Telas

Transmissão de jogos via internet impacta a rotina dos torcedores da dupla Bra-Pel

Desde 2022, 86 das 112 partidas de Brasil e Pelotas tiveram veiculação com imagens apenas por streaming, exigindo readequação principalmente do público mais velho

Foto: Jô Folha - DP - Luís Antônio Fernandes, o Totonho, tem 60 anos e é figura carimbada na Boca do Lobo, mas precisa, como todos os áureo-cerúleos, recorrer ao canal da FGF para assistir aos jogos do time fora de casa

Luís Antônio Fernandes, o Totonho, tem 60 anos e é figura carimbada na Boca do Lobo, mas precisa, como todos os áureo-cerúleos, recorrer ao canal da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para assistir aos jogos do Pelotas fora de casa. Aos 92 anos, o xavante Sandyr Schuster conta com a ajuda de familiares para se conectar às diversas plataformas que têm transmitido os compromissos do Brasil durante os últimos anos.

São dois exemplos de adequação a uma nova realidade de acompanhar o time do coração em um mundo cada vez mais digital, afetando o futebol. Desde o início de 2022, a dupla Bra-Pel entrou em campo 112 vezes. Destas partidas, 86 foram transmitidas com imagens de forma exclusiva por serviços de streaming, via internet, em aplicativos ou sites com reprodução em aparelhos como televisão, celular, computador e notebook, por exemplo.

“É tranquilo achar os jogos e, se precisar, a família sempre ajuda. [...] É muito mais fácil. A gente vendo tem uma dedução melhor. Muita coisa que a gente só escutava, vendo tu entende a jogada”, afirma Totonho sobre a oportunidade de assistir a todos os jogos do Pelotas ao vivo. Ele conta que não perdeu nenhum confronto na Boca do Lobo nos últimos dez anos, somente quando sofreu um acidente e precisou ficar alguns jogos ausente.

Se o áureo-cerúleo não considera um problema a busca pela plataforma da FGF que transmitiu as duas últimas Divisões de Acesso, o rubro-negro ouvido pela reportagem do DP enfrenta empecilhos oriundos dessa transformação. “Eu sou obrigado a ter sempre junto um acompanhante [para assistir aos jogos]. Isso aí eu não posso dispensar. Já não posso mais comandar um computador. Até o telefone, pra ler, também é muito difícil, por causa da visão”, diz seu Sandyr.

Seu Sandyr Schuster, aos 92 anos, tenta acompanhar o Xavante nas diversas plataformas que vêm veiculando as partidas do clube desde 2022Foto: Arquivo pessoal

Idosos navegam cada vez mais

Levantamento publicado em março deste ano pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), em parceria com a Offer Wise Pesquisa, indica um crescimento exponencial de idosos com acesso à internet no País. O percentual subiu de 68%, há cinco anos, para 97% em 2021. O mesmo estudo coloca o esporte ao lado de política, economia e “outros assuntos” no grupo das principais motivações desse perfil de usuário.

Luís Antônio Fernandes ressalta que antes se valia do rádio com frequência, mas que hoje nem tanto: costuma assistir aos jogos pela televisão, mas com o ouvido no aparelho. “Parei um pouco, antes eu escutava muito. [..] Eu boto o rádio e a TV juntos. Se eu ver que o cara está falando bobagem eu mudo para outra rádio. Nós somos torcedores, a gente sabe como é”, descontrai.

O rubro-negro Sandyr, que mora em Porto Alegre há 30 anos, lamenta os problemas para enxergar, que se misturam às muitas opções de transmissão. “Justamente agora, quando [o Brasil] entrou pra Série D, é que complicou bastante pra gente poder acompanhar. Inclusive tem vezes que chega praticamente a não dar. Porque não tem transmissão, quase. Só se ouve, não dá pra ver. Na verdade, pra ver mesmo, pra mim é muito difícil, porque praticamente não vejo mais”, conta.

O fanatismo e as novas alternativas

Os dois torcedores que conversaram com a reportagem manifestam opiniões diferentes sobre a nova realidade de transmissões, mas nutrem a mesma paixão por Lobo e Xavante. Há dez anos, Totonho atende imprensa e torcedores com café e água nos jogos da Boca do Lobo, no setor social. Quando mais novo, ajudava na quadra de futsete, que era anexa ao campo, além de ter sido mascote e gandula. “Sou um servidor do clube”, resume.

Do lado rubro-negro, Sandyr Schuster, lúcido, garante de forma convicta que, não fossem os problemas oculares, seria capaz de seguir trabalhando até hoje. O amor pelo Brasil, porém, persiste. “Acompanho [o clube], e inclusive ia e voltava de Pelotas seguidamente, pros jogos todos. Nosso grupo da Onda Xavante ia, de carro ou de ônibus. Agora é que não tenho viajado mais, porque estou muito ruim dos olhos, então não adianta. Fico aqui e acompanho, realmente, pela internet”, fala.

