Talento puro

Talento raro e talhado sem qualquer molde

Da sua garagem na região do Porto, artista autodidata produz esculturas em madeira que se espalham pelo país

Jô Folha -

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Apenas com talento e ferramentas manuais, Camilo Pereira transforma madeira bruta em obras originais (Foto: Jô Folha - DP)

Um bom chimarrão, rádio ligado, portão aberto para a entrada de luz natural, formão reto e macete. É somente disso que um morador de uma casa simples na rua Raul Corrêa, no Porto, precisa para fazer troncos de árvore ganharem a expressão de um peão de estância na lida diária ou a representação perfeita de um novilho em tamanho real. Há 35 anos é deste dom descoberto naturalmente que Camilo Pereira vive.

Da sua garagem de frente para o campus Anglo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o escultor costuma observar a movimentação de jovens em busca da formação que não teve. Pelo menos não de forma convencional. Aos 67 anos, dedicou sua vida à arte. Mais jovem dos cinco filhos de uma dona de casa e um operário da antiga Companhia de Fiação e Tecidos, largou a escola no quinto ano para ajudar em casa. Até que, aos 20 anos, realizou-se e foi trabalhar em uma estância. Oportunidade perfeita para aliar a paixão pelo campo e o desenvolvimento de um passatempo dos tempos de criança: nas horas vagas, esculpia em galhos e restos de madeira que encontrava. Deu certo. O talento que saltava aos olhos de quem via as obras virou profissão. “Minha faculdade foi no campo”, orgulha-se.

À base do boca a boca, fez contatos e montou a primeira mostra em 1983. Levou 15 esculturas para o saguão da prefeitura. E viu que tinha futuro. “No campo eu ganhava na época uns 12 mil cruzeiros, não dava um salário. Com a exposição choveram encomendas e eu ganhava em um trabalho o mesmo de um mês de lida. Foi o que me incentivou”, conta. Desde então, Camilo virou figura reconhecida tanto no Rio Grande do Sul quanto em outros estados e até em países vizinhos. Da sua casa já saíram obras para São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Argentina e Uruguai. Todas originais, sem qualquer molde.

Enquanto Camilo conversa com a reportagem, Franciele, 19, mostra uma foto no celular. É a escultura de um peão tomando chimarrão com dois cães ao redor. Em tamanho real e, como todas suas obras, talhada manualmente. Está exposta no Parque do Gaúcho, em Gramado. “Eu mostro o trabalho dele para as pessoas e elas se surpreendem. É um dom incrível. Tenho muito orgulho do que ele faz”, diz a filha.

Entre troféus e animais
Alguns dos principais prêmios relacionados à cultura gaúcha são feitos do talento de Camilo. Das suas mãos e ferramentas nasceram troféus para festivais nativistas como Um Canto para Martin Fierro (Santana do Livramento), Chamamento do Pampa (Passo Fundo), Reponte (São Lourenço do Sul) e Círio (Pelotas). São dele atualmente os prêmios oferecidos pela Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) nas provas de morfologia, castrados e final nacional de paleteadas durante a Expointer. “São troféus diferentes, com qualidade e, sobretudo, que retratam com perfeição a expressividade do animal”, explica o gerente de eventos Ibsen Votto.

Neste momento, a grande missão do artista - em tamanho e complexidade - é concluir um terneiro com cerca de 300 quilos e 1,5 metro de altura encomendado por uma agropecuária da cidade. Para deixar cada músculo com a excelência que pretende, Camilo tem dedicado algumas horas do dia à tarefa nos últimos meses. “Sem isso fica uma coisa sem vida. Isso é uma matemática que tu tens que ir talhando pouco a pouco. Tem que ter proporção, movimento e expressão”, ensina, embora saiba que o que faz não dá para ser passado adiante tão facilmente. “Às vezes eu olho tudo o que já fiz e me pergunto como posso fazer algo sem nunca ter recebido uma orientação.”

Quem responde é o vizinho Agenor Paulo, 72, que há duas décadas divide o chimarrão das manhãs com o artista e observa a madeira bruta ganhar vida. “É algo fora de sério. Sem explicação.” Sem explicação, mas cheio de vocação e dedicação.

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