Opinão
Uma face da intolerância religiosa
Jornalista Pablo Rodrigues analisa os comentários nas redes sociais sobre a bênção dada a uma filial McDonald's em Rio Grande
A inauguração do McDonald’s em Rio Grande virou piada nas redes sociais. Aliás, a facilidade com que se faz piada de tudo nas redes sociais - da homossexualidade à religião - impressiona. E a mim, em alguns momentos, inquieta. Até entristece. Talvez me chamem de xiita, mas não consegui rir do deboche feito à bênção que o padre Gil deu na inauguração do McDonald’s. Sim, porque o motivo do riso foi a bênção dada ao local. Não consegui rir, assim como não riria se o rito fosse feito por um umbandista ou por um mórmon. Não ri porque, no fundo, me parece haver uma enorme dose de intolerância religiosa neste riso. E alguns comentários que li no Facebook reforçam minha impressão.
Por dever de honestidade com o leitor que desconhece, digo: sou católico. De missa aos domingos e tudo. De livro de oração em cima da mesa e de crucifixo na sala de trabalho. Ex-seminarista. Um sujeito detestável, cheio de misérias, que muito pior seria - e esta é a minha experiência, não acho que seja necessariamente assim com todos - se não acreditasse em Deus e O procurasse entre as tarefas mais banais e cotidianas, no mover-se entre tantas coisas.
Feito o esclarecimento, para que me possam ler melhor dentro também deste contexto religioso, retorno aos comentários que li sobre o assunto. E tenho certeza de que tais comentários, muitas vezes, são despretensiosos, sem intenção primeira de ofender, ainda que tenham, na minha opinião, raiz na intolerância religiosa. Exemplo: “Vão trocar as hóstias por Big Mac.” Mais: “O papel de bandeja será uma linda ilustração da via-sacra”. Ou, ainda, “God bless the McChicken.” E o mais despropositado: “Perdeu-se o senso do ridículo.”
A prática de abençoar, por exemplo, lugares, pessoas e objetos é milenar em diferentes culturas. Se faz sentido para o dono do McDonald’s em Rio Grande que um padre abençoe sua loja, por que zombar disso, por que taxar de ridículo? Inúmeros doentes em hospitais de Pelotas são, diariamente, visitados, abençoados e sentem-se bem com isso. Pouquíssimas pessoas vão ao presídio ouvir os presos e tratá-los como merecem ser tratados: seres humanos. Pois em Pelotas a Pastoral Carcerária, ecumênica, existe. Leva semanalmente conforto. Esperança. E, sim, alguma alegria. Deixar o Facebook de lado um pouco e visitar os doentes e os presos pode ser um bom exercício de tolerância. Vivencial, na pele.
Defendo firmemente o Estado Laico. Mas defendo um Estado Laico e Democrático, em que todos, absolutamente todos, tenham voz, em pé de igualdade, inclusive aqueles que creem. Algumas lutas antes invisíveis, como a das mulheres, dos negros e dos homossexuais, têm feito com que a sociedade se torne, ainda que lentamente, mais justa. São lutas necessárias, fundamentais. Nenhuma forma de intolerância é bem-vinda.
Ao saber da polêmica, o padre Gil, generoso e simpático, respondeu tranquilamente que abençoaria também o Burguer King, se preciso. E digo mais: tenho certeza que abençoaria a venda do Seu Neri, na Neto com Bento Martins, em Pelotas, se ele pedisse.
Todos temos crenças. E quase tão absurda quanto a crença na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, como creem os católicos, é a crença deliciosa e delirante no triunfo do Xavante ou do Lobo, contra tudo e contra todos - inclusive árbitros mal-intencionados - a negar a lógica. Há coisas que nos ultrapassam, feitas para a aurora ou para o crepúsculo, indefiníveis. Mesmo chorando e com dúvidas, nelas decidimos crer. Antes de tudo, fé é dom. E adesão. Livre adesão.
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