenas com o ensino presencial. Porém, ela diz que pretende conversar com a direção da escola para que possa continuar com as atividades à distância.
"Está sendo bem complicado, não me sentia nem um pouco preparada, mas tenho a ajuda dos avós maternos e paternos. Eu me arrependo um pouco, muita coisa a gente perde por causa de filho, muita coisa para nas nossas vidas. Eles deveriam explicar melhor para as pessoas ficarem bem cientes", desabafa. E, tentando evitar que outras meninas passem pelo mesmo, aconselha: "Tomem muito cuidado, porque é uma saída e tu não pode, é uma curtida e tu não pode. Sempre tem eles, as crianças ficam doentes e tu não sabe o que fazer. Se cuidem muito".
O trabalho não pode parar
A coordenadora da Rede Materno Infantojuvenil de Pelotas, Carmem Viegas, informa que atividades de prevenção à gravidez têm sido trabalhadas com o programa Saúde Na Escola, ações que integram as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e os educandários. Por conta da pandemia, admite que algumas iniciativas foram prejudicadas, mas diz que o objetivo é ter a referência de um profissional para poder acolher os adolescentes e auxiliá-los com suas dúvidas, inclusive sobre planejamento sexual e reprodutivo.
"A ideia da redução da gestação na adolescência tem que ser de uma forma articulada, com uma rede intersetorial, independente do ambiente que essa adolescente for atendida. Seja no ambiente escolar, de saúde, da própria Secretaria de Assistência Social. A gente precisa ter um olhar de um todo para essa adolescente e para esse adolescente para que eles possam ter meios de prevenir a gestação precocemente", finaliza.
* Nomes fictícios
Situação no Brasil
Dados do governo federal de fevereiro de 2020 apontam que, no Brasil, cerca de 930 adolescentes e jovens dão à luz todos os dias, totalizando mais de 434,5 mil mães adolescentes por ano. Entre 2000 e 2018 caiu em 40% o número de bebês de mães adolescentes, de 15 a 19 anos. Já entre menores de 15 anos, a queda é de apenas 27%.
O Brasil possui a taxa de 68,4 nascimentos para cada mil adolescentes entre 15 e 19 anos, enquanto a taxa mundial é de 46 nascimentos e da latino-americana de 65,5. A pesquisa Nascer Brasil 2016 informa que 66% das gestações em adolescentes não são planejadas e que 75% das mães adolescentes estavam fora da escola, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2013.
Um estudo do Ministério da Saúde, chamado Saúde Brasil, mostra que 15,3 mortes de bebês são registradas a cada mil nascidos vivos de mães adolescentes.
O que é saúde sexual e reprodutiva?
Segundo o Ministério da Saúde, são todos os aspectos relacionados ao bem-estar e ao exercício saudável, livre e responsável da sexualidade e da reprodução sem qualquer tipo de imposição, violência ou discriminação, sem riscos de infecções sexualmente transmissíveis ou gravidez não intencional, possibilitando que mulheres e homens possam decidir livremente se querem ou não ter filhos(as), com quem, quantos e quando.
Em artigo publicado no periódico médico-científico The Lancet intitulado Accelerate progress - sexual and reproductive health and rights for all: report of the Guttmacher-Lancet Commission ("Acelerar o progresso - saúde sexual e reprodutiva e direitos para todos", em tradução livre), saúde sexual implica que todas as pessoas tenham acesso, dentre outros direitos, ao aconselhamento e cuidados relacionados à sexualidade, à identidade sexual e a relações sexuais. Já, em relação à saúde reprodutiva, esta implica que todas as pessoas tenham acesso a:
- informações precisas sobre o sistema reprodutivo e os serviços necessários para manter a saúde reprodutiva;
- gerenciar a menstruação de forma higiênica, em privacidade e com dignidade;
- acessar serviços multissetoriais para prevenir e responder à violência por parceiro íntimo e outras formas de violência de gênero;
- acessar métodos seguros, eficazes, acessíveis e aceitáveis de contracepção de sua escolha;
- acessar serviços de saúde adequados para garantir gravidez e parto seguros e bebês saudáveis;
- acessar serviços de aborto seguro, incluindo cuidado pós-aborto.
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