Especial

Saindo do atoleiro, mas ainda patinando

Em 2017 o brasileiro mais uma vez teve que lidar com a crise, mas desta vez enxergando um discreto - e difícil - caminho para sair dela

Provavelmente você, que apertou o cinto para as festas de fim de ano e faz as contas das despesas que estão por vir em janeiro, deve ser um dos milhares de habitantes da Zona Sul que se perguntaram nos últimos meses onde está a melhoria da economia estampada em manchetes. Afinal, 2017 foi bom ou ruim? Há motivo para otimismo em 2018? E se é verdade que o país está saindo do buraco, porque isso não é sentido no bolso dos trabalhadores?

Para avaliar o ano que passou e responder a estas perguntas, o Diário Popular estudou os principais dados da economia - nacional e local - e conversou com economistas, empresários e trabalhadores. O resultado disso e uma projeção do que esperar de 2018 você lê a seguir. A boa notícia: há sinais, sim, de que estamos deixando o atoleiro. Mas muita calma nessa hora: a trilha de barro é grande e a saída é lenta, com boa chance de continuar patinando.

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Dentre as tantas coisas geniais que fez, Tom Jobim disse certa vez que "o Brasil não é para principiantes", referindo-se à dificuldade em justificar alguns fenômenos que só ocorreriam por aqui. A lembrança da frase do maestro é válida ao recapitular 2017. Foi o ano em que o país deixou para trás 12 trimestres de Produto Interno Bruto (PIB) negativo e saiu da recessão. Mesmo assim, especialistas quebram a cabeça para explicar como o presidente Michel Temer (PMDB) fecha dezembro sem conseguir superar a barreira dos 5% de avaliação positiva, conforme a mais recente pesquisa Datafolha. Contrariando a lógica de que quando a economia vai bem, o governo fatura também.

Economista do Escritório de Desenvolvimento Regional da Universidade Católica de Pelotas (EDR/UCPel), Ezequiel Megiato credita os bons resultados na balança comercial justamente a um distanciamento estratégico da política. "Os investidores estão aparentemente ignorando a crise representativa do país e dando mais sinais de confiança na recuperação, mesmo que ela ainda seja tímida", aponta. O resultado prático? Dólar baixo, risco país menor, Índice Bovespa crescente e inflação reduzida (veja comparativo) em comparação a 2016.

Professor da Faculdade de Administração e Turismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mestrando do Programa de Memória Social e Patrimônio Cultural, o também bacharel em Economia Dary Pretto Neto enxerga outra perspectiva. "A instabilidade do governo gerou incertezas no mercado futuro e também no PIB que, embora positivo, é muito baixo, praticamente nulo. Com essa baixa atividade econômica, o governo arrecada menos, restringe o crédito e reduz programas sociais", contrapõe. Para ele, estas são algumas das razões pelas quais não é possível ver 2017 como um bom ano. Nem para o mercado, nem para a popularidade do governo.

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Barato, não. Menos caro, talvez
Dizer que está barato manter uma casa não parece ser uma afirmação lúcida, certo? Porém, o ano deu bom sinal quando o assunto é inflação. Após dois períodos em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou bem acima da meta de 4,5% estabelecida pelo Banco Central (10,7% em 2015 e 6,29% em 2016), o país encerra 2017 com alta de "apenas" 2,5%.

Em Pelotas, o efeito dessa desaceleração na alta de preços foi a queda de 4,8% na cesta básica entre janeiro e novembro, segundo levantamento mensal do Procon. Mesmo assim, uma família que vive com salário mínimo continua tendo 80% da renda consumida somente pelos 51 itens essenciais. O que confirma as dificuldades financeiras dos mais pobres apontadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo nacional realizado pelo órgão mostra que a deflação dos alimentos ajudou a população de baixa renda, mas ela continua a maior prejudicada pelos preços, já que compromete proporcionalmente 2,5 vezes mais em comida na comparação com os mais ricos.

Se o básico no mercado caiu, quais foram os grandes vilões do orçamento pelotense em 2017? Passagem de ônibus (+3,1%), gasolina (+4,6%) e gás de cozinha (+25%) deram um baque no bolso, subindo bem acima da inflação. Houve também novos custos, como a taxa do lixo cobrada pelo Sanep desde junho, obrigando as famílias a desembolsar no mínimo R$ 12,69 por mês.

