Opinião
Medo e coragem não são antônimos
Por Lauro M Demenech
Professor de Psicologia da Furg
Antes de me tornar professor universitário atuei, por muitos anos, como psicólogo clínico. Não sei se existe forma melhor de entender o que realmente é uma vida humana. Nessa posição, desde que você consiga demonstrar não apenas profissionalismo, mas também cuidado e zelo, você é convidado, como costumo dizer para meus alunos, a conhecer aquela pessoa por "detrás do véu", com acesso à sua intimidade, às suas vergonhas e aos seus segredos guardados a sete chaves. Isso é um grande privilégio. Já acolhi milhares de pessoas, no entanto não tenho bem certeza de quantos indivíduos acompanhei com maior profundidade, por períodos longos. Digamos que uns 300. Gosto de pensar que é como se eu pudesse ter vivido, nesse período, 300 vidas em uma!
Um sentimento que invariavelmente se encontra por detrás do véu é o medo. Quando uma pessoa procura um psicólogo, fragilizada, penso que ela se encontra em um estado em que sua humanidade está mais exposta. Independentemente dos motivos que a levaram a buscar ajuda, não consigo me lembrar de nenhuma que não tenha gastado um bom tempo falando dos seus medos. É evidente que o medo nunca anda sozinho. Costuma estar acompanhado de uma série de sentimentos desagradáveis.
Vivemos, como nunca antes visto, no mundo das comparações permitidas e amplificadas pelo uso das redes sociais: fragmentos perfeitos de vidas imperfeitas. No entanto, apesar de, muitas vezes, estarmos cientes desse funcionamento, absorvemos, direta ou indiretamente, uma infinidade de informações de vidas supostamente felizes e bem-sucedidas. São pessoas lindas, famílias unidas e amorosas, o trabalho dos sonhos e fotos de viagens de tirar o fôlego. Um assunto com o qual muito pouco nos deparamos na internet é o medo - apesar de ele ser infinitamente mais frequente na vida de uma pessoa do que qualquer uma dessas situações que acabei de citar.
O que tenho aprendido é que o medo serve como uma bússola. O medo tem infinitas faces, a depender de cada pessoa que o sente. Ele surge como uma sombra projetada daquelas coisas que nos são muito significativas e valiosas. Há o medo de não passar no vestibular, de se apaixonar, de o filho não nascer saudável, de não se encaixar em um grupo, de perder a intimidade com o(a) companheiro(a), de não conseguir determinada oportunidade de trabalho, e assim por diante. Mas por que eu digo que o medo é uma bússola? Porque, ao mesmo tempo em que ele pode paralisar, ele também indica a direção de uma vida que valha a pena ser vivida.
E é aí que entra a coragem! Medo e coragem são antônimos somente no dicionário. Coragem não é a ausência de medo. Coragem é a disposição de fazer algo mesmo na presença do medo, da insegurança e da vergonha. Dito isso, você não precisa tentar não ter medo. Eu sei que as pessoas não falam tanto sobre medo nas conversas de corredor e que não saem divulgando sobre seus medos por aí, mas isso não quer dizer que elas não o têm! Eu tenho. E você também. Essa postura pode levá-lo à fuga, evitação ou até à busca de se anestesiar (com álcool, drogas, medicações, comida, etc.), porém isso geralmente só amplifica os problemas, deixando-nos ainda mais amedrontados. Se você se sente completamente paralisado, esse pode ser o momento de buscar ajuda profissional.
Ande lado a lado com seus medos. Talvez coragem seja não tentar sufocá-los, mas ouvi-los e, por meio de sua companhia desconfortável, caminhar em direção daquilo que é importante. E você, tem medo de quê?
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