Artigo

Violências: alheia e própria

A maioria, percebo, condena com veemência a demonstração estúpida de um poder apenas imaginário

Que nós somos violentos ninguém duvida. E que temos dificuldades sobre o que fazer com a violência dos outros, ou com a própria, também. De longa data nós, autonomeados humanos, vimos optando por tirar de circulação, e punir, a quem ultrapassa um limiar considerado aceitável pelo juízo crítico da massa social. Bem mais recentemente, tomando distância da lei de Talião _ roubou, corte-se-lhe a mão _ passamos a levar em conta a psicologia e a gênese da violência, e tratamos de ensaiar recursos terapêuticos que reorientem as expressões de fúria, procurando reinserir os descontrolados que se recuperarem, de volta à comunidade.

O domingo, 8 de janeiro de 2023, de Brasília, está na cabeça e no coração de todos. A maioria, percebo, condena com veemência a demonstração estúpida de um poder apenas imaginário, tipo, quebro os vidros, rompo as obras do palácio, logo, sou poderoso, como um deus. Uma minoria, insuflada de megalomania, justifica, creio, que sua estupidez destrutiva é gesto político, conceito com as costas largas que permitirá, aos que forem punidos, atribuírem-se a conotação, com certa pretensão social, de "presos políticos". Ninguém quer ser preso como um delinquente ordinário, todos querem pensar-se navegando em profundidades ideológicas. A pequenez humana quer o brilho, mesmo que falso.

Não é simples encontrar a justa medida ante a fúria descontrolada. Reagir no mesmo plano e "dar o troco da mesma moeda" é impulso compreensível e demasiado humano. A vingança, que logo vem à cabeça, é para os débeis e os que se submetem ao modelo do agressor. À boçalidade, ofereça-se a inteligência. Única forma de aspirar algum futuro. Gandhi, Paulo Freire, o velho Marco Aurélio, o filósofo-imperador de Roma, século 1 d.C., estão aí a inspirar as gentes. Reagir rápido, mas sem pressa, nunca sob o signo vindicativo.

Estancada a barbárie em overdose, surge a reconstrução material e espiritual, passa-se ao manejo da violência inalienável, mas agora contida, racionalizada, em doses socialmente úteis.

Uma estratégia preventiva para a estupidez se apoia no saber nietszcheano _ combater certezas _ "não é a dúvida, é a certeza que enlouquece", cravou. Fanáticos, transformáveis _ com facilidade _ em massa de manobra padecem do mal da certeza. Tipos como Hitler souberam explorá-los por essa via. Este assassino incutiu nos seguidores(!) a ideia de que eram "superiores", passo gigantesco no rumo de cometer grandes crimes. No nosso Brasilzão de agora vimos tática do mesmo naipe, cujo resultado espasmódico foi o 8 de janeiro de 2023. Os americanos, dois anos antes, o mesmo recurso autoritário do Mr. Tramp (com a) deles, quase no mesmo dia.

Mas, há norte-americanos que merecem atenção por motivos nobres. Henry David Thoreau é um deles. Em 1849 ele escreveu, depois de uma noite na cadeia de seu vilarejo, A desobediência civil. "Só aprendemos a ler os livros fáceis", alertou. Segue atual.

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