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Se no cenário geral o governo comemora um suspiro na geração de empregos, com 217 mil novas vagas no país, na Zona Sul não há motivo para festa. De acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, Pelotas teve um ano no vermelho. Foram 19.487 trabalhadores demitidos entre janeiro e outubro, enquanto o mercado absorveu 19.117 pessoas. Um saldo negativo de 370 vagas. Indústria e comércio varejista foram os setores que mais demitiram.

Coordenador do Observatório Social do Trabalho da UFPel, o professor Francisco Vargas ressalta que o baixo nível de emprego em Pelotas durante o ano ainda é fruto dos resultados ruins de 2015 e 2016. Nestes dois anos o município teve déficit de cinco mil empregos formais. Análise compartilhada pelos lojistas, que creditam o baixo número de contratações aos prejuízos acumulados. "A nossa região foi uma das que mais demoraram a demitir no Rio Grande do Sul. Janeiro, fevereiro e março foram os piores meses, com muitos desligamentos refletindo o péssimo Natal. Iniciamos uma recuperação do meio do ano em diante", explica Gilmar Bazanella, presidente do Sindicato do Comércio Varejista (Sindilojas). Mas alto lá: novas vagas devem ser abertas apenas nos próximos meses, já que 2017 deve fechar com crescimento nas vendas de 1,9% comparado ao ano passado.

Na indústria, além dos efeitos da crise econômica nacional, repercutiram na vida dos trabalhadores também as dificuldades de empresas locais, como lembra o diretor financeiro do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação. Para Elton Lima, o fechamento de unidades da Cosulati, a redução de contratações nas conserveiras e o encolhimento no quadro da Irgovel são apenas alguns exemplos. "Empresas menores também sentiram a crise. Foi um ano de padarias e outros comércios fechando ou diminuindo os empregados", lamenta.

Quem teve a sorte de superar a escassez de emprego ainda teve que lidar com a desvalorização salarial. Primeiro nas atividades técnicas. Ezequiel Megiato afirma que em 2017 quem entrou no mercado ou retornou teve contracheque menor em relação ao pago pela mesma atividade em anos anteriores. A defasagem chegou a 40% em determinados ramos. A segunda desvalorização foi da renda geral perante a inflação. "Vínhamos há nove anos com reajustes acima da inflação e agora a maioria não teve esse ganho real. Quando houve foi inexpressivo", diz Lima.

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Até você ler esta matéria foram mais 363 dias de espera pela BR-116 duplicada. O mesmo tempo que milhares de trabalhadores da região aguardaram por uma notícia positiva sobre o Polo Naval de Rio Grande. E nos dois casos, frustrações.

Alegando falta de dinheiro para investimentos, o governo federal novamente postergou a entrega da segunda pista da mais importante rodovia do Sul do Estado e do Contorno de Pelotas, ambos em construção há cinco anos. Restou à comunidade contentar-se com a promessa de R$ 139 milhões para 2018. Pouco, diante da necessidade de R$ 670 milhões para pôr um ponto final às obras - conforme o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Enquanto isso, em Rio Grande a indústria naval afunda e os poucos trabalhadores que restam nos estaleiros devem perder seus empregos no começo do ano. Dentre as razões para a crise também está a baixa capacidade de investimento do governo e da Petrobras, além do desinteresse pelo setor.

Os dois exemplos mostram que no ano que termina a região não pôde contar com o governo federal, principal indutor de crescimento econômico recentemente. Sem esse aporte, com poucos investimentos privados e a indústria e o comércio lutando para se manter, somente o campo pôde respirar aliviado. De acordo com Sandro Elias, sócio-diretor da Safras e Cifras e especialista em assessoria e consultoria agropecuária, o clima contribuiu para que produtos importantes para a economia da região e do Estado tivessem boas safras.

