Relíquia
Velha e sem prazo de validade
Sem uma substituta, Autoescada Magirus de cinco décadas espera por peças para voltar a ser usada pelos Bombeiros de Pelotas
Jô Folha -
Foto: Jô Folha
Ela sabe que seu tempo já passou, mas resiste. Enquanto a substituta demora para chegar, tenta manter-se firme. Com dificuldade, afinal, são 49 anos de prontidão e ajuda aos pedidos de socorro vindos das alturas. Assim mesmo, de olho sempre no céu, a autoescada Magirus, do Corpo de Bombeiros, viveu seus melhores dias. Velha? Sim, mas uma idosa com histórias para contar e um futuro ainda a ser escrito. Os integrantes da unidade militar bem que gostariam de vê-la em exposição, como homenagem a tudo já feito por Pelotas, mas seu inimigo, o tempo, é inflexível. E a aposentadoria segue perdida no calendário.
As aventuras da autoescada, desde sua entrega à cidade, em 18 de dezembro 1957, são sufocadas hoje pela jovialidade dos veículos mais novos, companheiros de garagem nos Bombeiros, na rua Gomes Carneiro, embora não cumpram o mesmo papel. Mais ao fundo, num canto onde não atrapalha ninguém, a Vovó - esse é o apelido que ganhou dos militares - mantém os traços clássicos dos veículos de cinco décadas atrás. A tampa em curva do motor, com uma grade, e os faróis pequenos remetem de imediato ao Fusca e revelam sua origem: a Alemanha. E mesmo apertada contra a parede, a Magirus atrai olhares. Seu vermelho é mais vivo e belo que o das outras viaturas, seu prefixo no parachoque, um simbólico 234, força o sinal de respeito - os carros novos são identificados por quatro ou mais números -, e a chave na ignição mais se assemelha à de uma porta de casa.
795 km por ano
Já o hodômetro (medidor da quilometragem) é um caso à parte. Esgota-se em 99 mil antes de voltar a marcar zero. Hoje está congelado em 39.753. E o que parece ser um bom truque para maquiar as rugas - poucas, diga-se - no chassi Magirus-Deutz e as andanças do passado, por vilas e bairros de Pelotas, é a realidade, garante o sargento Macedo, a pessoa que melhor conhece a história do equipamento, um companheiro em várias jornadas. A baixa circulação, explica, é original, e deve-se ao fato de o caminhão ter sido usado apenas quando era necessário empregá-lo. Os cálculos apontam, por isso, apenas 795 quilômetros feitos anualmente desde 1957. Nos dias de hoje, recém teria saído da terceira revisão.
O sargento, lotado no Comando Ambiental, admite que sua amiga já não oferece mais as condições necessárias a um bom trabalho dos Bombeiros. Está fora de uso há um ano, não é econômica - faz um quilômetro por litro de diesel -, as peças de reposição são muito difíceis de serem encontradas e a operacionalidade é lenta.
E assim como pensam os outros colegas, para ele a Magirus deveria descansar em um local onde pudesse ser admirada. A ideia de levá-la ao Museu da Brigada Militar em Porto Alegre chegou, inclusive, a ser cogitada. Foi uma quase aposentadoria.
Na foto à esquerda, a autoescata em uso, ba rua General Osório. À direita, o hodômetro e a quilometragem original
Parada, por enquanto
A autoescada não pode ser usada porque precisa de peças para o motor, um coração metálico gigante, de 130 cavalos de potência, que funciona com oito cilindros. Sem o motor, a escada não sobe. É ele o responsável por preaquecer o sistema que alça a escada, explica o capitão Pablo Laco Madruga. Um processo de funcionamento antigo, impossível de ser trocado.
A substituta da autoescada já tem nome, bonito, aliás: autoplataforma com cesto. Mas ainda é um sonho distante para Pelotas. Até chegar, as palavras do capitão realimentam a ideia de que a mais experiente viatura continua com serventia e poderá retornar às ruas um dia: “A escada, em funcionamento, tem ainda uma utilidade para o Corpo de Bombeiros de Pelotas, tendo em vista que nos possibilita realizar salvamentos e outras atividades em locais de maior altura.”
Outra limitação, também imposta pelo tempo, encontra-se na altura de lançamento. Projetada para içar um homem a 32 metros de altura (o equivalente a um prédio de nove/dez andares), suas “costas” já não têm mais força para tal proeza. Por segurança, passou a operar num limite de 25 metros. Restrição, aliás, que leva ao questionamento: e se for preciso atender ocorrências em prédios mais altos, encontrados com facilidade na Pelotas de 2016? O oficial lembra que a legislação atual estabelece novos mecanismos para barrar sinistros em edificações, mas reconhece que apenas isso não inibe o fogo. Daí a importância de contar, também, com máquinas como a Magirus.
De longa data
Não é por falta de discussão que a aposentadoria da autoescada segue em compasso de espera. Em sessão da Câmara de Vereadores realizada em 29 de abril de 2008, o assunto pautou as manifestações. No plenário, o tema que segue sem resposta até hoje: Pelotas precisava substituir o presente dado pela Alemanha em 1957 e adquirir um equipamento mais moderno.
Na época, o Professor Adinho alertou para o risco de a cidade ter um incêndio em prédios mais altos. “Nos resta apenas rezar para que nada aconteça de mais sério. (…) Já tivemos incêndio nas lojas Renner, na Galeria Zabaleta e no Mercado Central. Pelotas precisa entender que não dá para conviver com essa insegurança permanente, mesmo que a qualidade do grupamento do Corpo de Bombeiros seja inquestionável.”
Outro ex-vereador, Mansur Macluf, recordou o envio de expediente ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e ao embaixador do Brasil na Alemanha, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, para solicitar junto ao governo daquele país a doação de uma nova viatura.
Protegida na garagem dos bombeiros, a magirus fica ao lado das viaturas mais novas. Acima, detalhe do painel (Fotos: Jô Folha)
Quanto custa?
O valor de uma autoescada é elevado. No primeiro semestre desse ano o governo do Tocantins entregou uma viatura ao município de Araguaína pelo preço R$ 3,1 milhões. Com capacidade para alcançar até 32 metros de altura, transporta uma bomba de incêndio com jato gerenciável e reservatório para 500 litros. Já em março de 2014, o Corpo de Bombeiros da Paraíba recebeu duas autoplataformas aéreas com cesto (a desejada para Pelotas), vindas da Itália. Com torre d’água e capacidade para alcançar até 155 metros de altura, cada uma custou R$ 3,250 milhões.
Curiosidade
No Mercado Livre, site de vendas, uma miniatura da Magirus Deutz Mercur - 1961 - caminhão de Bombeiro, escala 1/43, de metal e com algumas peças em plástico, é oferecida por R$ 101,25. Quatro unidades já foram negociadas.
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