Ambos vivenciaram distintas épocas de veiculação do futebol: o auge do rádio, a TV aberta, a ascensão dos canais fechados e, hoje, a desmonopolização das transmissões. O fenômeno do crescimento das opções para assistir a jogos atingiu toda a cadeia do futebol: a última Copa do Mundo masculina, por exemplo, foi transmitida no Brasil por TV Globo, SporTV e chegou, de maneira inédita, ao YouTube, com equipe vinculada ao canal do influenciador digital Casimiro Miguel na plataforma oficial da Fifa.

A chegada de empresas internacionais a vários mercados esportivos também mudou o panorama. Hoje, a Copa do Brasil teve os direitos comprados pelo streaming Amazon Prime Video, enquanto parte dos jogos da Libertadores da América é veiculada somente no Paramount +, outro serviço digital e que também pode ser acrescentado ao pacote de televisão por assinatura.

Por aqui…

“Antes, quando [o Brasil] estava na Série B, era muito bom. Se acompanhava muito bem, perfeitamente. Não tinha problema, era ótimo. E naquela época estava bem melhor dos olhos. Na C já ficou mais difícil”, pontua seu Sandyr a respeito da sua experiência acompanhando o Xavante. Para os rubro-negros, aliás, o cenário piorou em 2023: 12 de suas 31 partidas sequer foram veiculadas com imagens, nem mesmo pela internet.

Já Luís Antônio enfatiza que não esbarra em contratempos para ver o Áureo-Cerúleo. Para os torcedores azuis e ouro, tem sido mais fácil: a partir do começo da temporada passada, 44 dos 48 compromissos do Pelotas foram transmitidos via FGF TV. No caso do Brasil, a Série D deste ano gerou polêmica sobre o assunto: apenas cinco dos 16 jogos do Xavante na quarta divisão nacional passaram na plataforma F. Sports, e um, diante do Caxias, teve veiculação na TV Brasil.

E no rádio?

O Diário Popular ouviu, também, uma das vozes mais experientes e marcantes do rádio pelotense: o narrador Cláudio Silva, que falou sobre o impacto da internet nas transmissões radiofônicas, que são uma opção tradicional e valiosa para quem não consegue acompanhar a velocidade das mudanças proporcionadas pelo streaming. Confira.

"A mudança realmente foi radical. Antigamente as transmissões esportivas via rádio eram por linhas telefônicas, pela Oi. A gente trabalhava com quatro fios, dois de transmissão e dois de retorno, o que muitas vezes dava muito problema. Às vezes não conseguia instalar as linhas nos estádios, às vezes tinha transmissão e não tinha retorno. Com a chegada da internet, as coisas melhoraram e muito. Hoje temos um aplicativo que usamos que é uma maravilha, tu pode fazer quatro ou cinco transmissões ao vivo ao mesmo tempo usando essa plataforma. Desde que tu tenhas uma internet boa, um 4G, que a gente costuma operar.

Facilitou muito. A maioria dos estádios tem uma boa internet. Em algumas cidades do interior ainda tem dificuldade de pegar sinal de internet, em cidades pequenas, mas a grande maioria tem um bom sinal. As emissoras economizaram porque as linhas de transmissões eram bem mais caras. Eu, por exemplo, tive que me adaptar. Graças ao Marrone, meu filho, que faz um trabalho muito bom de narração de jogos de videogame pela internet. Hoje ele narra pra todo o Brasil, pra Portugal, pra Angola, então acabei me acostumando."

Dupla Bra-Pel desde o início de 2022

112 jogos
86 apenas via streaming (76%)

Brasil em 2022
33 jogos
TV aberta: 1
TV fechada ou PPV: 4
Streaming: 28
Sem transmissão: 0

Brasil em 2023
31 jogos
TV aberta: 1
TV fechada ou PPV: 4
Streaming: 14
Sem transmissão: 12

Pelotas em 2022
24 jogos
Streaming: 20
Sem transmissão: 4

Pelotas em 2023 (até agora)
24 jogos
Todos por streaming

Algumas competições e suas transmissões em 2023

Brasileirão Série A: TV Globo, SporTV, Premiere e TNT (apenas jogos do Athletico Paranaense em casa, por conta da Lei 14.205/21, a Lei do Mandante, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro)

Brasileirão Série B: Band, SporTV, Premiere e Dale (streaming)

Brasileirão Série C: Nosso Futebol, DAZN, Goat TV (streamings)

Brasileirão Série D: F. Sports TV (streaming) e TV Brasil

Copa do Brasil: TV Globo, SporTV e Amazon Prime Video (streaming)

Libertadores: TV Globo, ESPN e Paramount +

Sul-Americana: SBT e ESPN

Champions League: SBT e TNT

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