Apelo
Queima de fogos: um pesadelo a autistas e animais
Apesar de proibido por lei em Pelotas, o uso de fogos de artifício segue trazendo angústia a muitas famílias
Carlos Queiroz -
Mesmo com uma legislação proibindo a queima de fogos de artifício, com a aproximação das festas de final de ano a presença dos populares foguetes se torna comum. O que serve de espetáculo visual para alguns torna-se um pesadelo para outros, como pessoas com deficiências e transtornos, além dos animais. Especialistas explicam os efeitos do barulho e alertam para suas consequências.
As comemorações dos próximos dias são motivo de tristeza para a família de Josiane Fchlatc, mãe de Artur, 8, portador de autismo moderado. "O Artur é muito sensorial, então ele se desorganiza muito com barulho e não entende o porquê dos fogos. Há essa dificuldade para compreensão", explica ela. Quando há condições, a família se desloca para o interior, buscando fugir do intenso barulho. Já em outras vezes, mesmo com apelo aos vizinhos o pedido não é atendido.
Em dias como o Réveillon a preparação com o pequeno começa desde cedo. "Pouco antes dos fogos eu vou preparando ele. Nós entramos em casa, deitamos com ele, abraçamos muito forte, tentamos colocar algo no ouvido e o distraímos". Josiane descreve os minutos da queima de fogos como "momentos de muita aflição", uma vez que Artur se agride, principalmente na cabeça, devido à desorientação causada pelo barulho, e por vezes chega a atingir os pais.
"Eu peço empatia, gostaria que as pessoas se colocassem no lugar do meu filho e no meu lugar de mãe, porque eu vejo meu filho se machucar, gritar e chorar porque ele não entende o porquê daquelas explosões. Algo que poderia ser evitado, que não leva a nada", apela Josiane.
Intolerância possui explicação e malefícios
Pessoas portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA) possuem hipersensibilidade, principalmente no que diz respeito à audição. Barulhos altos, com ruídos agudos que são finalizados com uma alta explosão, somados a luzes fortes e descontínuas, são consideradas a pior combinação para autistas e são justamente aquilo proporcionado pelos fogos. Dentre as principais reações dos portadores de TEA, pode haver o manifesto de choros, gritos, reações agressivas e crises de ansiedade.
A psicóloga e professora da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Rosane Feijó, explica que pessoas que possuem deficiências e/ou transtornos neuropsicológicos têm maior sensibilidade a estímulos sonoros e, por não entenderem o que são os fogos de artifício, estes poderão resultar em medos ou até fobias. "Pessoas que possuem hipersensibilidade sensorial recebem um som extremamente mais alto do que ele realmente é", aponta. Além do autismo, pessoas com Síndrome de Down também possuem limitação e intolerância ao estresse acústico.
A especialista também explica que a maneira como os adultos lidam com os medos da infância tem impacto direto em sua manutenção ou recuperação. "O adulto deve manter uma atitude calma ao ouvir as explosões, porque a criança, ao perceber qualquer comportamento de esquiva ou medo da pessoa mais velha, fará uma associação de que o som alto representa algo ruim", afirma.
Dentre as fobias para sons altos de fogos está a ligirofobia, a qual pode ter origem após uma experiência aversiva direta, ou seja, pessoas que após uma situação desenvolvem medo irracional de barulhos altos. Estas associam a um evento que em princípio não é perigoso uma reação de ansiedade. Além da fonofobia, que se origina de um medo irracional, intenso e persistente da presença ou antecipação de ruídos altos e de natureza inesperada, como é o caso de explosões.
Efeito também nos animais
O estresse desencadeado pelos efeitos do barulho causado pela queima de fogos também são sentidos pelos pets. A auxiliar administrativa Angélica Canez é tutora do Zulu, um yorkshire terrier, de 11 anos, e da Lilica, uma vira-lata da mesma idade. Ela relata que dificilmente passa a virada de ano em casa e quando chega na residência, após as comemorações, nota os animais em "desespero", em um cenário que conta com roupas rasgadas e fezes por toda a residência. "O york sempre que tem barulho de fogos quer se esconder em algum lugar e fica numa tremedeira horrível", conta.
Na virada do ano de 2020 para 2021, a mãe de Angélica precisou ficar em casa com os cachorros, pois Lilica passou a ter convulsões. "Por medo de mais uma crise durante as explosões minha mãe ficou em casa". Ela conta que a família já tentou diversos métodos, como amarrar um pano em volta do corpo do animal ou colocar uma proteção nos ouvidos, mas nenhuma técnica funcionou.
Consequências perigosas
Conforme explica a veterinária Lorena Coll, todas as espécies de animais são afetadas pelos estampidos dos fogos de artifício, em especial os pássaros e cães. "Os pássaros são afetados pois o barulho acelera os batimentos do coração, levando, em alguns casos, à morte por ataque cardíaco. Já os cães, por terem a audição mais apurada que a dos humanos, sofrem violentas crises de ansiedade e medo". Dentre as consequências, por entrarem em estado de alerta, os animais podem fugir, em caso de acesso à rua, e serem atropelados, sofrerem quedas e ou chocarem-se em vidros ou grades. Outros, devido à tremedeira, podem sofrer parada cardíaca e morrer.
No caso dos gatos, os riscos são menores, mas alguns podem entrar em crise pânico ou estresse, tornando-se mais agressivos, o que pode evoluir para danos neurológicos e psicológicos.
Leis sobre a queima de fogos
Sancionada em 2017, a lei municipal nº 6.493 proíbe a utilização de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com ruídos sonoros em Pelotas, tanto em recintos fechados e ambientes abertos, quanto em áreas públicas e locais privados. Denúncias devem ser feitas para a Guarda Municipal, através do 153.
Já em 2019, foi a vez do Estado instituir uma lei semelhante: a nº 15.366, que proíbe a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como artefatos pirotécnicos festivos de efeito sonoro ruidoso, que ultrapassem os cem decibéis a uma distância de cem metros.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário