Tradição
Tetraneta quer resgatar a história da cigana Terena
Iolanda Fernandes Soares pretende transformar a vida da figura considerada milagreira pelo povo em um documentário
Jô Folha -
Um dos túmulos mais visitados do Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula guarda uma história repassada de geração em geração há mais de um século. Lá está enterrado o corpo de cigana Terena Caldara, famosa por atender aos pedidos daqueles que a ela recorrem. A crença nos seus poderes leva muitos fiéis até o local diariamente. No Dia de Finados, o movimento é tanto que o túmulo precisa passar por uma limpeza de 40 em 40 minutos, de acordo com a administração do local. Porém, por se tratar de um fato antigo, muitas informações diferentes são passadas sobre ela. Para resgatar essa história, e desconstruir a imagem negativa que muitos ainda têm dos ciganos, a tetraneta de Terena, com a ajuda de amigos e pesquisadores, irá produzir um documentário. O filme ficará pronto em março deste ano, mês em que a cigana faleceu.
A história de Terena Caldara e de sua família é, segundo sua tetraneta Iolanda Fernandes Soares, “perigosa e discriminatória”. Conforme consta no acervo da Bibliotheca Pública Pelotense, em dezembro de 1882 chegou à cidade um grupo com cerca de 50 pessoas, incluindo mulheres, homens e crianças, que, segundo a imprensa local da época, foi identificado como beduíno. Eles se fixaram na rua Conde d’Eu (atual avenida Bento Gonçalves) e na rua Manduca Rodrigues (hoje Professor Araújo), dispondo de sete tendas para abrigo. Os ciganos não eram bem vistos na região e sua presença não era bem-vinda. Isso ficava claro ao se observar as manifestações contrárias. Muitos diziam que eles se instalariam na cidade com o intuito de roubar e não ganhar a vida de uma forma legal.
No dia 2 de março de 1883, pouco tempo depois da chegada do grupo, Terena faleceu, vítima de uma longa enfermidade adquirida antes de vir a Pelotas. A morte da princesa cigana mobilizou o bando, que realizou cerimônias fúnebres durante alguns dias para prestar as homenagens, já que ela era a esposa do chefe do acampamento. Na época, afirmavam que a morte de Terena se deu após médicos pelotenses se negarem a socorrê-la. Consequentemente, a cigana teria rogado uma praga na cidade para que nada mais prosperasse aqui. O mito de maldição, no entanto, foi difundido entre a população para acrescentar histórias e reforçar o ódio aos ciganos.
O documentário
Com o objetivo de desconstruir a ideia errada que se tem sobre Terena e sua tribo, Iolanda agora conta com a ajuda de uma amiga, Janice Fagundes da Rosa. As duas se conheceram através de um grupo de dança cigana. Janice conta que sempre se interessou pelo assunto, pois Iolanda tinha o hábito de contar histórias que sua avó relatava - apenas de forma oral - a ela. Além disso, desde a infância Janice teve contato com a cultura cigana. “Sempre quis saber mais sobre essa etnia, este povo de costumes nômades, danças alegres e roupas coloridas”, completa. Foi assim que, no início de 2017, ela começou a pesquisar sobre os ciganos em Pelotas.
Iolanda não tem acesso à internet, então a ajuda de Janice foi fundamental. As duas vieram até Pelotas atrás da história da família e em busca de familiares distantes de Iolanda, já que ela não tem filhos. Um dos destinos foi, certamente, o cemitério onde está o corpo da tua tetravó. Também foram até uma igreja, na rua Alberto Rosa, onde Iolanda tratou do seu casamento arranjado quando ela tinha cinco anos de idade, em 1956. Aqui, elas descobriram a existência de um blog - www.pelotasdeontem.blogspot.com - com informações sobre Terena, buscando desmentir as ideias ruins repassadas sobre sua vida e mostrar que praga alguma foi rogada após sua morte.
Adão Monquelat é um dos braços de Iolanda nessa luta. “Monquelat quer que a história de Terena fique conhecida, e o povo de etnia cigana também”, ressalta Janice. A livraria dele foi um dos lugares visitados pelas duas amigas, que se reuniram com Ivan Andrade, responsável pela produção do documentário. O objetivo de todo esse trabalho é claro, segundo Iolanda: “Vou resgatar a história que me pertence”.
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