Saúde
Uma recepção mais humana
O parto humanizado e a violência obstétrica, termos que andam lado a lado, são difundidos por uma advogada em Pelotas
O Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo, com um impressionante número de 55,5%. Em uma era marcada pela epidemia deste tipo de cirurgia, um movimento iniciado por mulheres busca informar e conscientizar quanto à realização de práticas opostas ao modelo tradicional, medicalizado e hospitalar. Esse conjunto de procedimentos mais acolhedores é chamado de parto humanizado. Em Pelotas, o tema ganha visibilidade através de pesquisas acadêmicas e coletivos que visam difundir a ideia.
Laura Cardoso é advogada e pesquisa sobre violência obstétrica desde 2013, assunto intimamente relacionado ao parto humanizado. Quando engravidou, procurou em grupos de apoio e blogs por esclarecimentos e descobriu os altos índices de cesarianas no país. “Tem toda uma indústria mercadológica”, diz. Entretanto, existe muita informação que a maioria das mulheres desconhece. “Eu me deparei com uma dura realidade”, completa Laura.
Diante de tantos dados, a advogada resolveu, em 2014, que queria viver o momento do nascimento ao máximo e, o mais importante, com suas vontades respeitadas. Viajou 300 quilômetros até Viamão e teve o seu pequeno Joaquim em um parto domiciliar planejado, com o apoio de uma equipe técnica. O processo foi todo documentado através de fotografias, postadas no seu perfil no Facebook. Isso chamou a atenção de muitas mulheres, que a procuraram para entender e esclarecer dúvidas.
Assim nasceu o Nascer Sorrindo Pelotas, grupo de apoio virtual com encontros presenciais que tem como principal finalidade levar informação às gestantes. Após pesquisar durante um ano sobre a violência obstétrica dentro do Direito, sua área de atuação, apresentou sua monografia em 2016. “Até então, ninguém falava sobre isso”, afirma. Foi o primeiro estudo sobre o tema em Pelotas.
Laura, definitivamente, se encontrou. Vários espaços de fala surgiram, e ela foi convidada a palestrar para pessoas de diferentes âmbitos e ramos, desde a Faculdade de Enfermagem até a Câmara de Vereadores da cidade.
Neste ano, Laura Cardoso distribuiu a primeira ação que versa sobre dano por violência obstétrica no Rio Grande do Sul. Ela foi apresentada a uma vítima do ato, e a ajudou. O processo ainda está em tramitação e busca uma indenização. Pela sua trajetória e conhecimento sobre o assunto, ela foi convidada a participar do Nascer Direito, coletivo de advogadas, defensoras públicas e servidoras. Junto com Ruth Rodrigues, criou o primeiro curso on-line de violência obstétrica. Hoje, são cerca de 20 mulheres envolvidas.
Conceituando o parto humanizado
A OMS busca incentivar a diminuição de cirurgias cesarianas. No Brasil, são 85% no sistema privado e 40% na rede pública. Existe a ideia de que, após realizar a primeira cesárea, sempre será cesárea. O conceito de parto humanizado vem para desmistificar esse pensamento. É uma assistência baseada em três pilares: o protagonismo da mulher, a medicina baseada em evidências científicas e uma equipe especializada, multi e interdisciplinar. “Não é apenas um ato médico”, completa Laura.
Não se usa medicamentos, não há necessidade de recuperação da anestesia e, principalmente, o conforto emocional é garantido à gestante. A mulher tem seus desejos priorizados e total consciência do que está acontecendo com ela. Acontece “tudo que ela gostaria que acontecesse”. Uma doula, profissão reconhecida pela OMS, acompanha e presta a assistência necessária. O processo pode ocorrer em um quarto de hospital ou até mesmo na sala de casa, que é devidamente adaptada.
Foi fundada a primeira equipe de auxílio ao parto domiciliar planejado na Região Sul. Mas Laura explica que ainda existe muita polêmica acerca do tema. Por isso, é necessário difundir as ideias e os conceitos para que atinjam cada vez mais pessoas. É preciso informar as mulheres para que conheçam seus direitos e os procedimentos que podem ser e serão realizados nos seus corpos. Em 2019, o coletivo Nascer Direito promoverá um Congresso Nacional em Brasília para incentivar as discussões.
Quem optou pela humanização
Juliana Victoria Eberhardt, 29, teve seu primeiro filho aos 19 anos desprovida de informações, mas com o desejo de dar a luz de forma natural. “A luta era muito grande”, lembra. No entanto, acabou indo parar no SUS, onde passou por uma cesárea. Aos 22 anos, mais uma cirurgia foi feita para que seu segundo filho pudesse vir ao mundo. Naquela época, foi alegado que ela não poderia ter um parto normal. Grávida do seu terceiro bebê, Juliana foi atrás de grupos de apoio para entender o contexto. Descobriu, assim, que “era mais possível e mais seguro ter o parto normal”. Ela teve o que a medicina chama de VBAC, parto vaginal após uma cesariana.
“O problema é o sistema obstétrico brasileiro”, salienta Juliana. Isso despertou um desejo de ajudar outras mulheres. Passou por um curso para se tornar doula, a acompanhante da mulher durante a gravidez e o parto. Hoje, atende gestantes conforme surge a demanda. A sua tarefa, como das demais profissionais, é passar informações por meio de encontros, ajudar com o plano de parto e proporcionar alívio da dor de maneira não farmacológica. Ela destaca que a doula não lida com questões técnicas nem interfere em questões médicas, a não ser que tenha formação. O objetivo é, no final das contas, “deixar a mulher ciente do que quer”.
Juliana foi a doula de Cheyenne Bueno, de 26 anos. Ela teve seu primeiro filho e optou pelo parto humanizado. Contou que sempre quis um parto normal e ressaltou a importância de ir em busca de detalhes. Munida de informação, foi atrás de uma obstetra que se disponibilizasse a assistir o nascimento. A doutora Fernanda Tarquinio foi a obstetra responsável por acompanhar e atender o parto de Cheyenne. O processo durou 12 horas e ela pôde se movimentar livremente e até mesmo se alimentar durante. Não se separou em momento algum do seu filho; ele foi colocado nos seus braços logo ao nascer. “É incrível ver uma vida chegando desse jeito, cercada de respeito, sem violência, sem aquele clima de hospital”, relata Juliana.
Canais de contato
Denúncias contra a violência obstétrica podem ser feitas através do 180, para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e pelo Disque 136 para pacientes do SUS. As ouvidorias dos hospitais também são um canal importante, bem como a MPF e o Conselho Regional de Medicina. Boletins de ocorrência podem ser feitos e advogados contatados para auxiliar.
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