Preocupação

Sem teto na pandemia

Dezenas de famílias que ocupavam há seis meses terreno na Zona Norte da cidade foram retiradas nesta terça-feira por ordem da Justiça

Jô Folha -

JF2595Os moradores precisaram desmanchar as construções e retirar seus pertences (Foto: Jô Folha - DP)

Cerca de 63 famílias tiveram que deixar suas casas, construídas em um terreno privado, mas vazio há mais de 20 anos. Por volta das 10h30min desta terça-feira (23), os moradores do local, que fica na Cohab Tablada, precisaram obedecer uma ordem judicial e desmanchar tudo que foi construído ao longo de seis meses. Agora, além da aflição com a pandemia da Covid-19, as famílias precisam se preocupar com um direito básico e previsto na Constituição: a moradia.

Desempregada e mãe de um bebê de quatro meses, Stefanie Freitas, 21, e seu marido precisaram esvaziar o chalé que construíram e em seguida desmanchá-lo. O sentimento era de tristeza. A jovem conta que cada centavo colocado ali foi fruto de muita luta e esperança de ter um lar para criar a pequena Alana com dignidade. “Nós morávamos com nossos pais, como queríamos ter uma casa para criar nossa filha viemos para cá”, disse. O casal ainda não sabia o que fazer, mas provavelmente precisarão retornar às antigas casas, e por lá reiniciar o sonho de conquistar um local para abrigar a família que começa a se formar.

Entre uma ida e outra até o pequeno chalé para retirar seus pertences, a emoção e uma expressão incrédula acompanhavam Rejane Corrêa, 38. Há cinco anos ela enfrenta a batalha de ter um endereço fixo. Por um tempo, ela e o marido Sérgio da Rosa moraram embaixo de uma lona no Laranjal, “mas não tínhamos água e luz, o banho era na beira da lagoa”, disse. Através de doações de madeiras e telhas o casal conseguiu erguer a nova moradia. “A gente não invadiu nada, a gente só está tentando viver com dignidade”, desabafou, emocionada, enquanto Sérgio retirava de dentro da casa um fogão doado. O casal não tem para onde ir, então foi amparado pela equipe da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS), que estava no local verificando quais famílias necessitavam de atendimento. “Já estamos providenciando alimentação e um local para eles no colégio Pelotense”, afirmou uma das agentes da pasta. Mesmo com a certeza que por umas noites terá onde dormir, Rejane questiona: “E depois? Volto pra rua?”.

O processo de ocupação

O assistente social e líder comunitário que esteve junto com as famílias durante esse tempo, Diego Gonçalves, relata que o processo de ocupação se iniciou no dia 4 de janeiro em um local que nunca cumpriu papel social e sempre serviu de depósito para animais mortos e lixo. “São famílias estabelecendo seu direito por moradia”, frisou. A maioria dos ocupantes são do bairro, popularmente conhecido como Vila das Corujas. Segundo o assistente social, a ocupação é resultado de um processo de coabitação, ou seja, pessoa que convive com outra sob o mesmo teto. “Não tem mais espaço nas casas e na vila, e eles acabam não tendo alternativas”, completou.

A primeira tentativa da reintegração de posse ocorreu no início de abril, mas ela foi contestada por um grupo de advogados populares. Eles solicitaram que o processo fosse encaminhado ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), “mas o pedido não foi atendido pela juíza”, informou Gonçalves. No dia 26 de maio mais uma tentativa aconteceu, mas acabou não se consolidando. Então, nesta terça-feira, o mandado para reintegração de posse foi efetivado “com uso da força policial e máquinas pesadas”.

O maior questionamento da ocupação é sobre a ausência da prefeitura de Pelotas em todo o processo, aparecendo apenas no ato da reintegração, através da SAS. Entretanto, durante o processo de negociação da desapropriação, os ocupantes conseguiram marcar uma reunião com o responsável pela secretaria para amanhã. Outro ponto destacado por Gonçalves é que além da desocupação das 63 moradias, um par de traves e uma praça, que contava com alguns balanços, também foram retiradas do terreno. “Eram as responsáveis pelo lazer das crianças que moram aqui na volta”.

Sobre os autores da ação

A reportagem tentou saber detalhes do pedido de reintegração de posse e também questionou para onde iriam os materiais retirados do local. Porém, nenhuma questão foi respondida pelas advogadas dos proponentes da ação, que estavam no local no momento da reintegração. Na primeira oportunidade, a reportagem iniciava uma conversa quando foi interrompida por uma policial militar, solicitando a presença das profissionais em outro local. Cerca de uma hora depois, o Diário Popular voltou a contatar as advogadas, que preferiram não comentar o fato e fizeram referência que todos os detalhes estariam no processo.

O momento da reintegração

Por volta das 6h30min começou o processo de desocupação, que contou com a presença da Brigada Militar, do Batalhão de Choque e dos agentes de Trânsito. O oficial de Justiça que estava no local, Felipe de Castilhos, informou que cumpria um mandado de reintegração de posse, que tramita na 5ª Vara Cível de Pelotas. Além disso, Castilhos frisou que a ação não era uma surpresa para ninguém. “Outros colegas já vieram aqui, tudo foi contatado”, lembrou, Além disso, garantiu que o efetivo só estava no terreno para garantir a segurança de todos. Também explicou que logo após a terra ser reintegrada ao proprietário, caberá a ele definir o que será feito.

 

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