Entorpecentes
Uso de crack e cocaína dispara na cidade
Consumo dessas drogas desponta entre os pacientes do Caps AD III, revela pesquisa da Universidade Federal de Pelotas
Infocenter -
O aumento significativo do consumo de cocaína e derivados, como o crack, entre os pacientes do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III (Caps AD III) é alarmante. Preocupa tanto que foi tema de uma dissertação de mestrado em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Questões familiares e genéticas, além do valor mais acessível do crack, são algumas explicações para o grande número de usuários.
O Caps AD III funciona 24 horas por dia e atende exclusivamente dependentes químicos. O estudo coordenado pela mestre Liliane Locatelli, que também trabalha no local, analisou o perfil dos atendimentos realizados entre 2004 e 2016. A maior parte dos 664 pacientes é do sexo masculino, tem entre 30 e 49 anos e não completou o Ensino Fundamental. O histórico familiar de uso de drogas foi apontado por 58,8% dos atendidos, sendo o pai o usuário mais mencionado (55,2%), seguido do irmão (33,1%) e do tio (24,6%).
O alcoolismo e o tabagismo sempre foram - e ainda são - os vícios mais recorrentes. Ano passado, 99% dos pacientes relataram ser usuários de álcool e 91% de tabaco. Um desses pacientes é Luís Alberto Viola Reis, 56 anos. O álcool entrou na sua vida de maneira comum, ainda na adolescência. "Bebia em festas com os amigos", recorda. A profissão de representante comercial permitia com que trabalhasse por conta e fizesse seus horários. "Eu cumpria minhas próprias metas", explica.
Notou os efeitos do álcool em sua vida quando percebeu que essas metas estavam comprometidas. A possibilidade de perder todo o pouco que havia conquistado durante a vida também o motivou a buscar ajuda. O emprego, a família e a confiança das pessoas estavam em jogo.
Separado e morando sem os filhos, o estímulo para buscar ajuda partiu dele mesmo. Depois de um mês internado no Hospital Espírita, foi encaminhado ao Caps AD III, onde deu continuidade ao tratamento. A dedicação às atividades propostas e o acolhimento por parte dos trabalhadores do centro foram essenciais para sua recuperação. "Aqui eu encontrei o apoio que buscava", revela.
Atualmente, Luís Alberto é o representante dos pacientes e frequenta o local de segunda a sexta-feira, sempre ocupado com reuniões, conversas e outras funções. Dentre as oficinas oferecidas pelo Caps, participa da academia e das aulas de música. Há três anos livre do álcool, espera se recuperar de um problema de saúde para poder voltar a trabalhar.
Além do afastamento da família e da perda de bens pessoais, o desenvolvimento de transtornos mentais também está relacionado ao uso de drogas. Depressão, ansiedade, ideias suicidas, agressividade e agitação são os principais problemas apresentados pelos pacientes do Caps AD III. A pesquisa da UFPel relata que quanto maior é o número de drogas utilizadas, mais as chances dessas doenças surgirem - algumas delas são até três vezes mais comuns entre os usuários.
O National Institute on Drug Abuse (Nida), órgão americano que estuda e combate o uso de drogas, classifica o vício como uma doença mental porque modifica o cérebro de maneira significativa. De acordo com o instituto, a droga transforma a hierarquia de necessidades e desejos, fazendo com que a pessoa procure e use-a de maneira descontrolada. O resultado disso é o surgimento de comportamentos que enfraquecem a capacidade de controlar impulsos, similar ao ocorrido em pessoas com transtornos mentais.
O aumento alarmante da cocaína
Apesar de o álcool e o tabaco despontarem na lista dos mais consumidos, é o aumento do uso de crack e cocaína que chamou a atenção de Liliane durante a pesquisa. Em 2010, os usuários de crack representavam 9% dos atendidos na unidade, enquanto a cocaína inalada era utilizada por 2% das pessoas. Seis anos depois, em 2016, os usuários de crack aumentaram para 44% e os de cocaína chegaram a 38%.
Um dos motivos para esse aumento é o baixo valor do crack (uma droga derivada da cocaína), aponta Liliane Locatelli. Os efeitos da cocaína no organismo é outra explicação. Ela gera uma descarga enorme de dopamina, o hormônio ligado ao prazer, trazendo uma sensação de alívio ao usuário. Além disso, predispõe mais facilmente à dependência química. "A pessoa passa a precisar da droga", explica Gabriela Haack, coordenadora do Caps AD.
Ainda de acordo com Gabriela, os principais efeitos da substância no corpo são problemas cardiovasculares e respiratórios (principalmente o crack). Mas são as consequências da paranoia e da sensação de valentia geradas pela droga o que mais mata os usuários, pois isto acaba colocando-os em situações de risco. O ambiente de vulnerabilidade que muitas vezes cerca o viciado é outro fator que eleva o risco de morte.
A cocaína entrou na vida de André Marcelo Hartwig aos 14 anos. A inserção no mundo das drogas se deu pela curiosidade e para entrar em determinados grupos. "Primeiro o álcool, acredito que ele seja o maior propulsor para outros usos", avalia. Além do álcool, experimentado pela primeira vez aos 12 anos, também tornou-se usuário de tabaco e maconha aos 14. A cocaína, porém, é considerada por ele como a maior vilã. Foi ela quem quase tirou sua vida. "Dei entrada no Pronto-Socorro com a pressão arterial descontrola e por pouco não sofri uma parada cardíaca", recorda.
Foi nesse momento que percebeu a necessidade de se ver livre das drogas. Além do tratamento com medicação, o esporte e a mudança de certos hábitos foram fundamentais para a sua recuperação. A ajuda da família também foi importante. "Acredito que a dependência nunca tem cura. Cabe a nós encontrarmos meios de burlar a vontade da droga com outros objetivos. No meu caso, foi a corrida."
O esporte, aliás, transformou a sua vida. Hoje com 26 anos, André Marcelo é professor de Educação Física e atleta. Sua história com a corrida e com o vício está retratada no livro O que aprendi correndo, lançado em 2013. "É o atletismo que me mantém longe das drogas há oito anos", conclui.
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