Um exemplo é a soja. Com regime de chuvas favorável, o Rio Grande do Sul teve safra recorde que superou em 12,4% o ano anterior e em 10,1% a produtividade por hectare. O arroz também foi bem. Apesar da entrada de produto estrangeiro e do baixo preço interno, a produtividade e o aumento de 11,9% da exportação agradaram os produtores. A colheita aumentou 16,2% mesmo com redução de área plantada. "De forma geral, apesar dos custos da agricultura terem se elevado em 10% no país, aqueles que conseguiram ampliar sua produtividade superaram a crise", avalia Elias.

Apesar da carne fraca...
A pecuária levou um susto em 2017. O ano foi de baixo consumo interno pela redução do poder de compra das famílias. Houve ainda o reflexo da Operação Carne Fraca, com países impondo barreiras e reduzindo importação da carne brasileira. O Egito, terceiro maior comprador do Brasil, chegou a cortar em 66% seus pedidos até maio, retornando à normalidade meses depois. Soma-se ao cenário ruim para criadores e frigoríficos o escândalo da JBS, levando os impactos até os produtores. Ainda assim, no final do ano foi possível perceber sinais de recuperação. Em outubro, mês do mais recente levantamento feito pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), a alta foi de 39,72% no volume embarcado na comparação com o mesmo período de 2016.

Modernizações ou maldades?
Nem mesmo a impopularidade foi obstáculo para que Temer construísse em 2017 maioria no parlamento capaz de aprovar o que, para o governo e seus apoiadores, foram consideradas reformas essenciais para dar início à recuperação econômica do país. Além da entrada em vigor do teto de gastos que limitou o orçamento, foram aprovadas altas de impostos sobre combustíveis e mudanças nas relações de trabalho que, dentre outras medidas, privilegiam acordos entre patrões e empregados e ampliam a terceirização.

Enquanto empresários e governistas defenderam as iniciativas como "modernizações", sindicatos de trabalhadores e oposição combateram as medidas - sem sucesso - classificando como "pacote de maldades". De ambos os lados, no entanto, há uma concordância: a de que ainda não foi este ano que os reflexos disso puderam ser sentidos a ponto de uma avaliação profunda dos resultados.

"Os primeiros sinais de insegurança começaram agora em dezembro. Os trabalhadores estão se sentindo desprotegidos. A partir do ano que vem haverá uma queda de braço maior entre patrões e empregados e o Judiciário terá papel chave ao se posicionar sobre os conflitos", analisa Elton Lima, do Sindicato da Alimentação. Opinião rebatida pelo Sindilojas. "Os empresários estavam sufocados pela antiga legislação, que impedia a criação de empregos e promovia insegurança jurídica. Acredito que a partir de agora os desgastes diminuirão", projeta Gilmar Bazanella.

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Se não foi uma maravilha, 2017 pelo menos tem dado um pouco de esperança de fim da crise e chegada de dias melhores a partir de janeiro. No entanto, para a maioria das fontes ouvidas pelo Diário Popular, vale aquela dica dos avós: cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. O ano que vem será um teste de fogo para a economia brasileira e, localmente, para as finanças da prefeitura. Por isso, com base nas análises de especialistas, separamos dois temas que podem preocupar em 2018 e dois pontos em que dá para ser otimista.

Os opostos não atraem
No cenário geral, a eleição de 2018 deverá ser turbinada pela influência de investigações de corrupção e pela animosidade entre direita e esquerda. Prato feito para ampliar incertezas sobre o que está por vir e, consequentemente, afugentar investidores. "Imagine a possibilidade de voltar a aumentar os juros. Ou um candidato crescer nas pesquisas com discurso que não inspire confiança. Os investidores retiram dinheiro, voltam para seus países de origem, demitem. Cresce o pessimismo", diz Ezequiel Megiato, em um exercício diante das possibilidades do país.

De olho na recuperação industrial, empresários também se mostram receosos com o impacto que as decisões de gabinete e o rumo das campanhas poderão causar. "O ano dependerá do componente político, que é muito importante e torna difícil imaginar o que irá ocorrer diante das tendências postas", comenta Amadeu Fernandes, presidente do Centro das Indústrias de Pelotas. Para ele, estas variáveis podem frear o crescimento ensaiado em 2017.

Para Dary Pretto Neto, o resultado da eleição presidencial será o ponto de ruptura que definirá o que será da economia nacional nos próximos anos. "Será o divisor de águas para o país. Teremos ou uma visão que defende a maior participação do Estado na economia ou a política neoliberal", resume.

Por aqui, mais cortes e redução de despesas
Sem opções para obter novas receitas, Pelotas deverá fechar ainda mais a torneira por onde pingam os recursos para investimentos na cidade. No começo de 2017 a redução de 30% nos gastos das secretarias já havia sido decretada pela prefeita Paula Mascarenhas (PSDB). Agora, a medida deverá ser reforçada, já que fontes extras de recursos - como reajuste do IPTU e implantação da taxa de lixo pelo Sanep - estão esgotadas. "A queda de arrecadação vai se somando e 2018 é um ano muito preocupante para nós. Vamos ter que entrar cortando o orçamento, contingenciando e fazendo outras alterações", diz a chefe do Executivo. Segundo análise feita pela equipe administrativa, caso não haja novo corte de 30% o município pode enfrentar o que a prefeita classifica como "uma crise séria com perspectiva de atraso de salário".

Para evitar problemas no custeio da máquina pública e garantir pelo menos a manutenção de obras e projetos em andamento, a prefeitura conta com duas alternativas para dar fôlego nas finanças: a cobrança de devedores e o aumento da receita obtida com o ISSQN. A partir deste ano o imposto cobrado de transações com cartões de crédito deixam de ser recolhidos pelo município-sede da empresa e passam a ficar no local onde a operação foi realizada.

Se na administração pública é preciso redobrar a atenção, no mercado de trabalho as perspectivas também não se encaminham para um ano de fartura em Pelotas. É o que aponta o Observatório Social do Trabalho da UFPel. "As perspectivas não são as melhores, pois o crescimento do emprego deverá ser, provavelmente, tímido nos próximos meses, não recuperando perdas ocorridas nos últimos anos", projeta o professor Francisco Vargas - citando prognóstico que aponta para o aumento da informalidade. Segundo ele, a entrada em vigor da reforma trabalhista também deve impactar, com práticas mais instáveis de emprego como o trabalho intermitente.

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Se os economistas estiverem certos, comerciantes podem se animar. Pelo menos um pouco. O ano que se inicia deve marcar a retomada do crédito mais barato à população. Evidentemente, não em níveis de quatro ou cinco anos passados, mas bem mais atrativos do que os praticados recentemente pelo mercado. O que deve ampliar o consumo sobretudo entre as classes C, D e E, mais dependentes do crediário para a aquisição de bens.

"Há também o impacto [da queda de juros] nas empresas, pois com esse o aumento do consumo cresce a busca por reposição de estoques, reformas e melhorias nas estruturas. Tudo começa a girar. Coisas que até então estavam estagnadas", avalia Ivídio Luís Schweizer, superintendente regional do Banco do Brasil, uma das principais instituições da Zona Sul na concessão de crédito. Conforme projeções do mercado local, a instituição acredita que em 2018 haverá crescimento mensal de pelo menos 1,5% no acesso a financiamentos.

Notícia importante também para os empresários e trabalhadores da construção civil de Pelotas, que deu sinais positivos nos últimos meses do ano. Presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon), Fabiano de Marco é cauteloso, mas acredita na combinação de juros baixos e maior acesso a crédito. "Em 2017 tivemos entre R$ 500 milhões e R$ 700 milhões em lançamentos apenas dos associados do sindicato. Isso se reflete também na geração de mais empregos no setor. A continuidade disso depende também do cenário político", diz.

Não será pibão, tampouco pibinho
Após revisar recentemente a projeção do PIB de 2017 para um crescimento de 1,1%, o governo federal está bastante otimista com relação ao resultado do ano que vem. Tanto que também aumentou sua previsão de saldo positivo de 2,8% para 3%. O que, para Ezequiel Megiato, indica que o país está se encaminhando para sair do atoleiro. Ou, como prefere comparar, deixar o fundo do poço. "Estamos saindo, mas ainda continuamos dentro do poço. O desafio do ano para confirmar estas expectativas do governo e de muitos analistas é melhorar o ambiente de negócios. A burocracia ainda emperra muita coisa", aponta.

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